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Capitulo III – Metodologia e projeto de intervenção

3.5. Inserção curricular da temática

Antes de apresentar o projeto de intervenção é fundamental fazer um breve enquadramento curricular com o intuito de justificar a importância das temáticas abordadas, particularmente, a diversidade linguística e cultural e a língua gestual portuguesa. Para tal recorremos a documentos de referência que ajudam os professores a delinear as suas estratégias de ensino. Estes documentos explicam os conteúdos fundamentais, apresentam-nos cronologicamente, definem as competências a adquirir pelos alunos e identificam os descritores de desempenho que vão ajudar os professores aquando a avaliação dos alunos. (cf. Ministério da Educação, 2004).

O projeto, intitulado “A língua gestual vai à escola”, foi desenvolvido em torno do tema global literatura para a infância, tendo-se partido da apresentação, leitura e análise de livros de histórias que sensibilizam para a língua gestual portuguesa de forma a levar os alunos a compreender a importância da LGP e a aprenderem algum vocabulário da mesma.

Para isso, foram consultados os principais documentos oficiais orientadores tais como, a Lei de Bases do Sistema Educativo (Ministério da Educação, 1986), o Currículo Nacional do Ensino Básico (CNEB) (Ministério da Educação, 2001), o Programa de Português do Ensino Básico (Ministério da Educação, 2015) e o programa de Expressão e Educação Dramática (Ministério da Educação).

No que concerne à Lei de Bases do Sistema Educativo destacam-se alguns objetivos gerais e princípios organizativos que mostram a importância da educação como direito para todos os cidadãos:

Artigo 2.º - Princípios gerais

1- Todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República (p. 1); […]

5 - A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva (p. 1).

Artigo 3.º - Princípios organizativos

b) Contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos; […],

d) Assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais da existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas” (1986, p. 2).

Ou seja, a escola participa na formação da personalidade do aluno, por isso ela deve estimulá-lo a ter boas atitudes. É esperado que a escola contribua para que os alunos adquiram uma postura positiva face aos valores humanos fundamentais como a justiça, a solidariedade, a honestidade, o reconhecimento da diversidade e da diferença, o respeito pela vida e pelos direitos humanos básicos, para que possamos ter uma sociedade onde impere o respeito, a tolerância e a igualdade onde todos consigam conviver independentemente das crenças e culturas.

Há necessidade de se preparar os alunos não apenas para o futuro, mas sim para a vida. Portanto as escolas devem ser espaços educativos de construção de personalidades humanas autónomas, nos quais os alunos aprendam a ser pessoas de bem.

Nas escolas, os alunos devem ser ensinados a valorizar e respeitar as diferenças, pela convivência com os que estão ao seu redor, pelo exemplo dos professores, pela maneira de se ensinar em sala de aula e pelo clima das relações estabelecidas em toda a comunidade escolar.

No que diz respeito ao Currículo Nacional do Ensino Básico, apesar de não estar em vigor, este alerta para a importância do contacto com outras línguas e culturas no 1ª Ciclo do Ensino Básico quando afirma que:

“Neste contexto, torna-se necessário perspectivar a aprendizagem de línguas estrangeiras como a construção de uma competência plurilingue e pluricultural nos termos em que é formulada no Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas:

Designar-se-á por competência plurilingue e pluricultural a competência para comunicar pela língua e para interagir culturalmente de um actor social que possui, em graus diversos, o domínio de várias línguas e a experiência de várias culturas. A opção essencial é considerar que não se trata de sobreposição ou justaposição de competências distintas, mas antes da existência de uma competência complexa, isto é, compósita (…)” (2001, p.39).

Ainda neste documento podemos encontrar alguns princípios orientadores relativos à sensibilização à diversidade linguística e cultural destacando-se:

“As aprendizagens em línguas estrangeiras, no 1º ciclo, deverão ser orientadas no sentido de uma sensibilização à diversidade linguística e cultural. A abertura da escola a essa pluralidade traduzir-se-á na criação de espaços de receptividade a outras línguas e outras culturas – eventualmente presentes no meio envolvente -, ao estabelecimento de relações entre estas e a língua materna e ao convívio com outros modos de ser, de estar e de viver” (2001, p.45).

De salientar que este projeto não diz propriamente respeito a uma língua estrangeira, mas a uma língua oficial de Portugal, a língua gestual portuguesa. Assim, o objetivo deste projeto é promover o conhecimento e o contacto com uma língua minoritária, a língua gestual portuguesa, de modo a que as crianças aprendam a conviver com a diversidade e respeitem o Outro na sua diferença.

Analisando agora o Programa de Português do Ensino Básico (PPEB), podemos verificar que este contempla os objetivos gerais e que, o mesmo documento, estabelece os resultados esperados para o aluno, sendo que o nosso foco incide no primeiro ano.

