• Nenhum resultado encontrado

6.2 Narrativas históricas centradas em personagens em relação ao conteúdo curricular

6.2.1 Narrativas históricas centradas em personagens em relação ao conteúdo

Dentre os quatorze livros didáticos brasileiros analisados, oito deles – Macedo/Bilac (1905), Maia (1886), Rocha Pombo (s/d), Ribeiro (1914), Coutto (1920), Silva (1969), Borges Hermida (1972) e Souto Maior (1965) – centraram as suas narrativas históricas nas ações individuais dos “grandes homens”, enquanto que os outros seis – Alencar Filho, Ramalho e Ribeiro (1979), Koshiba e Pereira (1987), Nadai e Neves (1997), Piletti (1987), Cotrim (1999) e Pellegrini, Dias e Grinberg (2015) – procuraram tecer suas narrativas históricas voltando-se a explicações de cunho mais coletivo ou social.

No quadro a seguir, busca-se dar maior visibilidade às perspectivas adotadas nos livros didáticos brasileiros em relação à categoria em tela.

Quadro 10 - Perspectivas das obras brasileiras analisadas em relação à narrativas históricas centradas em personagens

OBRAS PERSPECTIVA ADOTADA EM RELAÇÃO A

NARRATIVAS HISTÓRICAS CENTRADAS EM PERSONAGENS 1. MACEDO (1905). 2. MAIA (1886). 3. ROCHA POMBO (s/d). 4. SILVA (1969). 5. BORGES HERMIDA (1972). 6. SOUTO MAIOR (1965). 7. RIBEIRO (1914). 8. COUTTO (1920).

Centraram suas narrativas históricas nas ações individuais dos “grandes homens”.

1. ALENCAR FILHO et al. (1979). 2. KOSHIBA; PEREIRA (1987). 3. PILETTI (1987).

4. NADAI; NEVES (1997). 5. COTRIM (1999). 6. PELLEGRIN et al. (2015).

Procuraram tecer suas narrativas históricas voltando-se a explicações de cunho mais coletivo ou social.

Nas linhas que se seguem, realizamos, em primeiro momento, uma análise das obras do segundo conjunto de autores destacados no quadro anterior para, só depois, nos concentrarmos naqueles primeiros, que de fato trabalharam numa perspectiva de narrativa centrada em ações de personalidades históricas.

Na década de 1970, no Brasil, trabalhos acadêmicos realizados sobretudo no âmbito institucional das universidades115, deram início as críticas a modelos narrativos de cunho positivista, cuja explicação dos eventos históricos baseava-se quase que exclusivamente nas ações individuais dos chamados “grandes homens”, cujo poder que detinham, ofereciam-lhes a prerrogativa da decisão e da mudança histórica.

Se observarmos o segundo conjunto dos livros destacados no Quadro 10, perceberemos que suas edições datam de 1979 a 2015. O contexto do referido período, no Brasil, é determinante para entendermos o câmbio que se processou em relação à escrita da História – acadêmica e escolar. Se observarmos o perfil dos autores, perceberemos que a maioria deles integrou e continua a integrar o quadro docente de instituições de ensino superior públicas, estando, portanto, inseridos no âmbito das discussões universitárias relativas à produção do conhecimento histórico. Todos os autores referenciados no segundo conjunto do Quadro 10 deixaram claro em suas apresentações e prefácios, seus posicionamentos de ruptura com uma escrita da História de cunho positivista.

