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Mapa 3. Mapa geográfico do Paraná em 1951

2.4 Educação e higidade do escolar paranaense: impossível colher sem

2.4.2 Novas diretrizes

Em 1928 ocorreram mudanças na chefia do governo do Paraná. Caetano Munhoz da Rocha passa o governo a Afonso Alves de Camargo. A expectativa dos educadores foi negativa em relação à mudança de governo, como comentou Ratacheschi (1953): “[...] apesar da sua cultura invejável e do seu ingente esforço, não deixou seu nome ligado ao ensino, como seu antecessor”. Esse fato acarreta mudanças na Diretoria de Educação, pois ela foi desvinculada da Secretaria do Interior e da Justiça, passando a adotar o nome de Diretoria Geral do Ensino e ficando sob o comando de Hostilo Cesar de Souza Araujo (1928 a 1930).

Em 1930 foi criado o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde, unindo as duas pastas (Educação e Saúde) e tendo Francisco Campos à sua frente. A Constituição de 1934 foi o primeiro momento em que se definiu uma política de educação, saúde e cultura valendo para todo o país. No Estado do Paraná, o governo passou para o general Mario Alves Tourinho até final de 1931. Em 1932 até 1945, o governo foi ocupado pelo interventor Manoel Ribas.

Nesse longo período, segundo Ratacheschi (1953), o governo de Manoel Ribas deu nova feição à rotina escolar. O serviço de inspeção escolar, que “se achava abandonado”, foi restabelecido através de um perfil policialesco: foram “punidos, severamente, os professores faltosos”; os Inspetores Escolares “registravam as faltas, assistiam às aulas; apontavam dificuldades dos mestres; seu relacionamento com o escolar”. Também os Delegados de Ensino percorriam, diuturnamente, todo o Estado e as escolas esperavam essa visita, que recebiam

com verdadeira distinção, porque eles traziam a mensagem do governo, aureolado de certa mística, e as notícias dos mais recentes acontecimentos educacionais.

O período de governo de Ribas foi impactado por algumas medidas da Reforma de Francisco Campos. O controle do sistema educacional e a formação eugênica retomam o fôlego nos currículos escolares do Paraná, bem na sua forma administrativa. O Ministério dos Negócios da Educação e Saúde, com base em dispositivos da Constituição de 1934, determinou que a União, Estados e Municípios deviam:

1º) estimular a educação eugênica; 2º) amparar a maternidade e a infância;

3º) proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o abandono físico, moral e intelectual;

4º) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a natalidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a propagação das doenças transmissíveis;

5º) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais. (COSTA, 1988, p. 22).

Reafirmados os preceitos, a União incumbia-se, com os outros Estados da Federação, de cuidar da sanidade do indivíduo e da família. No Estado do Paraná, como destacado por Ratacheschi (1953), o momento foi de redução dos discursos do higienismo. Basta lembrar que é desse período o maior movimento migratório de estrangeiros brancos, como já destacado. O escolar será o grande alvo dessa investida.

Por força desses mesmos dispositivos, a Assembleia Legislativa do Paraná criou a cadeira de Puericultura e Higiene Infantil, na Escola Normal, em 1937, como uma forma de prevenir a mortalidade infantil e orientar as futuras mães, especialmente sobre as questões higiênicas (1997, p. 58). A puericultura será um momento importante para a história da medicina social no Estado justamente porque estará no entremeio da criação das estruturas públicas de saúde, por representar uma especialidade da área médica e porque era uma prática discursiva cujos princípios se fundamentavam na eugenia.

