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3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.7 Instrumento de coleta de dados

Nosso trabalho se propõe a buscar formas de materializar um fenômeno social que, como já apresentamos, é envolto em tensões que atravessam as relações interpessoais e

institucionais no Brasil. Desse modo, a utilização de mais de uma metodologia reflete o nosso compromisso com a produção de um conhecimento que, na sua proposta, alcance seus objetivos com rigor científico e, ao mesmo tempo, consideramos a hipótese de essa ser uma marca das pesquisas das relações raciais, uma exigência a mais sobre os que ousam desvelar as estratégias e as reinvenções do racismo. Tomando nota, novamente, do estado da arte dos estudos das relações étnico-raciais, no que concerne ao levantamento da formação docente, em se tratando das dissertações e teses, foram identificadas diferentes metodologias, muitas vezes conjugadas.

O mapeamento efetivado nas teses e dissertações indica considerável variedade de opções metodológicas adotadas nos trabalhos levantados: a assertiva é corroborada pela constatação de que em um total de 30 trabalhos foram acionados 20 tipos de metodologias e, em alguns trabalhos, tal processo concretizou-se mediante conjugação de opções metodológicas com vistas à melhor inspeção dos objetos de investigação (SILVA; REGIS; MIRANDA, 2018, p. 79-80).

No nosso estudo, optamos como já apresentado, por introduzir nosso campo de pesquisa de maneira estatística, ao traçar um perfil mensurável e, ao mesmo tempo, ao situar os interlocutores no cenário da desigualdade racial no corpo docente da UFOP. Apesar dessa escolha metodológica inicial, nossa análise é conduzida e marcada pela interpretação e pela compreensão da pesquisadora, e se caracteriza, assim, como um estudo qualitativo (MICHEL, 2009).

De acordo com Minayo (2012), fazer ciência é lançar mão do tripé, teoria, método e técnica, e cabe ao pesquisador a tarefa de reconhecer o que o “objeto” demanda para, então, escolher as perguntas, os instrumentos e as estratégias a serem utilizados nas coletas de dados. Nossa busca nos levou à escolha da entrevista como via de acesso possível para a compreensão do traço do racismo na subjetividade dos docentes do magistério do ensino superior e sua constituição como professoras e professores, ao privilegiar, a priori, o discurso e, caso citado, nos propusemos a analisar as ementas das disciplinas e as produções científicas das/os colaboradoras/es.

Em relação à proposta de condução da entrevista, ela foi atravessada pela minha experiência de estudiosa do tema das relações raciais e subjetividade e como psicóloga, orientada pela congruência própria da corrente humanista da Psicologia, que busca, na sua relação com o outro, um afastamento do ponto de referência interno, dos pressupostos e das crenças de quem conduz, para que o que se escute seja o mais próximo do que é para a pessoa

a quem se está centrando. Esse modo de fazer não significa neutralidade, mas o reconhecimento do lugar do outro (sujeito da pesquisa) como o centro. Trocando em miúdos, um adiamento da “confrontação” entre a vivência pessoal do/da entrevistado/a, com o arcabouço teórico do/a pesquisador/a (MINAYO, 2012).

Dito isso, vale escurecer algumas estratégias escolhidas nesse processo, tais como iniciar com a pergunta sobre a autodeclaração racial. Nossa intencionalidade estava em se aproximar de forma mais imediata de como a pessoa entrevistada se nomeia publicamente, se há ou não tensões e emoções contidas no ato de fazê-lo, bem como a possibilidade, como entrevistadora, de ir me apropriando do vocabulário racial do sujeito para tentar direcionar/interferir o mínimo possível nesse aspecto. Alinhei-me à percepção de Oracy Nogueira (2006), de que o preconceito racial, no Brasil, é de marca, no reconhecimento de que as vivências racistas são atravessadas pela forma com que os sujeitos são lidos racialmente, uma espécie de hierarquia em que, quanto mais alva é a cor da pele, mais próximo se está do padrão da branquitude, o que fez ser necessário, na pergunta 2, confirmar se a autodeclaração corresponde com a maneira como a pessoa é lida socialmente.

