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Mapa 3. Mapa geográfico do Paraná em 1951

2.6 O ensino superior e a higienização social

2.6.1 Instituições que ensinam e curam

Havia uma clara contradição entre o desejo de modernização da capital paranaense nos moldes de outras capitais brasileiras e a efetiva precariedade da vida urbana da “moderna Curitiba”. Como escreveu Benvenutti (2004, p. 27 apud CINTRA, 2010):

[...] a imagem de riqueza, de beleza e de ordenamento burguês tão necessário a uma cidade moderna era quebrada pela sujeira, pelos odores fétidos, lama, doenças, cortiços e pela pobreza presente em pleno centro daquela que era a capital do Estado do Paraná.

Cheiro, odores, falta de higiene ou a insalubridade das habitações, incluindo esgoto a céu aberto e o mau cheiro que rondava a cidade, causado, sobretudo, pelo acúmulo do lixo e de águas paradas, pela ausência de um sistema de tratamento e de esgotamento, bem como os problemas que acusavam a má qualidade e a má

26 A relação de disciplinas trabalhadas por Assis Gonçalves aparece nos Relatórios Gerais da

Universidade do Paraná, de 1920. No Curso de Medicina, trabalhou Física Médica, Microbiologia, Higiene, Medicina Legal, Anatomia Médico-Cirúrgica, Clínica Propedêutica, Cirurgia e Ortopedia; no Curso de Odontologia: Microbiologia, Histologia, Higiene, Anatomia Descritiva e Topografia da Cabeça e no Curso de Farmácia: Materiais Médicos, Terapêutica, Física Natural, Bromatologia e Toxicologia.

27 Refiro-me, de modo especial, ao trabalho de SIGOLO, Renata. A saúde em frascos: concepções

distribuição da água, todos esses fatores se contrapunham a essa pretendida modernidade.

Essa mesma modernidade foi o discurso usado como pressuposto de criação da Universidade do Paraná. Crescimento populacional, prédios públicos, enfim, consubstanciavam esse discurso e os cursos superiores vieram fazer efeito junto a esses fatores. O Curso de Medicina foi aprovado oficialmente na reunião do Conselho Superior da Universidade Paranaense, em 23 de outubro de 1913, tendo as aulas iniciadas no ano letivo de 1914. A instrumentação utilizada em aulas práticas foi trazida do Rio de Janeiro e da Europa e consubstanciou um modelo de educação para a capital paranaense, uma vez que não se restringiu a esse curso, mas se expandiu a outros como Farmácia, Odontologia e Obstetrícia, formando uma concepção mais ampla de “escola de medicina”.

Esse quesito é importante porque ele fez com que o ensino universitário ficasse, desde o princípio, ligado às instituições de assistência existentes até então. Criado em outubro de 1913, o curso médico da Universidade Paranaense ficou interdependente da Santa Casa da Misericórdia de Curitiba. Na Santa Casa foi ministrado o ensino das clínicas, como também o seria mais tarde, em 1916, no Hospício Nossa Senhora da Luz, também chamado Hospital de Alienados. Esse Hospício foi reformado em 1914 para “[...] atender indigentes, pobres e desamparados que perambulam pela cidade [...]” (AMARAL, 1928).

Ao lado de Victor do Amaral, muitos outros médicos da Santa Casa foram professores de várias disciplinas dos cursos médico e da área da saúde, da Faculdade de Medicina do Paraná. E, como ele, sem deixar suas atividades na dianteira dos atendimentos médicos daquela casa e na clínica particular. Aliás, o diretor Victor do Amaral pode ser entendido como um dos homens responsáveis pelo estreitamento das relações entre escola-hospital quando do ensino das clínicas e do exercício do ofício assistido dos futuros médicos da Faculdade de Medicina do Paraná, “[...] com certa semelhança da ação do médico Arnaldo Augusto Vieira de Carvalho na relação Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo-Santa Casa da Misericórdia” (CINTRA, p. 46).

Dessa relação estreita entre a Faculdade e a Santa Casa, no Paraná, a princípio centralizada na figura de Victor do Amaral, mas ampliada com a participação de Reynaldo Machado, João Evangelista Espíndola, Francisco Burzio, José Pereira de Macedo e ainda outros do hospital, que dividiriam o exercício da

prática médica com o magistério, surgiu a possibilidade, anos depois, da criação do Laboratório de Análises Clínicas ali mesmo instalado.