Dentre os autores destacados no segundo conjunto de livros didáticos brasileiros, Piletti (1987) constitui um exemplo emblemático, uma vez que, literalmente, não abordou – ou sequer fez menção – a nenhuma campanha de guerra, nem a nenhuma personalidade que dela tenha participado. Nenhum ‘grande’ general brasileiro ou paraguaio que tenha participado da guerra foi sequer citado. O único personagem a quem Piletti (1987) fez menção foi a Francisco Solano López, mas mesmo assim de forma distinta das narrativas heroicizantes e/ou demonizantes de seus antecessores. Apesar de o autor ter destacado que o Paraguai, governado por Solano López, estava livre de todo tipo de colonialismo, não chegou a afirmar que este cenário tenha sido

115

Como citado anteriormente, foi a partir da década de 1970 que começaram a surgir, no Brasil, sobretudo no eixo sul-sudeste, cursos de pós-graduação em nível de Mestrado e Doutorado em História que possibilitaram uma crítica mais contundente a narrativas históricas de cunho positivista. É a partir desse período que se foi cambiando o lugar institucional de legitimação do conhecimento histórico dos institutos históricos e geográficos para as universidades. Acrescentaríamos aqui a forte participação de movimentos sociais, a partir da segunda metade da década de 1970 – período em que se intensificou o debate social e político sobre o processo de redemocratização do país – que resultaram no fortalecimento de críticas a narrativas de cunho nacionalistas e positivistas e na defesa de uma escrita da História orientada a partir das coletividades.

produção exclusiva de López, nem tampouco o apresentou como o grande governante que resistiu aos desmandos do imperialismo britânico116.

Tanto Koshiba e Pereira (1987) como Nadai e Neves (1997) empreenderam uma análise da História a partir das relações de classe e evitaram centrar suas análises históricas em figuras ou nos ditos grandes personagens da história. Em ambas as obras se percebeu um destaque especial para a burguesia mercantil dos países platinos, com realce para a portenha, que, segundo esses autores, teria dado apoio às ações britânicas com o objetivo de “enriquecer e de assumir o controle político de seu país” (NADAI; NEVES, 1997, p.226). Tanto em um como em outro texto didático, foram citados alguns nomes como Caxias, Barroso, Solano López, Francia, todavia não com um tom nacionalista ou ufanista, muito menos como forma de explicar as causas e os eventos da Guerra do Paraguai.

O único destaque dado por Cotrim (1999) a figuras históricas – e, mesmo assim, de forma muito breve -, foi aos três presidentes paraguaios: Francia, Carlos López e Solano López e aos papéis desempenhados pelos mesmos na construção de um país soberano e livre das influências capitalistas internacionais (p. 209).

Pellegrini, Dias e Grinberg (2015), em uma perspectiva mais voltada a uma História social, buscaram, em sua narrativa, trazer a tona outros sujeitos que participaram da Guerra do Paraguai, como as mulheres e a população negra. No primeiro parágrafo em que abordam o conteúdo curricular em foco, já deixam bem clara a sua posição: “Considerada o maior conflito externo brasileiro, a Guerra do Paraguai contou com a participação de homens e mulheres” (p. 242). Em relação a essas últimas, há um tópico específico, na página 244, intitulado “As mulheres na guerra”, em que destacam: “As mulheres participaram ativamente da Guerra do Paraguai. Entre elas havia mães, esposas, comerciantes e escravas, que muitas vezes pegaram em armas para socorrer os feridos durante as batalhas” (p. 244). Ao tratar da questão dos “voluntários da Pátria”, Pellegrini, Dias e Grinberg (2015) afirmam:

Pessoas de diferentes setores da sociedade foram convocadas, sendo que a maior parte dos soldados era de origem negra ou mestiça. Muitos escravos foram alforriados para lutar na guerra e, em troca,

116

Embora Piletti (1987) tivesse, em sua narrativa a respeito da Guerra do Paraguai, se apoiado na historiografia revisionista, não reproduziu o discurso dessa corrente de pensamento em relação à figura de López.

seus proprietários receberiam uma indenização do governo brasileiro. Além disso, muitos escravos fugidos se alistavam nas tropas, pois havia a promessa de que, se fossem aceitos pelo Exército Brasileiro, se tornariam homens livres. (p. 243).

