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Levantamento da produção dos grupos da ANPED e da ABPN

3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.4 Levantamento da produção dos grupos da ANPED e da ABPN

A partir do levantamento anterior, que indicou um interesse emergente por pesquisas em Educação que tratem do lugar simbólico da identidade racial branca, foi realizada uma busca na base de dados de duas associações científicas consideradas estratégicas na temática da pesquisa, uma vez que a produção captada por essas agências poderia reforçar esse cenário. A ANPED, iniciada em 1978, em seu estatuto vigente, declara- se “uma associação sem fins lucrativos e econômicos, com duração ilimitada, que congrega programas de pós-graduação stricto sensu em educação, professores/professoras e estudantes vinculados (das) a estes programas e demais pesquisadores/pesquisadoras da área” (ANPED, 2012). É estruturada por um corpo diretivo de gestão e um grupo científico, que, no caso, é o que nos interessa. A ANPED promove reuniões nacionais e regionais, periódicas, para troca de conhecimentos entre pesquisadores do campo da Educação, e o comitê científico é responsável por selecionar os trabalhos a serem debatidos: “Art. 35 – Compete ao Comitê Científico julgar o mérito acadêmico dos trabalhos inscritos para a apresentação nas reuniões científicas promovidas pela ANPED” (ANPED, 2012), que serão compartilhadas em Grupos de Trabalhos temáticos (GT).

Foi localizado, no escopo da ANPED, o GT 21, em funcionamento desde 2001, período que integra o recorte temporal dessa pesquisa (2000 a 2018), e que reúne, especificamente, trabalhos que discutem a Educação e as relações étnico-raciais. Ressalta-se

que esses estudos já estavam presentes na associação, mas, antes, se apresentavam diluídos em diferentes grupos de trabalho. Após uma mobilização de pesquisadoras e pesquisadores da temática, que reivindicaram um espaço específico, iniciou-se um grupo de estudos, que, depois de dois anos de funcionamento, consolidou-se como GT.

A 25ª Reunião Anual da ANPED, ocorreu no ano de 2002. Nela, surge o então Grupo de Estudos número 21 (GE 21), o mais novo GE da ANPED nessa reunião, intitulado “GE Relações Raciais/Étnicas e Educação”, fundado que fora no ano anterior (2001) no âmbito da ANPED por um grupo de pesquisadores da área de Relações Raciais e Educação dos Afro-brasileiros. Sua fundação foi precedida de amplos debates, congregando a maioria significativa dos pesquisadores dessa área, presentes naquela reunião (SISS; OLIVEIRA, 2007, p. 10).

A criação do GT sugere um reconhecimento e a consolidação do espaço de pesquisas na temática étnico-racial no âmbito da Educação. Mesmo que tardiamente, a coincidência com o marco temporal de nossas buscas fez com que esperássemos encontrar trabalhos que abrangessem a identidade racial branca ou aspectos da branquitude nesse grupo, mas a busca pelos descritores branquitude e branquidade, nas sessões de “Posters (27)”, “Relatórios” e “Trabalhos (70)” remeteu a apenas um trabalho (PACÍFICO, 2013), em que o termo branquidade aparece como sinônimo de branquitude83.

Também foi realizada busca na plataforma da ABPN, que, assim como a ANPED, é uma associação sem fins lucrativos, porém de associação apenas individual, conforme consta em seu estatuto:

ART. 01º - A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES/AS NEGROS/AS - ABPN é uma associação civil, sem fins lucrativos, filantrópica, assistencial, cultural, científica e independente, tendo por finalidade o ensino, pesquisa e extensão acadêmico científica sobre temas de interesse das populações negras do Brasil (ABPN, 2014).

O resultado da busca no repositório da ABPN teve um cenário diferente. Mesmo que alguns objetivos se assemelhem às diferenças entre as associações são bem mais marcadas, a começar pela questão de que, na supracitada, os estudos das relações raciais não são um “tema”, mas a própria causa de existência dessa organização, um compromisso demarcado com as causas da população negra, seja como sujeito de pesquisa ou na

83 Nosso levantamento realizado nos PPGEs para o período de 2000 a 2018, identificou 26 pesquisas sobre

branquitude, o que sugere que o cenário de ausências do GT21 não representa exatamente o interesse de pesquisa no tema.

visibilidade desta como produtora de conhecimento. A ABPN tem sua primeira diretoria instituída no ano de 2000, mas, no site da associação, não há detalhes sobre seu processo de criação. No que se refere à área científica, foi instituída em 2014, e o Comitê de Assessoramento Técnico-científico (CATC) consolidou os critérios das áreas apenas em 2017. Nossa busca ao site, bem como o contato com a secretaria da organização, nos provocou a pensar que essa é uma área ainda em processo de desenvolvimento dentro da entidade. Outro fator que contribuiu para essa análise foi a disponibilização de um banco de dissertações e teses, um volume que pode ser considerado pequeno (109 trabalhos), e que não permite a busca por descritores, filtros por programas de pós-graduação ou ano. Está divulgada uma lista, proveniente da disponibilização espontânea dos pesquisadores associados, e há um convite para o envio de trabalhos dessa natureza, mas que parece ter um baixo envolvimento, já que outros levantamentos, como o Educação das relações étnico-raciais: o estado da arte (SILVA; RÉGIS; MIRANDA; 2018), indica outro cenário.