Criado de 1920, como “Laboratório de Pesquisas Clínicas”, ficou a cargo da primeira médica formada pela Faculdade do Paraná, Maria Falce. A constituição do Laboratório se somava à “medicina experimental” da Faculdade do Paraná, consolidando os princípios do ensino e do atendimento público, apesar da afirmativa de Lindolfo Fernandes, de que “a modernização dos serviços sanitários no Paraná” só tivesse ocorrido apenas “na década de 1930” (FERNANDES, 1988, p. 33). Foi um exagero do autor, se levarmos em consideração as políticas públicas no tocante à saúde no Estado, pois se observam várias ações no final do XIX e início do XX,. Era o caso da Inspetoria Geral de Higiene (1892), do Regulamento do Serviço Sanitário do Paraná (1918), do Serviço de Águas e Esgotos da cidade de Curitiba (1909), da Inspeção Médica Escolar (1921), dentre outros. Foram locais de assistência e de profissionalização dos jovens médicos e da saúde na FMP, bem como do exercício de assistência à população.

Logo após a organização dos serviços ofertados pelo Dispensário Dentário (1913), que, a rigor servia ao Curso de Odontologia, bem como da Maternidade do Paraná (1914), depois Maternidade Victor do Amaral (1929), ao Curso de Obstetrícia, impôs-se a necessidade de um lugar propício para o exercício das disciplinas clínicas do Curso de Medicina e Cirurgia da FMP. A primeira turma do curso médico, iniciada em 1914, encaminhava-se para o segundo ano de curso, em 1915, tendo a disciplina Clínica Propedêutica Médica no currículo. Seu professor, João Evangelista Espíndola, era também o diretor da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba. Para o efetivo ensino prático da disciplina clínica, e na ausência do Hospital da Universidade do Paraná, tal como era o interesse inicial dos médicos-fundadores referenciado no Estatuto de 1914 em capítulo próprio, que afirmava:

Art. 227º - Sob o nome de Hospital da Universidade do Paraná, será mantido pela Universidade um Hospital, destinado a prestar assistência clínica gratuita à pobreza, que queira prestar-se ao ensino dos alumnos, e remuneradas às pessoas que se possam tratar á sua custa, mediante uma certa contribuição diária, em quarto particular. (ESTATUTO DE 1914, p. 64).

Em cumprimento ao Estatuto, estabeleceu-se assim o convênio entre a FMP e a Santa Casa. Da parceria com a principal casa de assistência à saúde da capital paranaense resultariam ainda outras parcerias com hospitais particulares, como o

caso do Hospício Nossa Senhora da Luz, por vezes Asilo N. S. da Luz e ainda Hospital de Alienados, cuja mantenedora era a própria SCM de Curitiba, para o exercício da clínica de Psiquiatria, conduzida pelo médico Cláudio de Lemos, e da clínica de Neurologia, por Manuel Supplicy de Lacerda.

Nesse mesmo local foi concebido o Laboratório de Pesquisas Clínicas, em 1920, a cargo da Universidade e seus alunos. O Laboratório realizava os exames clínicos dos internos. Alguns dos Laboratórios e Gabinetes tinham sua função estendida para além do ensino prático dos alunos, requeridos pela própria diretoria da instituição, a bem de atender suas instituições anexas, como a assistência prestada pelo Laboratório de Farmacologia (anexo ao Laboratório de Química Geral) à Maternidade do Paraná, na formulação de remédios e de preparados, ou ainda quando solicitado pelo poder público, para a realização de exames periciais de substâncias químicas ou toxicológicas, e de medicina legal, nos Laboratórios de Química Geral e de Anatomia, geralmente em prestação de serviço ao Departamento de Polícia, no qual já participavam médicos lotados na escola médica paranaense: João de Moura Brito  da medicina legal, Alfredo de Assis Gonçalves  professor interino de medicina legal e Miguel Severo Santiago  da cadeira de anatomia. No caso da Farmácia, havia o projeto de parceria com os poderes públicos para atendimento a uma farmácia pública atendendo amplamente aos hospitais da cidade – projeto efetivado mais tarde quando da constituição da própria farmácia no hospital.

Havia um bem montado Gabinete de Anatomia ou Museu de Anatomia. O Laboratório de Anatomia, que tinha anexo o Gabinete, foi montado pelo professor Paulo Tibiriçá, da Universidade de São Paulo, que permaneceu por dois anos na Faculdade para a montagem de um Departamento de Anatomia e Fisiologia Patológicas (RELATÓRIO, 1941, p. 2).