Se, na Escola Normal, a formação docente passaria a oficialmente compreender a puericultura, os controles exercidos pela Diretoria Geral também fizeram uso da estatística para mensurar a produção docente. Campos também, através de lei federal, instituiu o papel do Inspetor Escolar, submisso ao do Inspetor Geral. A inspeção passou a ter um caráter ainda mais rígido no Paraná e a pressão

exercida sobre os estabelecimentos de ensino, professores e alunos era definida pelo Decreto no 19890/1931:

Artigo 56: Incumbe ao inspetor inteirar-se, por meio de visitas freqüentes, da marcha do trabalho de sua seção, devendo para isso, por série e por disciplina:

a) Assistir a lições de exposições e demonstração pelo menos uma vez por mês;

b) Assistir igualmente, pelo menos uma vez por mês, a aulas de exercícios escolares ou de trabalhos práticos dos alunos, cabendo-lhe designar quais destes devam ser argüidos e apreciar o critério de atribuição de notas; c) Acompanhar a realização das provas parciais, que só poderão ser efetuadas sob sua imediata fiscalização, cabendo-lhe ainda aprovar ou modificar as questões a serem propostas;

d) Assistir às provas finais, sendo-lhe facultado argüir e atribuir nota ao examinado.

Parágrafo Único. Dos trabalhos a que se refere este artigo, bem como do julgamento das provas parciais mencionadas no artigo 36 deverá ser feito registro em livros adequados, de acordo com o estabelecido no regimento interno do Departamento Nacional de Ensino.

Para fazer frente a esse papel de acompanhamento do fazer escolar, o Inspetor Geral de Instrução Pública do Paraná dividiu o Estado em 5 regiões, instalando, em cada uma delas, uma Inspetoria Regional de Ensino. Essas Inspetorias deveriam dar assistência às escolas. O que ficou registrado foi uma intensa fiscalização do trabalho docente. A inspeção técnica escolar, durante os anos 1932-1939, foi feita por cinco delegados do ensino, cinco inspetores auxiliares e quarenta e três inspetores municipais (BELNIAK, 1950).

A figura do Inspetor Geral de Ensino e, por conseguinte, a inspeção, era cargo bastante reconhecido pela administração estadual nesse período. A estrutura do sistema de inspeção estava prevista pelo Código do Ensino do Estado do Paraná: o Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública, que acumulava as funções de direção e inspeção geral do ensino; os Delegados do Ensino e os Inspetores Escolares.

Dentre as principais atribuições do Inspetor Geral do Ensino, destaca-se a elaboração de instruções especiais para regularizar o funcionamento dos institutos de ensino mantidos pelo Estado e pôr em prática todos os meios possíveis para que eles preenchessem plenamente os seus fins; inspecionar assiduamente, por si e por intermédio dos Delegados e dos Inspetores, todos os institutos de ensino, públicos ou particulares (Artigo 1o, I e II).

O capítulo III é todo dedicado aos Delegados do Ensino, cujos cargos, comissionados pelo poder Executivo, deveriam ser ocupados "[...] dentre os mais

distintos professores normalistas em exercício, quantos forem necessários para fazer a inspeção técnica das escolas primárias" (Artigo 18). O detalhamento das funções é feito em 14 incisos do artigo 19, que incluíam:

a inspeção de estabelecimentos públicos e subvencionados e de ensino particular, a verificação do aproveitamento do tempo, a observação dos programas, disciplina, pontualidade e assiduidade de professores e alunos, o cumprimento da legislação, as condições de conservação e higiene do prédio escolar.

Os delegados tinham de apresentar um relatório de cada viagem de inspeção com as medidas convenientes em benefício do ensino, acompanhado das cadernetas de inspeção e de quadros estatísticos relativos à zona percorrida. É interessante observar o contido nas cadernetas de inspeção, além daquelas de natureza administrativa:

exposição sobre a distribuição dos alunos pelas séries ou classes e subclasses; distribuição e emprego do tempo; dos métodos e processos postos em prática; das matérias lecionadas; dos livros didáticos adotados; dos exercícios físicos, cânticos escolares e recreios; da ordem geral, disciplina preventiva e repressiva, estímulos, emulação; do estado físico, moral e intelectual dos alunos; dos vícios, defeitos e irregularidades encontrados, com indicação dos meios de corrigi-los.

