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TRABALHO: PERSPECTIVAS E DISCUSSÕES ACERCA DE

Na perspectiva marxista, o trabalho pressupõe uma relação dialética de dupla transformação entre o homem e a natureza, geradora de significado e responsável pelo processo de humanização do homem (MARX, 1993, CODO, 1997). A palavra “trabalhar” deriva do latim tripaliare, que significa torturar por meio de “tripalium”, um instrumento de tortura do exército romano constituído de três paus fincados no chão (ARANHA, 1997; YAMAMOTO, 2015), o que por si só remete a ideia de sofrimento (LUNA, 2005). Apesar de tal derivação do termo, ele é uma invenção humana, podendo ser uma realização que faz história ou um fardo; é elemento de constituição e transformação do homem, que transforma a sua realidade e permite a realização de seus projetos no mundo. O trabalho provém subsistência, sentidos existenciais e contribui na estruturação da identidade e subjetividade do ser humano (ARANHA, 1997; TOLFO, PICCININI, 2007).

Para Marx (1968), no processo de trabalho o ser humano põe em movimento as forças naturais de seu corpo para apropriar-se dos recursos naturais, imprimindo forma útil à vida do homem e, ao mesmo tempo em que modifica a natureza externa, altera sua própria natureza. Com o trabalho, o ser humano opera uma transformação em um objeto por meio de um instrumental, com determinado objetivo. O processo extingue-se na conclusão de um produto, que é valor de uso, ou seja, um material adaptado às necessidades humanas. Ao final do trabalho, aparece um resultado já preconcebido na imaginação do trabalhador, o que diferencia esta atividade das realizadas por outros seres vivos (MARX, 1968). Nessa direção, o trabalho é expressão de um momento de criação, constituindo- se no exercício de uma atividade vital, capaz de plasmar a própria

produção e a reprodução da humanidade. Um ato responsável pela criação de bens materiais e simbólicos necessários para a sobrevivência em sociedade (ANTUNES, 2011).

Blanch Ribas (2003) propõe uma definição genérica para o trabalho. Para ele, o trabalho é uma atividade social humana, complexa e dinâmico, que se exerce de maneira individual ou coletiva. Não é reduzido as ações instintivas resultantes de funções biológicas dirigidas à sobrevivência, sendo distinta de qualquer outra prática dos animais por “sua natureza reflexiva, consciente, pró-ativa, estratégica, instrumental e moral" (pp. 34-35). De la Garza Toledo (2009) enfatiza a necessidade de um conceito ampliado de trabalho, que considere tanto suas dimensões objetivas, como as dimensões subjetivas. Dessa forma, o trabalho consiste na interação entre homens e objetos materiais e simbólicos e implica em construção e intercâmbio de significados.

Entendendo que o trabalho pode assumir diferentes concepções ao longo da história e da vida dos sujeitos, Blanch Ribas (2003) afirma que as articulações homem/trabalho são objetivas e subjetivas, sendo que analisar a categoria trabalho implica em considerar não só as condições históricas e socioeconômicas nas quais essa ação humana se desenvolve, mas também o significado, o sentido e o valor dessa experiência para as pessoas. O autor organiza didaticamente três posições acerca das concepções sobre o trabalho: o pólo negativo, caracterizando o trabalho como uma maldição, castigo, estigma; o centro do contínuo, ao se referir a função meramente instrumental do trabalho a serviço da sobrevivência e; o pólo positivo, em que há a visão do trabalho como missão, vocação ou fonte de satisfação e autorrealização (BLANCH RIBAS, 2003).

Com base nessas definições, o trabalho é aqui compreendido como um processo do qual participam o ser humano e a natureza, em que o ser humano regula e controla seu intercâmbio material com a natureza (MARX, 2002). Trata-se de um ato responsável pela criação de bens materiais e simbólicos necessários para a sobrevivência em sociedade (ANTUNES, 2011). A diferenciação entre trabalho e emprego é posta pelo contrato de trabalho, ou seja, o emprego é uma forma específica de trabalho econômico regulado por um acordo contratual, enquanto vínculo formal com uma organização, em que insurgem obrigações/direitos trabalhistas e salário, o que diferencia o emprego de outras formas de trabalho, tais como o informal e o terceirizado (JAHODA, 1987; BORGES, YAMAMOTO, 2014). O emprego é a forma capitalista de trabalho, em que o empregador compra a força de trabalho do trabalhador, com uma contrapartida salarial (SINGER, 1999).

