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2. O PROFESSOR, O ENSINO E OTRABALHO

2.1 O ensino em pesquisas no exterior e no Brasil

Os estudos desenvolvidos na área do ensino nas últimas décadas têm se dedicado, em grande parte, a examinar a figura do professor, e o seu desempenho em sala de aula, e não o seu trabalho, propriamente dito, como informa Saujat (2004). O autor destaca três paradigmas principais sob os quais as pesquisas têm sido desenvolvidas ao longo das últimas décadas: o paradigma processo-produto; o paradigma “o pensamento do professor” ou teacher thinking e o paradigma etnográfico de pesquisas. 9

As pesquisas desenvolvidas sob o paradigma processo-produto, por exemplo, objetivavam avaliar a eficácia do professor, relacionando o resultado obtido pelos alunos (o produto) ao comportamento do professor (o processo). A figura do professor aparecia, assim, ligada à eficácia do seu agir em relação ao resultado obtido por seus alunos.

As pesquisas desenvolvidas sob o paradigma do “pensamento dos professores”, ou teacher thinking, abrangiam estudos sobre as maneiras de o professor pensar, perceber e representar, sua profissão e/ou disciplina. A

9 Vale notar que esses paradigmas também foram e ainda são norteadores de pesquisas realizadas no Brasil.

figura do professor aparecia, aqui, como a figura de um sujeito racional, com representações idiossincráticas sobre a sua profissão. Esse movimento desdobrou-se em outros, que passaram a levar em consideração os julgamentos do professor e o seu processo de decisão, transformando-os em sujeitos cognitivos e centrando as pesquisas sobre sua atividade cognitiva, rompendo, assim, com o modelo processo-produto anterior.

Já as pesquisas desenvolvidas sob o paradigma etnográfico, mais recentemente, voltaram-se para as histórias pessoais de experiência dos professores, com foco na singularidade de sua vivência profissional, em suas dimensões subjetivas e emocionais, evitando-se, contudo, generalizações. Esse paradigma gerou, também, a imagem do professor como um profissional reflexivo, caracterizando o seu pensamento como uma reflexão no curso da ação (Saujat, 2004:13), isto é, uma reflexão que, segundo o autor, incide sobre a ação e sobre a conduta, em um contexto determinado.

Em resumo, Saujat (2004:19) constata o fato de que o ensino vem sendo objeto de pesquisa desde há muitos anos, e que:

“as diferentes escolhas teóricas, epistemológicas e metodológicas levaram as sucessivas pesquisas a considerar o professor sob múltiplas figuras: como professor eficaz nos primeiros estudos processo-produto; na metade dos anos 1970; como ator racional; depois, como sujeito cognitivo portador de representações; em seguida, como sujeito singular considerado no fluxo de um vivido subjetivo; aparecendo recentemente sob os traços de um prático reflexivo.” (Saujat, 2004:19).

Esses mesmos paradigmas têm sido norteadores das pesquisas realizadas no Brasil, conforme atestam André, Simões, Carvalho et al. (1999). Em seu artigo, as autoras fazem um levantamento do “estado da arte” dos estudos desenvolvidos sobre formação de professores em nosso país, na década de 90, na esfera da Educação. Segundo as autoras, de 284 teses defendidas entre 1990 e 1996 sobre formação de professores, 216 (ou 76%) tratam do tema formação inicial, 42 (14,8%) abordam o tema da formação continuada e 26 (9,2%) focalizam o tema da identidade e da profissionalização docente. Em seu estudo, as autoras levantam, também, artigos publicados em revistas especializadas, focalizando um total de 115 artigos publicados entre 1990-1997. Dentre os temas mais enfatizados nos

periódicos constam, segundo as autoras, questões de identidade e profissionalização docente, formação continuada, formação inicial e prática pedagógica.

As pesquisadoras fazem um levantamento do conteúdo temático desses artigos, sendo que, destacam, como principais: a concepção de formação continuada e o papel dos professores e da pesquisa nesse processo de formação. O conceito predominante de formação continuada nos periódicos analisados, segundo as pesquisadoras, é o do processo crítico- reflexivo sobre o saber docente em suas múltiplas determinações. Já na categoria prática pedagógica, as autoras ressaltam que textos desenvolvidos sobre a práxis do professor evidenciaram questões que giram em torno das contradições entre a teoria e a prática, ou seja, contradições entre o discurso e a prática do professor, entre a produção acadêmico-pedagógica e a realidade da prática escolar (ou seja, o discurso científico e o professor); a organização do trabalho escolar e a autonomia do professor, assim como artigos sobre a investigação da sabedoria docente e do cotidiano escolar.

