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4 O PERCURSO METODOLÓGICO: CAMINHOS PERCORRIDOS E

4.3 Instrumentos de coleta de dados

Destacamos a pesquisa documental com livros didáticos de História para a educação básica no Brasil e Paraguai como um dos procedimentos de coleta de informações. Foram selecionados 26 livros didáticos de História, sendo 14 brasileiros e 12 paraguaios. Os livros selecionados cobrem um recorte temporal que vai desde o final do século XIX até aos dias atuais, sendo esses últimos representados pelos livros didáticos utilizados pelos professores sujeitos da pesquisa. A coleta de informações junto aos professores sujeitos da pesquisa se fez por meio de entrevista semiestruturada e de aplicação de questionário43. Os dados gerados a partir dos mencionados instrumentos foram analisados considerando os objetivos propostos para este trabalho.

A escolha pelo longo recorte temporal na seleção e análise dos livros didáticos de História brasileiros e paraguaios se deu devido a nosso interesse em saber como o conhecimento escolar Guerra do Paraguai foi se reconfigurando – em consonância com a historiografia desses dois países – ao longo do tempo e, como atualmente é abordada por professores e livros didáticos da disciplina. Nesse sentido, nos dispomos a compreender de que forma um saber disciplinar histórico foi constituindo-se como saber escolar e, nesse sentido, foi fazendo valer sua condição de conhecimento poderoso.

Em relação ao corpus documental, no que concerne aos livros didáticos brasileiros e paraguaios, buscamos alguns dos mais representativos do período no qual foram produzidos e publicados, pois, desde o início da pesquisa, interessava-nos analisar livros didáticos que gozassem de boa aceitação no cenário editorial de didáticos no Brasil e no Paraguai e que, portanto, tivessem contribuído no processo de atribuição

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Os questionários foram aplicados apenas tendo em vista uma melhor caracterização dos sujeitos, como idade, formação acadêmica, atuação profissional, dentre outras informações.

de sentido da consciência histórica44 de gerações de crianças e jovens brasileiros e paraguaios. Isso não quer dizer, contudo, que não possa haver outros livros tão significativos para época quanto os que foram selecionados. Algum pesquisador do Ensino de História poderia se questionar sobre o porquê de este ou aquele título não ter sido incluído, no que argumentamos que toda pesquisa acadêmica opera com seleções e que os livros selecionados se enquadram nos objetivos propostos, bem como respondem aos critérios estabelecidos. Entendemos que o número de livros didáticos estabelecidos para a pesquisa, além dos significados que os mesmos assumiram em cada época de produção, fornece elementos suficientes para realizarmos reflexões em torno de como a Guerra do Paraguai foi abordada enquanto conhecimento escolar, ao longo da história brasileira e paraguaia, por obras didáticas e pelo currículo de ambos os países.

Nesse sentido, para conseguir selecionar os livros a partir das intenções anunciadas acima, observamos as seguintes questões: (1) interessava-nos obras que tivessem tido inúmeras edições, o que representaria a sua relativa aceitação no cenário de livros didáticos e sua participação por anos seguidos no processo de atribuição de sentido da consciência histórica de um grande número de estudantes e professores brasileiros e paraguaios; (2) A segunda questão observada na seleção dos livros didáticos foi o lugar social-institucional dos autores. No caso brasileiro, vários dos livros selecionados por nós têm como autores professores do Colégio Pedro II e/ou membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). No caso paraguaio,