Conforme anunciado na introdução do presente trabalho, um aspecto que tem suscitado debates por parte de estudiosos , especialmente da área da Sociologia e da Psicologia, diz respeito a centralidade da categoria trabalho na vida das pessoas, identificando-se visões diversas em relação a esta questão. Offe (1989), diante das modificações no mundo do trabalho, destaca uma perda da centralidade da categoria trabalho, afirmando que ele é menos central para os indivíduos na atualidade do que em outros períodos históricos. Em linhas gerais, o autor defende ser implausível interpretar o contexto da vida como um todo em termos da centralidade do trabalho devido a estrutura do tempo e da situação do trabalho das pessoas, e afirma que o trabalho deixou de se constituir como uma categoria sociológica chave. Essa visão vai ao encontro da perspectiva de Bauman (2001), que defende a tese da perda da centralidade do trabalho, sendo que, em tempos de modernidade líquida e incertezas, o trabalho não poderia mais oferecer um eixo seguro para fixar autodefinições, identidades e projetos de vida ao sujeito.

Na contramão desta perspectiva, teóricos como Antunes (2003) e outros marxistas defendem o trabalho enquanto categoria central mesmo em tempos de heterogeneização, fragmentação e complexificação do trabalho. A vida das pessoas segue sendo organizada em torno do trabalho e da sociedade contemporânea movida pela lógica do capital. Ele considera um equívoco afirmar a perda da centralidade do trabalho tendo em vista que o mesmo é entendido como um criador de valores-de-uso, forma de intercâmbio entre ser social e a natureza; atividade útil, vital e elemento fundante do homem; sendo que, por meio do trabalho, o ser humano cria coisas úteis e, ao fazê-lo, transforma seu próprio eu.

O trabalho, então, é classicamente considerado como uma dimensão central na vida humana, cuja autenticidade desta centralidade vem sendo questionada por alguns autores9. Diante dessa contraposição, o debate se restabelece no contra-argumento a um sugerido “fim do trabalho” e tem se reafirmado seu papel como criador de valor, possibilidade de emancipação e produção de sentido para a vida humana (ANTUNES, 2003). Alguns autores afirmam que “o trabalho existe e determina nossas vidas, hoje, mais do que em outras eras” (CODO, 1997, p.21) e que a vida é engendrada pelo trabalho. Ao entendê-lo como trabalho produtivo no sentido de produção de valores-de-uso10, todo o ser

9 Tais como Offe (1989)

10 Valor de uso é compreendido como um material adaptado às necessidades humanas (MARX, 1968).

humano trabalha e se torna humano ao trabalhar, o que, por si só, já caracteriza a centralidade do trabalho (LUNA, 2005).

De forma complementar a isso, a centralidade psicológica do trabalho é defendida ao considerar que o mesmo se constitui em elemento fundamental do ponto de vista identitário, relativo à constituição do sujeito, da sua subjetividade, e fundante do reconhecimento e inserção social (CIAMPA, 1986; TITTONI, 2004). Dessa forma, o trabalho, além de ser um meio de sobrevivência (MEDEIROS, MACÊDO, 2007), é fundamental para a construção da identidade do sujeito e ao sentimento de filiação, pertença, reconhecimento e dignidade (ARANHA, 2003), sendo um dos organizadores fundamentais da sociabilidade e da integração social (DIOGO, 2005; MEDEIROS, MACÊDO, 2007), além de ser condição de humanização e instrumento de liberdade para o ser humano (ARANHA, 1997). Ao longo desta dissertação adota-se a perspectiva da centralidade do trabalho por meio das abordagens que vão ao encontro dessas argumentações.

4.2 AS METAMORFOSES NO MUNDO DO TRABALHO NA