Ainda nas buscas na plataforma da ABPN, encontramos duas subareas científicas divulgadas que interessam diretamente em nosso estudo, a saber: educação; e branquidade e branquitude, porém estão indicadas como “página em construção”, o que nos direcionou para outras buscas. A ABPN organiza eventos científicos no formato de congressos, com etapas regionais e nacionais, semelhantes à ANPED. No ano de 2018, foi realizada a 10ª edição do Congresso Nacional de Pesquisadores/as Negros/as e as produções acolhidas pelo evento são divulgadas em anais disponibilizados virtualmente, que agrupam, nessa década, uma extensa produção de conhecimento. Devido à forma de disponibilização do conteúdo e considerando o objetivo do estudo, não foi possível realizar um levantamento de estudos na temática84. No acervo digital de publicações da ABPN, com catálogos e livros digitais (Anexo II), e revistas (Anexo III), vários trabalhos abrangem o campo da educação ou temáticas correlatas, o que demonstra que esse campo tem um protagonismo nas ações da organização, de acordo com o último relatório de gestão disponibilizado. No ano de 2015, a ABPN se filiou à World

Education Research Association (WERA), uma associação internacional que congrega

associações de pesquisa em Educação85.

84 Não foi possível, neste estudo, catalogar e analisar as produções científicas que a ABPN mobiliza nos seus

eventos científicos, considerando o volume do acervo eletrônico da associação, seu método de disponibilização e, por fim, os objetivos desse estudo, mas se reconhece, ao mesmo tempo, que não abordar, mesmo que resumidamente, as contribuições da associação significaria invisibilizar uma articulação significativa em torno da resistência científica, que luta por garantir espaço para o debate das questões raciais no país e para os/as intelectuais negros e negras.

A discussão da branquitude, nos estudos das relações raciais e educação, aparece de forma mais destacada na revista da associação, que publicou, em 2014, um Dossiê Temático “Branquitude” (Quadro 5), com 13 trabalhos que abordam diferentes aspectos da temática, sendo que a Educação foi a área de conhecimento que mais contribuiu com ele, com quatro produções) (Quadro 5).

Quadro 5 - Dossiê Temático “Branquitude” (Revista da ABPN, 2014)

Revista da ABPN, Dossiê Temático “Branquitude”, v. 6, n. 13, mar./jun. 2014.

Título Autores Área de conhecimento

Branco(a)-mestiço(a): problematizações sobre a construção de uma localização racial intermediária

Joyce Souza Lopes Antropologia Entre cor e classe: definições de

branquitude entre homens brancos no Rio de Janeiro

Valeria Ribeiro Corossacz Antropologia Branquitude é branquidade? Uma revisão

teórica da aplicação dos termos no cenário brasileiro

Camila Moreira Ciências Sociais

A branquitude acrítica revisitada e a

branquidade Lourenço Cardoso Ciências Sociais

Preto no branco: Stuart Hall e a branquitude Liv Sovik Comunicação Contribuições aos estudos da branquidade

no branquitude Brasil: e ensino superior Priscila Elisabete da Silva Educação Rap e branquitude Jorge Hilton de Assis

Miranda Educação

A transgressão do racismo cruzando fronteiras: estudos críticos da branquitude: Brasil e EUA na luta pela justiça racial

César Augusto Rossatto Educação

Branquitude e colonialidade do saber Ana Amélia de Paula

Laborne Educação

Representações sociais de branquitude em salvador: um estudo psicossocial

exploratório da racialização de pessoas brancas

Lúcio Otávio Alves Oliveira Psicologia

Branquitude e poder: revisitando o “medo

Varrendo a sala para levantar poeira: o branco numa aula sobre a história e cultura afrobrasileira

Ana Helena Ithamar Passos Serviço Social

Branquitude como dominação do corpo negro: diálogo com a sociologia de Bourdieu

Bas’Ilele Malomalo Sociologia Fonte: Elaborado pela autora

As informações encontradas até aqui demonstram que os estudos da branquitude têm ganhando mais espaço na APBN do que na ANPED, ao mesmo tempo que o levantamento no banco de dados na CAPES indicou um cenário de produção emergente no período em que o GT21 da ANPED foi criado, o que nos sugere que outros fatores contribuíram com o cenário observado. Uma hipótese é o processo de seleção desses trabalhos nos GTs (exigência de filiação, valor financeiro das taxas, entre outros), a pouca interlocução do GT com o tema, o que pode levar os/as pesquisadores/as a buscarem eventos em que os debates já estejam acontecendo. Outra possibilidade que nos ocorre é um maior amadurecimento da discussão do racismo nas pesquisas, o que amplia as interlocuções e diversifica a escolha dos GTs. Nosso trabalho, por exemplo, tem capilaridade com outros GTs além do 21.

O que precisa ser considerado, a partir do que já elencamos à luz da complexidade do racismo, é que escolhas vêm sendo feitas e que elas não são “naturalmente neutras”. Uma universidade branca produz um conhecimento com viés desse grupo e, na relação com seu lugar hegemônico de poder, se debruça sobre o não branco e pouco interroga seu papel no sistema vigente. Se a universidade é um espaço majoritariamente branco, parece que os/as docentes, em suas diferentes ocupações laborais, também como pesquisadores/orientadores, precisam se compreender como racializadados, como possibilidade de se abrirem para a desnaturalização do funcionamento (regras) do que se produz e dos conhecimentos que têm circulado nesse espaço. Apesar da branquitude como poder ser algo possível de estar presente nas relações inter-raciais, uma universidade embranquecida não existe sem brancos.