Na narrativa de Pellegrini, Dias e Grinberg (2015), os militares brasileiros aparecem como novo sujeito político no Pós-Guerra, da qual saíram fortalecidos e “tiveram, nas décadas seguintes, importante papel no processo de transição política do regime monárquico para o regime republicano” (p. 244). Nesse sentido, por mais que nomes como D. Pedro II ou Solano López sejam mencionados, Pellegrini, Dias e Grinberg (2015) estruturam sua narrativa em torno de forças e grupos sociais, fugindo, portanto, de uma escrita da História centrada em personagens.

A perspectiva adotada por esse segundo conjunto de autores, ao se posicionarem teórica e ideologicamente contrários a uma história oficial, de cunho positivista, que destacava heróis de guerra e batalhas gloriosas fez com que os mesmos sequer tocassem no assunto. Com as fortes críticas desenvolvidas sobre as narrativas positivistas a partir da década de 1970, teria se criado entre os historiadores, mas não apenas entre eles, certo receio em se descrever eventos relacionados às campanhas de guerra e/ou a indivíduos que delas tenham participado, como se o simples fato de se abordar tais questões o tornassem necessariamente positivistas.

O que se pôde constatar, a partir das análises realizadas nesse segundo conjunto de livros, é que boa parte dos autores que escreveram livros didáticos de História, a partir do final da década de 1970, intencionaram produzir uma história que fugisse de narrativas heroicas e nacionalistas, centradas em explicações em que a ação e a determinação históricas eram prerrogativas das grandes personalidades – até pela desconfiança que o nacionalismo forjado pelo regime militar suscitou nos intelectuais daquela época. O que se percebe é um movimento em direção à escrita de uma História escolar que visava enfatizar as coletividades em contraposição a uma narrativa centrada em personagens. A expectativa de boa parte dos autores que escreveu livros didáticos no período em tela era escrever uma ‘História a contrapelo’.

Interessante, contudo, é perceber pontos de encontro entre os dois conjuntos de autores. Exemplo disso é que, em Alencar Filho, Ramalho e Ribeiro (1979), Koshiba e Pereira (1987), Nadai e Neves (1997) e Pellegrini, Dias e Grinberg (2015), Duque de Caxias seja retratado como o reorganizador das forças armadas brasileiras em momento

crítico da guerra para os aliados. Basicamente, em quase todos os livros do primeiro conjunto destacado, esse foi um discurso corrente: Caxias, o reorganizador/disciplinador das forças brasileiras na Guerra do Paraguai.

Caxias, além de reorganizador/disciplinador das forças armadas brasileiras, teve sua figura associada, em Ribeiro (1914) e Borges Hermida (1972), à vitória dos aliados na Guerra do Paraguai. Este segundo autor afirmou o seguinte:

A guerra poderia tornar-se favorável aos paraguaios, porque não havia acordo entre os chefes aliados. Mas a escolha do Marquês de Caxias para o comando de exército brasileiro e, depois, de todas as forças aliadas, ia dar nova orientação à campanha, garantindo a vitória da Tríplice Aliança (BORGES HERMIDA, 1972, p. 232).

Para Borges Hermida (1972), Caxias representou, além do reorganizador das tropas aliadas, o garantidor da vitória na Guerra do Paraguai. Ribeiro (1914), associando as vitórias das forças aliadas à figura de Caxias117, afirmou o seguinte:

[...] o marechal Caxias, com o commando das forças brasileiras, agora avolumadas de voluntarios e patriotas, ao todo em numero superior a 40.000 (dos quaes 3.000 argentinos e 1.000 orientaes) abre uma série de victorias difficilmente ganhas, e conduz-nos ás proximidades da Humaytá. (p. 521). [...] Caxias então abriu caminho atravez do Chaco, protegido pela esquadra que o acompanhava pelo rio acima. (1914, p. 523).