Já os Inspetores Escolares deveriam ser nomeados para cada distrito judiciário, sendo gratuitas as funções desse cargo, para visitar ao menos duas vezes por mês os institutos de ensino infantil, primário, intermediário e profissional mantidos pelo Estado, a fim de averiguar o cumprimento da legislação e das instruções e ordens emanadas de autoridades competentes, comunicando ao Secretário do Interior o que fosse observado. Dentre os inspetores escolares, muitos eram diretores de grupos escolares, que inspecionavam as escolas isoladas e escolas rurais. Dos vinte e um incisos que tratam das atribuições dos Inspetores Escolares, é importante observar o predomínio das funções fiscalizadoras, de controle administrativo. Curioso é também observar que o Código de Ensino, no parágrafo único do artigo 161, estabelecia que sempre que “possível o cargo de inspetor escolar deveria ser exercido por um médico, que de modo especial procederia à inspeção da higiene escolar”.

Não há, por conseguinte, nas atribuições tanto de Delegados do Ensino como de Inspetores Escolares, a indicação de orientações didático-pedagógicas aos professores, mas tão somente a verificação, averiguação, observação, advertência,

julgamento. O visto nos livros de avisos, de termos de compromisso, de atas, são comuns nos que permanecem nos arquivos das escolas, assim como pareceres nos livros de visitas nos quais constam normalmente considerações elogiosas à direção. Para Sperb (1963), "[...] a função do fiscal ou do inspetor é simples. Ao inspetor da escola tradicional cabia verificar e fiscalizar o trabalho do professor. Cabia-lhe fazer trabalhar mas não lhe exigiam cooperação no problema de como trabalhar melhor".

Como se observa, o sistema de inspeção servia ao poder do Estado e cumpria as funções externas do ensino. Possuía uma relação mais direta nos locais onde havia a existência da Direção Escolar que, por sua vez, desempenhava ações de mando e fiscalização de todos os trabalhos escolares e administrativos da escola e sua representação externa.

Nesse período do governo de Ribas, a edificação escolar mereceu uma atenção especial. A construção escolar “praticamente não existia no Estado”, pois, excluindo-se alguns prédios de real valor em Curitiba, em Ponta Grossa e em Paranaguá, nada mais havia em todo o vasto território paranaense, a não ser as escolas de imigração. Os prédios, principalmente no hinterland, eram lugares inapropriados, alugados ou construídos pela própria comunidade em grandes construções de madeira.

Segundo o acervo oficial, na região norte do Estado foram construídos 12 grupos escolares. No centro ergueram-se diversos edifícios, destacando-se os imponentes prédios para os Grupos Escolares de Castro e de Palmeiras e nada menos de 17 prédios para os Grupos Escolares que foram construídos ou ampliados em outras cidades (BELNIAK, 1950). Na região sul se destacam os importantes edifícios construídos para os Grupos Escolares de Irati, de Rio Negro e da Lapa. Conforme consta no Relatório de governo do período de 1932 a 1944,

Nos 219 municípios existentes no Estado estão localizados 71 grupos escolares, com 518 classes; 34 escolas complementares com 36 classes; 26 jardins de infância com 30 classes; 1.288 escolas instaladas, 254 escolas municipais e 107 escolas particulares [...] Durante todo o período de administração Manuel Ribas foram construídos 120 prédios escolares. Destacando-se estas construções pela sua boa qualidade e preocupação de realmente oferecer boas condições de trabalho aos professores. (RELATÓRIO OFICIAL, 1932-1944 - Anexo p-3; p. 37).

Em 16 de novembro de 1942 é firmado um importante convênio entre a União e os Estados. Nesse convênio, a União se propõe a cooperar financeiramente com os Estados e com o Distrito Federal, mediante a concessão de auxílio federal para o

desenvolvimento do ensino primário em todo o país. Os especialistas locais compreenderam com perspectivas positivas essa ação porque, “[...] além da assistência financeira, a União se propõe a dar assistência técnica com o fim da mais perfeita organização de seu ensino primário por força constitucional” (RATACHESHI, 1953). Cada Estado se compromete a aplicar, no ano de 1944, pelo menos 15% da renda proveniente de seus impostos na manutenção, ampliação e aperfeiçoamento de seu sistema escolar primário.

