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A institucionalização da educação

CAPÍTULO V A ESCOLA NORMAL COMO ESPAÇO DE SOCIALIZAÇÃO DA

5.1 A institucionalização da educação

Em se tratando de escolarização, acreditamos, como Faria Filho (2007), que o termo possui duplo sentido e que esses sentidos apresentam intima relação entre si, são eles:

[...] escolarização pretende designar o estabelecimento de processos e políticas concernentes à ―organização‖ de uma rede, ou redes, de instituições, mais ou menos formais, responsáveis seja pelo ensino elementar da leitura, da escrita, do cálculo e, no mais das vezes, da moral e da religião, seja pelo atendimento em níveis posteriores e mais aprofundados. Em outra acepção, escolarização é entendida como a produção de representações sociais que tem na escola seu lócus fundamental de articulação e divulgação de seus sentidos e significados.242

242 FARIA FILHO, Luciano M. Escolarização e cultura escolar no Brasil: reflexões em torno de alguns

pressupostos e desafios. In: BENCOSTTA, M. L. A. Culturas escolares, saberes e práticas

Para o autor, a escolarização possui diferentes implicações e dimensões: sociais, políticas e culturais abrangendo inúmeras questões relacionadas ao reconhecimento ou não das competências culturais e políticas dos diferentes sujeitos sociais e à emergência da profissão docente no Brasil. Um outro sentido é colocado ao termo escolarização que é o que remete mais diretamente ao ato ou efeito de tornar escolar, e que caracteriza o processo de submetimento de pessoas, conhecimentos, sensibilidades e valores aos imperativos escolares.

Essas diferentes implicações, relacionadas entre si, permite articular a escolarização com a configuração de um tipo específico de formação e organização cultural denominado de cultura escolar. Sabemos que as instituições escolares são regidas por normas e legislações externas a elas e também de apropriações de culturas mais gerais feitas em seu interior. A perspectiva de realizar um estudo sobre a cultura escolar possibilita questionar os imperativos produzidos e utilizados no interior dessas instituições escolares. A categoria cultura escolar, nesse sentido, permite ao pesquisador, penetrar no interior das instituições escolares e desvendar a complexa rede de conhecimentos que a envolve.

Ela permite articular, descrever e analisar, de uma forma muito rica e complexa, os elementos-chaves que compões o fenômeno educativo escolar. Situando-se no plano das mezo abordagens, a categoria cultura escolar é aqui entendida como a forma como uma situação histórica concreta e particular são articuladas e representadas pelos sujeitos escolares, as dimensões espaço-temporais do fenômeno educativo escolar, os conhecimentos, as sensibilidades e os valores a serem transmitidos e a materialidade e os métodos escolares. 243

Essa definição de cultura escolar possibilita compreender os processos de constituição dos sujeitos e de seus lugares sociais tornando-os parte integrante das culturas escolares implicando assim, necessariamente que se faça opção por determinada definição de cultura e articular essa definição com outras duas dimensões do fenômeno educativo: uma se situa no tempo mais longo e na dimensão macro dos processos de escolarização outra está nos tempos curtos, em uma dimensão micro, uma vez que as culturas escolares realizam uma mediação entre esses dois campos. Diante essas análises podemos compreender as múltiplas e diversas facetas da experiência escolar e a riqueza e a pluralidade das culturas escolares.

243 Ibidem, p. 195 (grifos do autor)

[...] é preciso que se considere que as culturas escolares vistas desde o lugar de uma escola singular, ou sob essa escala microanalítica, não podem ser compreendidas em sua singularidade e generalidade se não se realizarem as necessárias mediações com os processos sociais mais amplos244 (FARIA FILHO, 2001, p. 196).

Nesse estudo, faço referência à cultura escolar, enquanto categoria, utilizando o termo no singular, pois estaremos utilizando como foco a cultura estabelecida em instituições de ensino determinadas, específicas: as Escolas Normais do município de Ituiutaba, Minas Gerais, ao mesmo tempo estarei estabelecendo relações do ponto de vista do objeto ou do campo de estudos de forma mais ampla e nesse momento utilizarei o termo culturas escolares fazendo um exercício de pesquisa entre o micro e o macro, o geral e o específico.

Para tanto, foi necessário adentrar nos estudos sobre a cultura escolar, uma vez que a mesma, dará uma dimensão das normas e das práticas vivenciadas no cotidiano das escolas onde os diferentes atores, principalmente alunas/os e professoras/es dessas instituições circularam, se fizeram presente e que foram chamados a obedecer às ordens e dispositivos pedagógicos impostos pelas sociedade. Quanto a isso, Julia se posiciona:

[...] a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimento a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de

práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a

incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas com a finalidade que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).245

Faz-se necessário, entretanto, na análise da cultura escolar, imbuída das normas e práticas, que se leve em conta o corpo profissional dos agentes que estão obedecendo essas ordens, que estão utilizando os dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar a sua aplicação que são os professores, buscando ainda, para além dos limites da escola como forma mais ampla de identificar os modos de pensar e agir difundidos no interior de nossas sociedades, modos que só concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades por meio dos processos formais de escolarização.

244 Ibidem, p. 10 (grifos do autor).

245 JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista brasileira de história da educação nº1, jan./jun. 2001 (grifos do autor).

Nesse sentido, Julia (2001) alerta que, na história da educação, o estudo das normas que regem as escolas tornou-se um estudo tradicional pela facilidade em se analisar os textos reguladores e os projetos pedagógicos, insiste, porém, na importância de utilização dos textos normativos no sentido de nos reenviar às práticas ocorridas no cotidiano das salas de aula e nas relações professor aluno. Alerta que, apesar de terem normas rígidas a seguir, as mudanças dentro do contexto das instituições, acontecem de forma lenta e gradual,

Convém pelo contrário, a cada vez, recontextualizar as fontes das quais podemos dispor, estar conscientes de que a grande inércia que percebemos em um nível global pode estar acompanhada de mudanças muito pequenas que insensivelmente transformam o interior do sistema.246

A cultura escolar, assim como o processo de escolarização indicam o procedimento e o resultado das experiências dos sujeitos, dos sentidos construídos, compartilhados e disputados ou não, pelos diversos sujeitos que compõem o universo escolar. Nesse sentido faz-se necessário considerar a existência de outras culturas, como a familiar e a religiosa, externas à escola mas que fazem-se presentes dentro dela por meio de conflitos e/ou harmonia. Outra consideração importante que se faz necessária é ponderar que, os sujeitos que compõem esse universo, não chegam ali desprovidos de experiências, eles guardam dentro de si diversos pertencimentos e identidades que estarão continuamente em contato com a cultura escolar.

Sendo as culturas escolares, lócus de atuação dos diferentes sujeitos que nela estão inseridos, construídas nas experiências e nas práticas escolares cotidianas, elas não estão sujeitas a intervenções e alterações bruscas. As mudanças ocorrem de forma lenta e gradual, na medida em que os sujeitos escolares se apropriam das diferentes tradições, científicas, religiosas, que circulam no universo escolar.

Por isso mesmo, pensar a cultura escolar é pensar também as formas como os sujeitos escolares se apropriam das tradições, das

246 Ibidem, p. 15.

culturas em que estavam imersos nos diversos momentos do processo de escolarização247

Nesse sentido, para se compreender as culturas escolares precisamos compreender a forma particular como cada sujeito em seu lócus escolar se apropria das diferentes tradições presentes, no pensamento pedagógico e na organização das práticas escolares em vigor no contexto do país, do município e das escolas em questão.