Caxias ainda foi representado como “um grande sustentáculo do throno e um cabo de guerra de alta valia” (p.198), por Coutto (1920), e como o “garantidor da unidade nacional”, por Silva (1969) e Borges Hermida (1972). Estes dois últimos, além de Souto Maior (1965), destacaram, ainda, o “caráter nobre, cavalheiresco, generoso e humano” de Caxias, sobretudo em relação ao trato que dispensava aos vencidos. Em resumo, nenhum dos 14 livros didáticos brasileiros analisados construiu uma representação negativa do Duque de Caxias, nem mesmo Ribeiro (1914) e Coutto (1920), que apresentaram uma visão extremamente crítica em relação à Guerra do Paraguai e às atitudes do Império brasileiro frente à República daquele país.

117

Duque de Caxias e Francisco Solano López são os únicos que aparecem na narrativa dos oito primeiros livros destacados: Macedo/Bilac (1905), Maia (1886), Rocha Pombo (s/d), Ribeiro (1914), Coutto (1920), Silva (1969), Borges Hermida (1972) e Souto Maior (1965).

Enquanto que, nos oito primeiros livros118, Caxias foi representado por todos de maneira bastante positiva, em contraposição, Solano López foi representado, sem exceção, de forma extremamente negativa, inclusive por Ribeiro (1914) e Coutto (1920), que foram críticos da guerra e da própria figura de D. Pedro II, sobretudo o último autor mencionado.

Na narrativa desses oito autores, López foi representado como um “tyranno execrável” que beira a loucura (Ribeiro), um “ambicioso petulante, com tendências belicosas” (Coutto), que age por “vingança e ressentimento” (Macedo/Bilac; Maia)119, e cujas atitudes de “crueldade” (Maia) são associadas ao “barbarismo” (ROCHA POMBO).

Com exceção de Coutto (1920), a palavra ‘culpa’ apareceu várias vezes associada ao papel histórico exercido por López na Guerra do Paraguai: 1. culpa por ter provocado o início da Guerra; 2. culpa por ter permanecido na Guerra e sacrificado o seu país e o seu povo; 3. culpa por ter realizado os “tribunais de sangue”, em que julgou e condenou à morte diversos dos seus compatriotas por supostos atos de traição120. A descrição de Rocha Pombo (s/d), em seu último parágrafo, é bastante sugestiva de tais questões, cujas causas do conflito passam a ser associadas às veleidades de um único homem: “Terminára assim [com a morte de López] essa guerra tremenda de cinco anuos, só devida a um homem, a cujas veleidades de mando e a cujo instincto sanguinario se sacrificou todo um povo, e a paz de tantas nações.” (p. 279).

Em Souto Maior (1965), a culpa pela guerra estaria associada ao papel histórico e à personalidade de López. Para esse autor, López teria sido o responsável pela “completa militarização do Paraguai” (p. 323), por estar “fascinado pelo império de Napoleão III e disposto a transformar sua pátria em uma potência militar” (p. 323)121. E

118

Macedo/Bilac (1905), Maia (1886), Rocha Pombo (s/d), Ribeiro (1914), Coutto (1920), Silva (1969), Borges Hermida (1972) e Souto Maior (1965).

119

Aqui os autores se referem, sobretudo, aos atos de López contra o Estado argentino quando da negativa do Presidente Mitre para que tropas paraguaias passassem por províncias argentinas para atacar o Brasil ao Sul. Macedo/Bilac (1905) chegou a perguntar “Como se vingou o dictador do Paraguay?” (p. 400) em relação à negativa de Mitre. Nesse sentido, a questão da “vingança” já está posta, bastando apenas saber como procedeu López.

120

Segundo Maia (1886), a conspiração imaginada por López era “phantástica”, no sentido de ilusória. Este foi um argumento a mais que o autor utilizou para apontar a “loucura” de López. Em verdade, no primeiro conjunto dos oito autores destacados – que tenham mencionado os “tribunais de sangue” -, essa foi uma concepção corrente.

121

As “ideias de grandeza” e a “ambição” de López, inspirados nos impérios europeus, apareceram ainda em Rocha Pombo (s/d), Silva (1969) e Borges Hermida (1972).

para completar o quadro, López estaria ainda “atraído pelos ‘Blancos’ do Uruguai, [e] colocou-se abertamente contra o Brasil” (p. 323)122.