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Entendemos a consciência histórica como “um fenômeno inerente à existência humana” (CERRI, 2001, p. 96), um “universal antropológico” (Rüsen, 2006). Ponderamos que qualquer consideração em relação a defesa de que existam pessoas ou povos que não possuam consciência histórica possa gerar a velha dicotomia entre civilização e barbárie. Para este último autor citado, “[...] pensar historicamente, no sentido corrente da palavra ‘História’, é um resultado de um longo processo de desenvolvimento cultural e não pode ser pressuposto em todas as formas de vida humana. Mas se se observa algumas operações mentais básicas constituintes da consciência histórica, é possível identificá-las como universais” (Rüsen, 2006, p. 118). Cerri (2001), ao fazer uma leitura do pensamento de Heller (1993) e Rüsen (2001), assinala que, para os autores em foco, “[...] a consciência histórica não é meta, mas uma das condições da existência do pensamento: não está restrita a um período da história, a regiões do planeta, a classes sociais ou a indivíduos mais ou menos preparados para a reflexão histórica ou social geral” (p. 99). Assim, “Antes de ser algo ensinado ou pesquisado, a historicidade é a própria condição da existência humana, é algo que nos constitui enquanto espécie. O que varia são as formas de apreensão dessa historicidade, ou, nos termos de Rüsen, as perspectivas de atribuição de sentido à experiência temporal. Na definição desse autor, a consciência histórica é um fenômeno do mundo vital, imediatamente ligada com a prática [...]” (CERRI, 2001, p. 100. Grifos nossos). Nesse sentido, tanto para Heller (1993) e Rüsen (2001; 2006), quanto para Cerri (2001; 2011), “o pensar historicamente é um fenômeno antes de mais nada cotidiano e inerente à condição humana, com o que pode-se inferir que o pensamento histórico vinculado a uma prática disciplinar no âmbito do conhecimento acadêmico não é uma forma qualitativamente diferente de enfocar a humanidade no tempo, mas sim uma perspectiva mais complexa e especializada de uma atitude que, na origem, é cotidiana e inseparavelmente ligada ao fato de estar no mundo” (CERRI, 2001, p. 100).

ganham destaque três instituições, que comporão os lugares-sociais nos quais a maioria dos autores dos livros didáticos analisados estará vinculada: O Colégio Nacional, a Universidade Nacional e o Instituto Histórico Nacional.

O Colégio Pedro II e o IHGB são as duas principais instituições que, desde o século XIX até as primeiras décadas do século XX, foram as responsáveis pela legitimação do conhecimento histórico, a primeira em nível escolar/curricular e a segunda em nível acadêmico. Os programas de ensino do Colégio Pedro II exerceram, durante algum tempo, praticamente, uma função de currículo nacional, pois muitos colégios das diversas províncias brasileiras – depois de 1930, denominadas de Estados – organizaram seu currículo a partir de programas daquele colégio. Nesse sentido, os livros didáticos escritos por professores que atuavam no Pedro II ganhavam status de qualidade e passavam a ser adotados em outras províncias/estados brasileiros.

No Paraguai, as obras didáticas de autores que, de alguma forma, mantinham ou haviam mantido vínculos institucionais com as três instituições mencionadas, também ganhavam status de qualidade e, em certo sentido, influenciaram escolas e professores de todo o país a adotarem as obras. Daí, certamente, a longevidade desses livros didáticos, materializada nas suas diversas edições, o que gerou o nosso interesse em analisá-los.

Ressaltamos que, estabelecidos os critérios na seleção dos livros didáticos a fazerem parte do corpus documental da presente pesquisa, não houve grandes dificuldades em relação à seleção dos livros didáticos brasileiros, devido ao conhecimento que possuíamos dos mesmos, oportunizado pelas pesquisas acadêmicas em relação à temática no Brasil. Em contrapartida, em relação ao Paraguai, houve certa dificuldade inicial. Em minha estadia naquele país, fotografei todos os livros didáticos de História a que tive acesso45, só depois, no Brasil, com mais calma e com mais conhecimento da historiografia e do contexto educacional paraguaio foi que se tornou possível realizar o processo de seleção dos livros didáticos daquele país, que comporiam o corpus documental da pesquisa.

Dito isto, informamos que nos Apêndices A e B estão dispostos todos os livros didáticos brasileiros e paraguaios que compõe o corpus documental da pesquisa.

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Registramos as partes referentes ao conteúdo curricular Guerra do Paraguai e os elementos pré e pós- textuais que poderiam gerar informações catalográficas sobre o livro.