Seguindo o roteiro, propusemos uma pergunta sobre a trajetória de escolarização, em que buscávamos conhecer mais sobre o percurso da pessoa entrevistada, ao reconhecer que a escola propicia uma experiência social intensa, vivenciada em diferentes ciclos da vida (infância, adolescência, juventude etc.), sendo apontada, nos estudos da educação das relações étnico-raciais, como um espaço de recorrentes tensões racistas. Assim, nos interessava tomar nota dos elementos vivenciais que marcam a experiência de ser racializado ou não, na tentativa de estabelecer uma relação com a percepção de si e a própria projeção para a carreira docente. Sem dúvida, uma pergunta de maior possibilidade de expressão, e que tende a ser recebida com mais abertura e afeto, pois dá a oportunidade de a pessoa apresentar aspectos da sua percepção de si e de compreendermos e transpormos o que emergir da empiria para a elaboração teórica. Nessa linha, segue a pergunta quatro, porém já se espera, aqui, uma aproximação de maneira mais evidente de aspectos sociais e das relações de poder, em que o próprio ideal pode se confrontar com as questões sociais (acesso de qualidade, oportunidades nacionais/internacionais, processos seletivos, projeção, desejo de ser professor/a).

As perguntas já apresentadas em detalhes, de 1 a 4, podem ser caracterizadas como constituidoras da “percepção de si”, já as que se seguirão no roteiro da entrevista, de 5 a 10, buscam compreender sua “percepção do outro”, docente e discente, uma vez que a branquitude é esse “lugar” de privilégio, em que se vê o não branco. Queríamos apreender

“como os/as professores/as brancos e não brancos” são percebidos nesse espaço, como tais identidades estão relacionadas com a representação de gênero, se são observadas diferenças. Lançando mão das PAA, como realidade concreta de desmantelamento do racismo, nos interessa saber quais pensamentos emergem quanto às cotas sociais/raciais na universidade (Lei nº. 12.711/2012) e às que são exclusivas para negros no serviço público federal (Lei nº 12.990/2014). Os sujeitos não negros estão chegando na universidade? Quais são os espaços que os/as docentes brancos e negros ocupam nos departamentos? Essas são algumas interrogações que propusemos a fim de nos aproximar da compreensão do racismo por meio da branquitude na universidade.

No terceiro bloco das questões semiestruturadas estão as perguntas de 11 a 17, que esperamos nos dar condições de materializar o modo como a/o professora/professor participante constitui sua “percepção da docência”, diante da inclusão de um novo perfil de discente, de novos conhecimentos e epistemologias (Lei nº. 10.639/2003), ao entender que os discursos produzem um conhecimento de si e também do seu fazer.

Embora pessoal, toda vivência tem como suporte os ingredientes do coletivo em que o sujeito vive e as condições em que ela ocorre. O senso comum pode ser definido como um corpo de conhecimentos provenientes das experiências e das vivências que orientam o ser humano nas várias ações e situações de sua vida. Ele se constitui de opiniões, valores, crenças e modos de pensar, sentir, relacionar e agir. O senso comum se expressa na linguagem, nas atitudes e nas condutas e é a base do entendimento humano. Dado o seu caráter de expressão das experiências e vivências, o senso comum é o chão dos estudos qualitativos (MINAYO, 2012, p. 622).

No reconhecimento de que, como defendido por Minayo (2012), os valores e as crenças orientam as pessoas nas suas ações, escolhemos, para análise documental, a ementa das disciplinas dos/das professores/as colaboradores/as voluntários/as da pesquisa, porém elas não foram citadas em consonância da aplicação da Lei no. 10.639/2003 e, por isso, não foi desenvolvida essa análise.