López ainda carregaria a culpa, na narrativa desses autores, por destruir e arruinar o seu próprio país e o seu povo, por sua decisão de permanecer na guerra. Assim, para Macedo/Bilac (1905):

Com a entrada dos exércitos alliados em Assumpção, estaria terminada a campanha, se Lopez, num esforço desesperado, não tentasse ainda hostilisar a acção do Brasil no Paraguay. Mas o dictador não se quiz resignar a deixar o poder, e preferiu arruinar de todo o seu paiz e o seu povo (p. 417).

Na concepção de Rocha Pombo (s/d), López arrastou consigo para desgraça toda uma população. O povo paraguaio foi apresentado por este autor como fiel e obediente, que seguiu López em sua loucura:

Verificára-se que Assumpção tinha sido abandonada, e estava quasi deserta. López, como um chefe de legiões desmanteladas, obrigava agora o seu povo a seguil-o em verdadeira debandada pelas florestas e montanhas do interior. (p. 273). [...] E' preciso ver que rumo vai tomar o profugo vencido, errante nas montanhas, arrastando comsigo toda uma população, fiel e obediente até o martyrio e a morte. (s/d, p. 277).

Ainda apontando as responsabilidades de López pela a destruição de seu país e a desgraça de seu povo, Maia (1886) defendeu a ideia de que o povo guarani havia sido vítima da loucura e crueldade de López:

Tinha Lopes feito internar para o centro do Paraguay milhares de familias, sem lhes dar alimentos, mandando matar os suspeitos e os que não podiam acompanhar por qualquer motivo a rapidez dos seus movimentos (p. 391). [...] Immediatamente apresentam-se centenares de famílias paraguayas, escondidas pelos mattos, e a expedição pôde presenciar os horrores occasionados pela crueldade de Lopes: a magreza e a nudez dos que se apresentam attestam os soffrimentos pelos quaes têm passado, e os cadáveres insepultos e espalhados pelas estradas mostram o modo pelo qual as outras victimas têm deixado de soffrer (1886, p. 391-392).

122

Em certo momento do livro, Souto Maior (1965) suscitou a possibilidade de Madame Lynch estar por trás dos atos e decisões de Solano López. A nota de rodapé número 5, da página 323, é bem elucidativa desta questão, uma vez que o autor utilizou-se de uma citação de Calógeras para destacar as influências que López teria sofrido de sua companheira Lynch.

Dentre todos os autores, Rocha Pombo (s/d) foi o único que utilizou os termos “bárbaro” e “barbarismo” para se referir a López e suas atitudes. A citação a seguir é uma das mais enfáticas em relação à figura de López:

E' López obrigado a levantar o seu acampamento de S. Fernando; e, ao chegarem ali os alliados, o espectaculo mais horroroso, que repugna á nossa imaginação, a seus olhos se desvenda nos vestigios que o tyranno ia deixando da sua ferocidade de barbaro: o campo abandonado estava coberto de cadaveres. Sob pretexto de uma conspiração contra o seu poder, ordenára López o sacrificio de perto de 400 homens dos mais notaveis entre os que o tinham servido com a mais perfeita lealdade e dedicação. No numero dos mortos estavam: Carrera, ex-ministro de extrangeiros do Estado Oriental e que se refugiára no Paraguai quando Flores entrára em Montevidéo; o bispo de Assumpção; o ministro Berges; o consul portuguez; Benigno López, irmão, e Barrios, cunhado do proprio dictador; a mulher e a velha mãi do coronel Martinez. (p. 273). [...] Testemunhas irrecusaveis narram os horrores que presenciaram, e asseguram que, sempre que o tyranno se retirava vencido de um campo de batalha, fazia punir e martyrizar todos os prisioneiros, poupando apenas aquelles que preteria levar comsigo para continuar a martyrizal-os! Os officiaes e soldados que voltavam dos combates sem haverem vencido, eram inexoravelmente sacrificados, por mais fieis que tivessem sido sempre á causa daquella sacrílega tyrannia. (s/d, p. 274).

