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3. O AGIR E A AVALIAÇÃO DO AGIR NOS TEXTOS

3.5 Procedimentos para a análise de textos no quadro do ISD

3.5.4 A infra-estrutura textual

A infra-estrutura do texto, ou seja, a primeira camada do folhado, engloba o plano geral o qual, por sua vez, organiza o conteúdo temático de forma global: os tipos de discurso [discurso interativo, discurso teórico, relato interativo e narração], as seqüências [explicativa, argumentativa, descritiva, injutiva e narrativa] e outras formas de organização não canônicas, referentes às diferentes formas de organização locais. O plano geral do texto diz

respeito à organização do conteúdo temático do mesmo. Vejamos, como exemplo, o seguinte texto:

TEXTO34 PLANO GLOBAL DO

TEXTO

BOLO DE FUBÁ35 TÍTULO

3 ovos inteiros 1/2 copo[americano] de óleo

1 copo de leite

3 colheres[sopa] de farinha de trigo 1 copo de açúcar

3 colheres [sopa] de queijo ralado 1 copo de fubá

1 colher[sopa] de margarina 1 colher[sopa] de pó royal

erva doce a gosto

APRESENTAÇÃO DOS INGREDIENTES

Bata tudo no liquidificador. Unte uma assadeira

redonda; junte o creme batido. Asse em forno médio. MODO DE PREPARO Quadro 2: Plano global (exemplo)

Assim, o plano global do texto acima, (uma receita de bolo) está organizado em torno do seu conteúdo temático, na seguinte seqüência: título, apresentação dos ingredientes e modo de preparo. Esse tipo de análise permite que o pesquisador tenha uma visão global do texto a ser analisado e permite, ainda, a identificação dos tipos de discurso em cada um dos segmentos temáticos, e, se for necessário, a identificação das seqüências explicativa, argumentativa, etc...

É nesse nível do folhado, isto é, na sua infra-estrutura textual, que é possível, também, identificar o agir representado nos textos, como tem sido constatado em recentes pesquisas, realizadas por Abreu-Tardelli (2006), Lousada (tese em elaboração), Machado e Bronckart (2004) e Bulea & Fristalon (2004).

A releitura do conteúdo temático em busca de interpretações do agir, após a identificação do plano global do texto, permite-nos verificar de que

34 Escolhi esse texto para exemplo por ser um texto curto e de fácil visualização para a exmplificação da noção de conteúdo temático e plano geral.

modo as diferentes “formas” de agir se configuram nos diferentes textos. Em textos prescritivos, Bronckart e Machado (2004) identificaram um agir- prescritivo, um agir-fonte e um agir-decorrente. Bulea e Fristalon (2004), ao analisarem entrevistas com enfermeiras, identificaram outras formas de agir: um agir-situado, um agir-evento passado, um agir-experiência e um agir- canônico.

Em relação aos resultados das pesquisas de Bulea & Fristalon, Bronckart (2005), em comunicação pessoal36, ao resumi-los, referiu-se às formas identificadas como “modelos interpretativos de ações”, modelos esses que as pesquisadoras chamaram “figuras de ação” (cf. Bulea & Fristalon, 2004). Dentre essas “figuras de ação” podemos destacar:

A figura da ação situada, cujo foco se volta sobre o actante/ator, com mobilização constante do “eu” e de numerosas ocorrências de modalizações que explicitam a responsabilidade deste ator:

Exemplo37 (1): AR15: Bem, eu acho que não adianta falar sobre a SD da Jacqueline, sem ter visto o que vem antes. Mas, tentarei fazer alguma coisa. Sílvia, não entendi direito o que você perguntou no final. Você quer saber para que serve o material didático que eu enviei? É isso?

A figura da ação acontecimento passado, que combina o foco da ação sobre o ator com a construção de mini-relatos que evocam um ou mais incidentes reveladores:

Exemplo (2) AR57: Achei meio difícil no começo. Não engrenava nada!!! É difícil encaminhar discussão se as pessoas não leram os textos, vc não acha?

36 Les differentes facettes de l´interacionisme socio-discursif – Palestra conferida na abertura do Congresso Internacional Linguagem e Interação, realizado na UNISINOS, de 22 a 25 de agosto de 2005.

A figura da ação experiência, na qual a dimensão do actante tende a ser neutralizada ( com a co-ocorrência de eu, tu, vocês, a agente etc.) em benefício da dimensão da organização geral do desenvolvimento da tarefa:

Exemplo (3) S23: Por que professor tem que ter tanto papel? Vocês precisam ver minha mesa como está.

A figura da ação canônica, na qual a neutralização do actante é completa (sua caracterização sendo marcada por uma indiferença pronominal) e cujo foco se volta para a organização lógica e cronológica da tarefa, segundo as normas do trabalho.”

Exemplo (4):

S42: Não, só fornecer motivação para leitura, não. O papel do professor é

mostrar que existem caminhos a serem seguidos. É preciso que o aluno tenha conhecimento de que é preciso ler, é preciso estar atualizado com o mundo (porque lá fora o mundo cobra e muito) e ainda na escola se aprende a escrever corretamente (é preciso que ele saiba que há um modo certo para cada momento) e isso eu acho que é a função de um professor “mostrar, encaminhar”.

Essas “figuras da ação” são, então, relacionadas aos tipos de discurso mobilizados nos grandes segmentos interpretativos: a ação situada e a ação experiência emergem no quadro do discurso interativo; a ação acontecimento passado emerge no relato interativo; a ação canônica emerge nos segmentos que oscilam entre discurso interativo e discurso teórico.38

Assim, em nossa análise dos dados, iremos em busca dessas “formas de agir” representadas nos textos, ou seja, de “figuras da ação” que são construídas no discurso. Nesse trabalho, todavia, o nosso propósito não é somente o de identificar as figuras da ação, mas, sim, identificar aquelas que são avaliadas. Em vista disso, passamos agora para uma exposição a

38 Para mais detalhes a respeito dessas figuras de ação, consultar Abreu-Tardelli (2006) e Bulea&Fristallon (2004).

respeito da terceira e última camada do folhado textual, que diz respeito aos mecanismos enunciativos. 39