Assim, e tendo em conta o projeto de intervenção gostaríamos de destacar os objetivos que achamos pertinentes: sendo eles: “Adquirir e desenvolver estratégias de escuta ativa com vista a reter informação essencial, a desenvolver a compreensão, e a produzir enunciados orais em contextos específicos.” (pag. 5). Este objetivo é sem dúvida importante, uma vez que, o projeto incidiu na leitura de histórias. Outro objetivo que nos pareceu pertinente foi o “Usar fluentemente a língua, mobilizando diversos recursos verbais e não-verbais e utilizando, de forma oportuna, recursos tecnológicos.” (pag. 5). De facto, neste projeto tivemos oportunidade de utilizar a língua gestual para comunicar e usar o quadro interativo para aceder ao site spreadthesign.

Sendo o 1º Ciclo do Ensino Básico uma etapa muito importante do percurso escolar dos alunos, podemos verificar que o documento PPEB divide o programa de Português em quatro grandes domínios, nomeadamente o domínio da Oralidade, Leitura e Escrita, Educação Literária e Gramática. Por sua vez, cada domínio divide-se em várias metas de aprendizagem que os alunos terão de adquirir.

Assim, no domínio da Oralidade os alunos têm como metas de aprendizagem 1. Respeitar regras da interação discursiva (p. 44);

2. Escutar discursos breves para aprender e construir conhecimentos (p. 44); 3. Produzir um discurso oral com correção (p. 44);

4. Produzir discursos com diferentes finalidades, tendo em conta a situação e o interlocutor.

No domínio da Leitura e da Escrita

1. Apropriar‐se de novos vocábulos (p. 45). No domínio da Iniciação à Educação Literária:

17. Compreender o essencial dos textos escutados e lidos (p. 47).”

Estes objetivos e respetivas metas de aprendizagem têm como finalidade levar os alunos a perceber e falar de forma correta bem como serem capazes de produzir um discurso oral lógico de forma a transmitirem as suas ideias de forma clara.

Por fim, analisando o programa de expressão e educação dramática este afirma que “Num jogo dramático estão sempre presentes os sinais exteriores do corpo no espaço, através da mímica, dos gestos, das atitudes, dos movimentos…”. Desta forma, os alunos poderão “Mimar, a dois ou em pequenos grupos, atitudes, gestos, movimentos ligados a: uma acção isolada; uma sequência de actos (situações recriadas ou imaginadas)” (pag. 82- 83).

No âmbito da linguagem verbal e gestual “em interação, as crianças irão desenvolvendo pequenas improvisações explorando, globalmente, as suas possibilidades expressivas e utilizando-as para comunicar.” (pag. 84) improvisando “atitudes, gestos e movimentos ligados a uma ação precisa em interação com o outro.”

Para concluir este tópico, importa ainda fazer uma referência ao Quadro Europeu Comum de Referencia (QECR, 2001).

Neste documento – QECR – é mencionado que, apesar de a finalidade de alguns programas de ensino aprendizagem de línguas ser o desenvolvimento de capacidades de comunicação, há outros programas que tem como principal objetivo, o desenvolvimento de competências gerais, que incluem o conhecimento declarativo (saber), a competência de realização (saber-fazer), a competência existencial (saber-ser e saber-estar) e a competência de aprendizagem (saber-aprender).

De facto, ao desenvolver este projeto de intervenção didática tentámos desenvolver estas competências. Por exemplo, em relação ao conhecimento declarativo (saber), “que resulta da experiência (conhecimento empírico e de uma aprendizagem mais formal (conhecimento académico)” (Conselho da Europa, 2001, p.31), proporcionámos aos alunos que alargassem os seus conhecimentos acerca de outras línguas, mais precisamente a língua gestual e o inglês. Por outro lado, também os conhecimentos e vivencias prévias dos alunos foram essenciais, pois permitiram que compreendessem algumas palavras ou expressões diferentes do português.

No que diz respeito à competência da realização (saber-fazer), que remete para a capacidade de por em prática os conhecimentos, podemos afirmar que os alunos ao serem confrontados, em varias situações, com os conhecimentos adquiridos acerca da língua gestual demonstraram saber fazer os gestos que lhes foram transmitidos.

Quanto à competência existencial (saber-ser e saber-estar), que engloba as “características individuais, traços de personalidade e atitudes” (Conselho da Europa, 2001, p.32) de cada indivíduo, considero que aproveitámos os interesses dos alunos aquando da planificação e concretização das atividades, para além de termos tentado sensibilizar os alunos para a aceitação do Outro e do que é diferente (neste caso especifico para a língua gestual portuguesa e para as pessoas surdas).

Por fim, a competência de aprendizagem (saber-aprender), que mobiliza as três competências supramencionadas – conhecimento declarativo, competência de realização e competência existencial – e que implica ser capaz de incorporar os novos conhecimentos

nos anteriores, modificando estes últimos onde for necessário, foi também desenvolvida nos alunos, uma vez que tentámos sempre que estes se interessassem pelos temas abordados ao longo das várias sessões do projeto e ao mesmo tempo se predispusessem a aceitar o Outro e outras línguas (cf. Conselho da Europa, 2001).

Todos estes tipos de conhecimento – conhecimento declarativo, competência de realização, competência existencial e competência de aprendizagem – devem ir sendo desenvolvidos pelos alunos, nomeadamente para que, e reportando-nos ao tema do projeto, identifiquem, compreendam, interpretem e relacionem o português com a língua gestual portuguesa, neste caso, mas com outras línguas minoritárias.