Ribeiro (1914) e Coutto (1920), apesar de terem uma visão negativa do presidente paraguaio, são os únicos, dentre os oito autores do primeiro conjunto destacado, que não repousam em Solano López as origens do conflito. Para Coutto (1920), López foi um ditador que cometeu crimes, que possuía uma personalidade ambiciosa, petulante e com “tendências belicosas”, mas que segundo o mesmo, apresentou “conducta correcta e humana” (p. 209) ao tentar preservar a paz no Uruguai. Talvez essa tenha sido, em relação a todos os livros brasileiros analisados, a perspectiva mais positiva associada à figura e ao papel histórico exercido por López.

Em relação à personalidade e ao papel histórico exercido por D. Pedro II durante o conflito, encontramos referência apenas em três autores – Ribeiro (1914), Coutto (1920) e Borges Hermida (1972). Destes, os dois primeiros são os que tecem críticas, sendo Coutto (1920) muito mais ácido e contundente. Para este último autor, D. Pedro II foi um governante que se aproveitava dos países menores em seu próprio proveito, sendo considerado um ‘perturbador’ da ordem interna dos países vizinhos, cuja

“provocação” e “manutenção” da Guerra do Paraguai pode ser explicada a partir do seu “capricho” (p. 213), contribuindo assim para desmitificar a imagem de monarca magnânimo:

O crime de aproveitar impiedosamente as energias e a resignação de um povo para lançal-o a uma luta em terreno desconhecido e inhospito, por capricho, mesmo depois do inimigo propor por duas vezes a paz, constitue uma nodoa no reinado de Pedro II, chamado entretanto de rei magnânimo (COUTTO, 1920, p. 214).

No prefácio de Pontos da História do Brasil, de Coutto (1920), já é possível perceber a concepção do autor:

[...] Quanto á conducta do governo imperial, Ella se revela na perseguição tenaz a um homem por capricho de outro homem, que lhe tinha ogeriza. E tão incompreensível era a sanha de Pedro II, em regra tão apegado ás soluções medias, que se forjou a lenda de que López pedira em casamento a princeza D. Leopoldina. Certo, nada há de verdade nesse facto, mas elle serve como uma explicação que o povo se deu do ódio do ultimo imperador do Brasil ao selvagem caudilho que dominou o povo paraguayo (p. 11).

Ribeiro (1914), apesar de destilar algumas suaves críticas à figura do imperador Pedro II, apresentou uma visão positiva do mesmo, que foi tido como um “democrata, simples e modesto, mas sem perda da distincção pessoal; generoso e desinteressado; sabio, mas sem affectação; exemplo de todas as virtudes domesticas, grangeou, melhor que a popularidade, a sympathia respeitosa da multidão.” (p.506-507)123. Ribeiro ainda destacou D. Pedro II como homem culto, “porém quasi retrogrado” (p. 508), cuja vaidade diante das cortes europeias fez com que o mesmo cultuasse “coisas superfluas”. D. Pedro II foi representado por Borges Hermida (1972) como um “trabalhador infatigável”, como um monarca que permitia a liberdade de expressão, tanto de políticos como da imprensa, e ainda foi apontado como um imperador que não “guardava ressentimentos” em relação às críticas que sofria de seus inimigos (p. 215). Segundo o

123

Na visão do autor, D. Pedro II possuía uma isenção maior que seus ministros nas questões nacionais, pois não pertencia a partidos políticos: “A opinião melhor esclarecida verifica que, de facto, frequentes vezes o Imperador dissentia dos seus ministros, porque, não pertencendo aos partidos, comprehendia com maior isenção os interesses nacionaes” (RIBEIRO, 1914, p. 507).

referido autor, D. Pedro II possuía “um espírito democrático” (216). Em uma passagem da participação do monarca no conflito que se deu em Uruguaiana, o autor destacou a