O mesmo tipo de convênio é firmado em 13 de outubro de 1943, desta vez entre o Estado e os Municípios. O Estado se compromete a prestar a assistência técnica às municipalidades. Os municípios passavam a se comprometer na aplicação de 10% da renda proveniente de seus impostos em manutenção, ampliação e aperfeiçoamento do seu sistema escolar primário. Essa porcentagem deveria elevar-se até 15% no ano de 1949. O acervo educacional do Estado, através da Diretoria Geral de Ensino, comemora alguns resultados provenientes dessa disciplina administrativa:

Quadro 1. Unidades escolares do Paraná entre os anos de 1932 a 1944

O quadro foi elaborado pela DGE com a finalidade de tornar visível o crescimento da população entre o período 1932-1944 e da população escolar no mesmo período. Argumentou-se que houve um aumento de 365.000 habitantes, enquanto que a população escolar primária aumentou 49.245 alunos. Assim, enquanto a população geral do Estado teve um aumento percentual de 35,8%, a população escolar primária aumentou de 85%.

O quadro seguinte, também elaborado pela Diretoria, teve por finalidade demonstrar o aumento da população e matrícula dos escolares entre os anos de 1932 a 1944 no Estado do Paraná:

Quadro 2. Aumento da população e matriculas escolares entre os anos de 1932 a 1944

Pelo demonstrativo, as matrículas aumentaram 142% a mais do que o aumento da população. Os dados mostram em termos numéricos o que o governo intervencionista realizou. Não se pode esquecer o grande aumento demográfico do Paraná, com o surgimento de vários municípios novos e a pressão da população no sentido de receber assistência escolar.

Além da higienização, o governo desse período preocupou-se com a questão da nacionalização, como já dito. Nos relatórios oficiais afirmou-se que:

O problema da nacionalização do ensino continua a ter sua solução sem nenhuma dificuldade por parte de quem quer que seja, graças ao Decreto de 10 de janeiro de 1938, do Estado, que regulamentou, em bases nacionalistas, o exercício do magistério particular, o qual por ser o 1º baixado após o advento da Constituição de 10 de novembro de 1937, serviu de modelo aos demais Estados que tinham idênticos problemas. (RELATÓRIO OFICIAL DO GOVERNO, 1932-1934).

O relatório se refere à unificação da grade curricular de ensino para todas as escolas do Estado. O objetivo era atingir as escolas particulares ou “escolas de imigração”, como disse Lúcio Kreutz. A disciplinarização, nessa ação oficial, era a de impedir o ensino em língua não oficial, repelindo as práticas escolares fomentadas pelas várias etnias que compunham o mosaico étnico do Estado. Por essa ação

administrativa do interventor foram atingidas, de modo especial, as escolas do norte e do oeste do Estado.

O regulamento interno dos grupos escolares do Estado (Decreto nº 1874, de 29 de julho de 1932), fez a uniformização completa do ensino primário em todo o Estado, em especial pela sua rigidez quanto à orientação e ao conteúdo didático. É nesse contexto que fizeram sentido as expressões usadas pelo professor médico Aramis de Athayde, orador oficial da Associação Médica do Paraná, por ocasião da posse da primeira diretoria e evidenciando o pensamento da classe médica:

No domínio da eugenia, o campo de ação se nos apresenta mais sedutor, levando-nos a estudar o problema da regeneração humana, e mandando que se evitem, por todos os meios, os fatores de abastardamento de família e do agregado humano.

Nunca, como hoje, a ansia de perfeição da especie humana empolgou tanto a consciencia das élites condutoras, por isso que todos os espíritos esclarecidos vem cuidando com desvelado esmero desse magno problema de que depende, positivamente, a felicidade futura dos póvos. (REVISTA MEDICA DO PARANÁ. Anno II, n. 8 e 9. Agosto e Setembro de 1933, p. 271-272).

Educação e higiene são termos quase indistintos no seu discurso. A construção de povos felizes passava pela necessidade da racionalidade dos serviços nessas duas áreas, segundo se depreende de suas palavras.