O Departamento criado sob orientação do professor Tibiriçá continha também

um Laboratório de dissecação anatômica. Ficava no 1º pavimento do prédio e contava com uma sala anexa de preparação dos cadáveres, com todo o aparelhamento necessário: banheira, mesa com pedra mármore, instrumentos para injeção e água corrente. Naquele mesmo pavimento havia outras salas: 2 anfiteatros de aulas orais, conhecidos por “primeira” e “segunda” sala, a arrecadação militar, instalações sanitárias, sala de material de limpeza e um gabinete do Curso de Engenharia. No 2º pavimento, que dava acesso à área central do edifício, entre

várias salas, havia ainda um anfiteatro de aula oral, conhecido como a terceira sala. Além dela, a Sala do Ponto, o Gabinete de Clínica Dentária, o Gabinete de Prótese Dentária e a Sala de Espera de clientes do Dispensário Dentário. O Gabinete de Clínica Dentária era destinado à prática clínica dos alunos do Curso de Odontologia.

Figura 6. Parte do Museu de Anatomia, cartazes, peças anatômicas, o esqueleto. Ao fundo, um pequeno quadro de giz e, ao centro, a reunião cadenciada das cadeiras.

Fonte: Arquivo D.S.C.S.

Figura 7. Gabinete de prótese dentária. A prática protética dos alunos. Fonte: Relatório Geral da Universidade Paranaense do ano de 1916.

Esses dois gabinetes, juntos, formavam o Dispensário Dentário, destinado a prestar assistência dentária gratuita à comunidade, servindo de prática aos alunos durante dois anos consecutivos.

O Dispensário Dentário foi aberto ao atendimento da população carente logo no primeiro ano letivo e era frequentado, diariamente, por cento e doze clientes matriculados, segundo Livro de Registro de Atendimentos.

Com o tempo, esse número e os serviços prestados só fizeram crescer, validando a importância do atendimento prestado pelos alunos de Odontologia na cidade. O 3º pavimento do edifício foi quase todo ele destinado à administração da instituição, encontrando-se ali a Sala do Conselho Superior, a Sala da Diretoria, a Secretaria, a Bedelaria, o Depósito Geral, a Tesouraria, a Sede do Centro Acadêmico do Paraná, a Biblioteca, com seus seis mil volumes na ocasião, e a Sala de Leitura.

Figura 8. Biblioteca. Espaço de encontro de todos os saberes. Foto: Armin Henkel, Curytiba. Fonte: Arquivo D.S.C.S.

A bibliografia (vasta para a época) foi quase toda adquirida com as contribuições dos alunos:

[...] as várias contribuições dos alunos faziam frente às despesas de instalação, inclusive mobiliário, gabinetes de ensino prático e biblioteca, esta tendo recebido logo um bom contingente, com generosas dádivas de preciosas obras científicas. (RELATÓRIO GERAL DA U. P., 1923, p. 5-21).

No 4º Pavimento do edifício se encontrava a maior parte dos laboratórios, gabinetes e museus de toda a instituição. Concentrava-se ali o Laboratório de Microbiologia, o Museu de História Natural, o Museu de Anatomia, o Laboratório de Fisiologia, o Gabinete de Física Experimental e o Laboratório de Histologia. No 5º e último pavimento: o Laboratório de Química Geral, o Laboratório de Análises e a Sala de Desenho. Era do saguão desse último pavimento que se elevava a cúpula

do edifício, dividida em dois andares e um palanquim (RELATÓRIO GERAL DA U. P., 1923, p. 5-21). Pensava-se, para o primeiro andar da cúpula, instalar o Gabinete de Astronomia e, no segundo, a estação meteorológica, mas tais projetos parece não terem passado do plano (SIGOLO, 1998).

Por entre instituições de cura e ensino, cria-se uma cultura de saúde pública. Por entre eles a transição de uma “era da sanitarismo” (HOCHMANN, 1988) ramificou-se, criando a transição para o modelo médico-assistencial (RODRIGUES). Essa transição dinamizou os papéis da visitadora sanitária e do próprio saber médico. Nos anos de 1940, a criação das escolas profissionais de enfermagem vai incorporar esse novo modelo. Nos manuais de formação das visitadoras sanitárias, escritos pelo SESP, esse novo modelo já estava presente e foi implantando em várias partes do Brasil, através de cursos de formação, inclusive no Paraná.

2.7 O processo de formação da educadora sanitária, segundo o manual de