Desse modo, como podemos constatar, o foco das pesquisas no Brasil, como no exterior, tem incidido sobre os professores e não sobre o seu trabalho propriamente dito. Na Lingüística Aplicada, essa tendência se confirma. Os trabalhos no Brasil têm sido fortemente assumidos pela linha voltada para a formação de professores, sendo que a ênfase recai sobre o professor reflexivo, como se pode verificar nas pesquisas orientadas por Celani, Magalhães e Liberalli, do Lael, da PUC de SP.

Por outro lado, alguns dos trabalhos desenvolvidos tanto na área da Educação, quanto na área da Lingüística Aplicada têm trazido aportes teóricos de outras disciplinas, tais como a ergonomia da atividade ou ergonomia situada, com a finalidade de estudar o ensino a partir da perspectiva do trabalho. Na área da Educação, por exemplo, Therrien e Loiola (2001) defendem essa perspectiva, ao fazerem uma reflexão sobre o que chamam de “um campo de investigação emergente e necessário à compreensão do significado da experiência no saber-ensinar”. Inspirados em autores tais como Tardiff (98 e 99) e Durand (96 e 99), e, ainda em Lave (88), Therrien e Loiola (2001) desenvolvem a sua argumentação em prol de uma abordagem “ergonômico-situada” para pesquisas sobre o trabalho docente, o

que contribuiria, segundo os autores, para uma nova visão do trabalho de ensino.

Já na Lingüística Aplicada, dentre os pesquisadores que apóiam essa mesma linha, isto é, a análise do trabalho do professor com aportes da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade, encontramos, no Brasil, Machado (2004), Souza-e-Silva (2004), Lousada (2004) e Abreu-Tardelli (2004 e 2006) e outros pesquisadores do Lael, da PUC de SP10; na França, Saujat (2002 e 2004) e Amigues (2002, 2003 e 2004); e, na Suíça, Bronckart (2004), mais especificamente. Assim, parece surgir uma nova tendência para as pesquisas sobre o ensino.

Ao se posicionar a favor dessa linha de pesquisa, ou seja, da abordagem do ensino como trabalho, Saujat (2002 e 2004) argumenta que esse ponto de vista, por ser, “mais integrativo e interacionista” (2004:19), permite que a complexidade e a multidimensionalidade das práticas educacionais sejam apreendidas em um quadro social e histórico. Esse diálogo com a Ergonomia da Atividade e a Clínica da Atividade pode, em sua opinião, ampliar a visão que temos sobre o ensino e sobre o professor. Assim, essas disciplinas poderiam agregar novas informações às pesquisas sobre o ensino, ajudando a construir um quadro mais completo sobre as práticas de ensino contemporâneas, sobre o professor e seu trabalho.

Ao elencar alguns dos aspectos negligenciados em pesquisas anteriores, Saujat afirma, por exemplo, que a relação entre o trabalho prescrito para o professor e o trabalho por ele efetivamente realizado não era considerada. O que havia era uma percepção da distância entre a teoria e a prática, como vimos acima, no levantamento realizado pelas pesquisadoras André, Simões, Carvalho et al. (1999). As pesquisas anteriores focalizavam o

10 Na Lingüística Aplicada, juntando-se aos inúmeros trabalhos realizados anteriormente em torno do ensino, da sala de aula e do discurso do professor, novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas à luz da ergonomia da atividade: Por exemplo: Rocha (2003), Peralta(2003), Kayano (2005), Abreu-Tardelli (2004, 2005 e 2006), Lousada (2004, 2006) e Mazzillo (2004), e ainda, algumas teses de mestrado e doutorado em andamento, na linha de pesquisa Linguagem, Trabalho e Educação, liderada pela Prof. Dra. Anna Rachel Machado, do Lael, da PUC de São Paulo, que também lidera o Grupo Alter de pesquisa, conforme já indicamos na Introdução desta tese. Estudos desenvolvidos nessa linha resultaram assim em livros (Machado, 2004), diversos artigos e teses. Esses trabalhos apontam, assim, uma nova tendência para os próximos anos de pesquisa.

ensino e o professor durante a sua atuação na sala de aula, sem, todavia, levar em conta as prescrições institucionais a que esse trabalho está submetido (documentos produzidos por instituições, leis, decretos, etc...). As pesquisas negligenciavam, também, a importância do papel do coletivo de trabalho na interpretação dessas prescrições e, ainda, o comprometimento gerado por decisões tomadas frente a dilemas profissionais (Saujat, 2002). Como vemos, os aspectos listados envolvem alguns dos conceitos com que trabalha tanto a Ergonomia da Atividade quanto a Clínica da Atividade, isto é: os conceitos de trabalho prescrito, trabalho real, trabalho realizado, atividade e coletivo de trabalho.

Assim sendo, passamos a explorar alguns dos conceitos acima citados, que tomaremos emprestados para o desenvolvimento de nosso estudo.