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Capitulo I – Diversidade linguistica e línguas minoritárias

1.4. Línguas minoritárias

O mito da Torre de Babel, identificado na Bíblia, conta que esta torre teria sido construída pelos descendentes de Noé na época em que se falava apenas uma língua. Os homens queriam construir uma torre muito alta de forma a alcançar o mundo dos deuses. Esta obsessão provocou a fúria de Deus que, por castigo, causou uma grande ventania, derrubando a torre e espalhando as pessoas pela Terra falando línguas diferentes, provocando a confusão e o caos. (Gênesis 11,1-9).

Este mito foi, talvez, a tentativa dos antepassados explicarem a existência de várias línguas no mundo. De facto, o mundo desde sempre foi habitado por diferentes povos, com línguas, culturas, valores e estilos de vida muito diferentes, sendo que, nos dias de hoje, esses diferentes povos estão, por várias razões, cada vez mais perto uns dos outros, criando relações entre si. No entanto a distribuição das línguas pelo mundo é muito desigual.

Atentemos no que o “Ethnologue”, site responsável pela identificação das línguas no mundo, nos diz acerca das línguas existentes no mundo. Segundo este site, atualmente a população mundial passa os sete biliões de pessoas e estima-se que existam mais de 7000 línguas vivas. (https://www.ethnologue.com/). Apesar de verificarmos esta grande

diversidade, algumas destas línguas correm um sério risco de serem extintas e esquecidas. Normalmente associamos a palavra extinção às espécies animais ou vegetais, no entanto, e segundo o site ethnologue existem atualmente 2444 línguas em vias de extinção desde o Manx, a língua indígena celta da Ilha de Man, no Mar da Irlanda, cujo último falante morreu em 1974 (e que, posteriormente, acabou por ser parcialmente recuperada) até algumas línguas índias da Amazónia.

Estima-se que, caso a morte das línguas continue ao ritmo atual, metade das línguas do mundo pode desaparecer até ao final deste século. Perante esta situação, torna-se necessário preservar o maior conhecimento possível sobre estas línguas, sendo nossa responsabilidade não as deixar “morrer” pois estas são o principal veículo de expressão de uma cultura. Se uma língua desaparece falha a transmissão de geração em geração implicando uma perda importantíssima e irrecuperável de conhecimentos, de história e cultura de um povo e de todo o seu património. Como frisou o diretor-geral da UNESCO, Koichiro Matsuura,

“a extinção de uma língua implica o desaparecimento de numerosas formas de património cultural imaterial, em particular, da preciosa herança constituída pelas tradições e expressões orais – poemas e lendas, além de provérbios e anedotas – utlizadas pela comunidade que falava tal idioma. Essa extinção prejudica também a relação que a humanidade estabelece com a biodiversidade porque as línguas veiculam numerosos conhecimentos sobre a natureza e o universo.” (http://www.revistaplaneta.com.br/linguas-em-perigo/) acedido em 5/6/2016.

Se nós vivemos numa sociedade global, com países diferentes, línguas diferentes, culturas diferentes, raças diferentes, personalidades diferentes, como é que podemos recusar a diversidade? Uma vez que o contacto com o Outro faz parte da nossa condição, como seres humanos, temos que o aceitar independentemente das suas diferenças, na certeza, porém de que também existem semelhanças.

É neste mundo, neste espaço de diversidades, que encontramos todas as condições necessárias para nos desenvolvermos. Compete-nos a nós administrar e cuidar de todos os recursos de que dispomos, de forma a garantir direitos e deveres iguais para todos os cidadãos. A língua faz parte da identidade e da cultura dos povos. Por isso, respeitar a língua do outro é respeitar o outro enquanto pessoa, cidadão que tem uma língua, uma cultura e uma personalidade próprias. Não existem línguas melhores ou piores, mais

importantes ou menos importantes. Todas as línguas são as melhores e as mais importantes para as pessoas que as falam.

Perante estes factos, a diversidade linguística e cultural que marca a nossa sociedade não deve constituir-se como um obstáculo à comunicação, mas sim uma fonte de enriquecimento e de compreensão que deve ser preservada entre todas as pessoas.

Quase todos os países têm um ou mais grupos minoritários nos seus territórios, caracterizados por uma identidade cultural, linguística ou religiosa própria e diferente da identidade da maioria da população. As relações harmoniosas que se estabelecem no seio das minorias e entre as minorias e a população maioritária, assim como o respeito pela identidade de cada grupo, constituem bens valiosos para o desenvolvimento das sociedades atuais.