Organizamos a apresentação dos mesmos em formato de quadro, no qual pode ser conhecida também uma breve biografia de todos os autores dos livros didáticos selecionados, assim como a indicação do local onde tivemos acesso a cada uma das obras. Preferimos alocar os referidos quadros no Apêndice apenas por uma questão de organização da estrutura da tese, uma vez que os mesmos ocuparam cada um várias páginas.

Relevante destacar que, dos 26 livros didáticos selecionados para fazer parte do corpus documental da pesquisa, apenas dois – um brasileiro e outro paraguaio – não seguiram os critérios de escolha anteriormente mencionados. Os dois livros referidos foram escolhidos, justamente, por serem aqueles adotados pelos professores sujeitos da pesquisa. Na pesquisa exploratória, através das entrevistas realizadas com os professores, conseguimos identificar os livros utilizados pelos mesmos, que podem ser vistos no quadro abaixo:

Quadro 3 - Livros didáticos utilizados pelos professores sujeitos da pesquisa Livro didático brasileiro utilizado pelos

professores sujeitos da pesquisa

Livro didático paraguaio utilizado pelos professores sujeitos da pesquisa

PELLEGRINI, Marco; DIAS, Adriana; GRINBERG, Keila. Vontade de saber História, 8º ano. São Paulo: Editora FTD, 3ª edição, 2015.

MOREIRA, Mary Monte de López. Historia y Geografía. 8º grado. Assunção: Editorial Don Bosco, 2009.

Como já anunciado na Introdução deste trabalho, apresentamos como objetivo central analisar o conhecimento escolar Guerra do Paraguai, no Brasil e no Paraguai, com foco nas abordagens que fazem professores e livros didáticos da disciplina História

de ambos os países. Assim, como forma de alcançar os objetivos ao qual nos propomos, lançamos mão de instrumentos de coleta de dados junto aos sujeitos da pesquisa, por meio de questionários e entrevistas semiestruturadas, como forma de obter informações e gerar dados a serem posteriormente analisados.

Assim como Fraser e Gondin (2004), entendemos a entrevista como uma “forma de interação social que valoriza o uso da palavra, símbolo e signo privilegiados das relações humanas, por meio da qual os atores sociais constroem e procuram dar sentido à realidade que os cerca” (p. 139). De tal modo, a mesma é concebida essencialmente como “uma comunicação verbal e consiste em um tipo de interação com objetivos específicos, que visa a compreensão de como os sujeitos percebem e vivenciam determinada situação ou evento que está sendo focalizado” (Idem, p. 146). Como assinala Gaskell:

Nas ciências sociais empíricas, a entrevista qualitativa é uma metodologia de coleta de dados amplamente empregada. [...]. O primeiro ponto de partida é o pressuposto de que o mundo social não é um dado natural, sem problemas. [...]. O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em termos mais conceptuais e abstratos, muitas vezes em relação a outras observações. A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos. (GASKELL, 2014, p. 64-65).

A partir dos elementos apontados, reforçamos o argumento da natureza qualitativa do presente trabalho. Em acordo com o que diz Gaskell (2014), partimos do entendimento de que “a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão” (p. 68). Contudo, ao realizar tais apontamentos, não é a nossa intenção reforçar a dicotomização entre pesquisa qualitativa x pesquisa quantitativa, ação pela qual se reforça um preconceito em relação a esta última, como bem nos alerta Gatti (2006; 2012).

Importante mencionar que as transcrições das quatro entrevistas foram realizadas pelo autor. As transcrições das entrevistas dos professores paraguaios gerou uma

dificuldade adicional por terem sido realizadas na língua espanhola. Nesse sentido, tivemos que realizar um exaustivo processo de escuta das entrevistas dos sujeitos paraguaios repetidas vezes até identificar toda a fala dos mesmos. Preferimos não traduzir as transcrições dos sujeitos paraguaios, tendo em vista preservar as expressões e ênfases dadas pelos mesmos em sua língua original.