A Europa, continente que habitamos, apresenta, também, um quadro linguístico diverso, sendo considerado um

“Continente complexo (…) de povos e línguas tão diversas, de culturas que se cruzam e interesses que se casam, de riquezas que se esgotam e de fragilidades que se tornam riquezas, de fronteiras que desaparecem enquanto outras renascem e outras ainda parece que se inventam” (Siguan, 1996, p. 10).

Ainda segundo este autor,

“os Estados europeus não só apresentam uma grande variedade de situações linguísticas, quanto à importância das línguas minoritárias ou das variedades dialectais no seu território, como apresentam igualmente uma grande multiplicidade de políticas linguísticas que aplicam a fim de responder a esta variedade” (Siguan, 1996, p. 77).

Mas então o que podemos entender por línguas minoritárias? Segundo a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias definem-se como línguas minoritárias aquelas que:

“i. Sejam utilizadas tradicionalmente num determinado território de um Estado por nacionais desse Estado que constituam um grupo numericamente inferior à restante população do mesmo Estado; e

ii. Sejam diferentes da(s) língua(s) oficial(is) desse Estado;”

(https://www.coe.int/t/dg4/education/minlang/textcharter/Charter/Charter_pt.pdf)

Esta definição vai ao encontro da definição de minorias linguísticas. No entanto não é fácil definir minoria linguística.

De facto não existe uma definição consensual sobre este conceito. De acordo com Sousa 2014 baseando-se em vários autores como Capotorti; Deschenes; Eide, entre outros pode definir-se como minoria

“um determinado grupo de pessoas que vivem e residem num Estado, numericamente inferior e/ou estando numa posição de vulnerabilidade e não dominante em relação à maioria da população, com características próprias que diferem da maioria da população do Estado onde vivem; os seus membros identificam, de forma expressa ou implícita, as particularidades, nomeadamente de origem linguística, cultural, religiosa ou étnica, comuns entre si, que pretendem, ativa e passivamente, manter, conservar e promover.” (Sousa, 2014, p. 40).

Então, para definirmos minoria linguística podemos pegar na noção de comunidade linguística.

Segundo a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos no art.º 1º., uma

“comunidade linguística é toda a sociedade humana que, radicada historicamente num determinado espaço territorial, reconhecido ou não, se identifica como povo e desenvolveu uma língua comum como meio de comunicação natural e de coesão cultural entre os seus membros. (…) Uma comunidade linguística histórica no respetivo espaço territorial, entendendo-se este não apenas como uma área geográfica onde esta comunidade vive, mas também como um espaço social e funcional indispensável ao pleno desenvolvimento da língua.” (Sousa, 2014, p. 45).

No que diz respeito a Portugal, para além da língua portuguesa que se constitui como uma língua maioritária e sendo a língua oficial de Portugal, podemos encontrar duas outras línguas oficiais, mas neste caso consideradas como línguas minoritárias – a língua gestual portuguesa e o mirandês.

No que concerne à língua mirandesa, esta foi reconhecida como língua oficial pela Lei nº 7/99 de 29 de janeiro de 1999. A língua mirandesa é falada na região nordeste de Portugal mais precisamente nas aldeias do concelho de Miranda do Douro. A área ocupada pela região onde se fala o mirandês tem à volta de 500 km2 de superfície e situa-se na fronteira com a província espanhola de Zamora. O mirandês é também falado por muitos mirandeses que imigraram para as principais cidades do país ou que emigraram para o estrangeiro.

Na cidade de Miranda do Douro não se fala mirandês, segundo alguns autores desde o início do século XVII, mas a língua tem vindo a regressar à cidade através de pessoas das aldeias que, nos últimos anos, aí têm vindo a fixar residência.

Apesar de já não se falar mirandês nessa região mais vasta, ainda pode falar-se de uma cultura comum, em particular na área correspondente à medieval Terra de Miranda.

No que diz respeito à língua gestual portuguesa, esta é utilizada pera a comunicação com e entre as pessoas surdas. Esta língua será abordada no segundo capítulo de uma forma mais detalhada.

Perante as definições expostas anteriormente será que podemos considerar a comunidade surda como uma minoria linguística e cultural? De facto podemos considerar que a lingua gestual portuguesa e a sua cultura não é importante apenas para a minoria surda. A sociedade ouvinte maioritária também tem muito a beneficiar na medida em que ao aceitar e reconhecer a existência de línguas e culturas diferentes das maioritárias, torna- se cada vez mais inclusiva e capaz de aceitar o diferente, seja qual for a língua que se use ou as especificidades decorrentes disso. A sociedade que aceita a diferença, torna-se mais acolhedora, menos opressiva e menos massificadora e acaba por criar alternativas e meios para a manutenção do bem estar de todos, promovendo a humanização das pessoas.