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2 METODOLOGIA

2.3 Instrumentos para a interpretação dos dados coletados

Para executar a interpretação dos dados coletados na Amostra de Fala 1 e na Amostra de Fala 2 desta pesquisa, contou-se com o auxílio de dois programas computacionais: Praat, v. 5.1.07 (BOERSMA e WEENINK, 2009), e GoldVarb X, v. 3.0b3 (SANKOFF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2005).

Praat é um software comumente utilizado na síntese e na análise de dados de fala. A partir de arquivos de áudio de diferentes extensões (no caso desta pesquisa, .mp3), o programa gera um desenho contínuo das ondas sonoras captadas nas gravações e a partir delas cria

45 O tempo de instrução na língua estrangeira foi verificado a partir do nível (isto é, o semestre) do curso de idiomas em que o participante estava matriculado e a partir da declaração feita pelo próprio informante no Formulário sobre Informações Pessoais (cf. Anexo VII).

espectrogramas, i.é, representações visuais dos sons contidos nesses arquivos. Através desses espectrogramas, o usuário do programa consegue literalmente enxergar os sons que foram gravados.

Nesta pesquisa, o som que se buscou enxergar foi aquele produzido entre os clusters consonantais presentes nos dados de fala coletados, i.é, a epêntese vocálica. No presente estudo, considerou-se caso de epêntese somente segmentos com duração ≥ 0,03 segundos.

A parte inferior da imagem a seguir ilustra um exemplo de espectrograma em que ocorre a inserção da vogal [ ] no vocábulo sub-raças.

[s b x a s s ]

Observe-se que, neste exemplo, as vogais podem ser identificadas sem dificuldades através das áreas mais escuras do espectrograma que em geral se concentram na parte inferior do mesmo. Com relação à vogal epentética [ ], sua produção pode ser identificada pela pequena esfera de tom mais escuro que aparece logo acima de sua representação fonética, na

parte de baixo do espectrograma. Com o auxílio da próxima imagem, que apresenta um caso de ausência de epêntese, é possível entender melhor essa forma de identificação da vogal.

[s b h a s s ]

Nessa imagem, percebe-se que, para o mesmo vocábulo sub-raças (agora produzido por outro informante), a área mais escura antes presente entre [b] (aqui bem identificado pela barra vertical que representa a explosão dessa oclusiva) a fricativa subsequente agora desapareceu.

A identificação das vogais epentéticas através da simples visualização das áreas mais escuras, no entanto, nem sempre é eficaz, já que essas vogais geralmente têm duração curta na fala e podem, em razão disso gerar espectros que se confundem com os das consoantes circundantes. Soma-se a isso o fato de que o barulho captado no local da gravação tende a escurecer as imagens dos espectrogramas, o que pode causar confusão na hora de definir o que é ruído e o que é vibração das cordas vocais. Em razão disso, utilizou-se adicionalmente o recurso de visualização de pulsos glotais oferecido pelo programa.

Os pulsos glotais – representados pelas barras verticais azuis que cortam as ondas que aparecem na parte superior das ilustrações acima – permitem identificar os pontos em que houve vibração das cordas vocais, ou seja, os pontos em que houve produção de segmentos vozeados (como as vogais epentéticas). Neste estudo, à semelhança de PEREYRON (2008), considerou-se a ocorrência de no mínimo dois pulsos glotais vocálicos entre a consoante perdida e a consoante seguinte para que se admitisse um caso de epêntese.

O outro programa utilizado nesta pesquisa, GoldVarb X, é um aplicativo computacional que executa a análise multivariacional de dados. Desenvolvido na Universidade de York, EUA, o GoldVarb X corresponde a uma versão atualizada do Pacote VARBRUL 2S e tem como uma das principais vantagens o fato de que permite o acesso a todos os programas do pacote se sua versão anterior em um único arquivo executável (no Pacote VARBRUL 2S, os programas deviam ser executados individualmente). BRESCANCINI (2002) apresenta uma descrição detalhada sobre os programas que compõem o Pacote VARBRUL.

Os dados obtidos com o auxílio do programa Praat foram codificados e, em seguida, submetidos à análise do aplicativo GoldVarb X. Após a correção dos erros de codificação detectados e a criação dos arquivos de condições para cada uma das três análises executadas (Amostra de Fala 1, Amostra de Fala 2 e Amostra de Fala 1 + Amostra de Fala 2), foram gerados os arquivos de células, que apresentaram os percentuais de aplicação da epêntese para cada fator.

Através do arquivo de células, foi possível identificar os casos de knockout, i.é, situações em que houve 0% ou 100% de aplicação da epêntese para um determinado fator.46 Uma vez eliminados os knockouts, os arquivos de células corrigidos serviram de input para a execução da análise binomial, que calculou o peso relativo de cada um dos fatores relacionados à inserção vocálica.

O peso relativo, valor numérico que varia entre 0,00 e 1,00, indica, através de sua comparação com o ponto neutro (= 0,50), se um determinado fator favorece (peso relativo > 0,50) ou inibe (peso relativo < 0,50) a ocorrência do fenômeno. BRESCANCINI (2002) observa, no entanto, que o ponto de referência não deve ser adotado como o único critério para verificar se um fator de uma determinada variável contribui ou não para a realização do fenômeno. Nesse sentido, a autora argumenta que o peso relativo de um fator também deve

46 Os knockouts não são admitidos pelo programa na etapa de execução da análise binomial e, por isso, precisam ser corrigidos, seja pela eliminação do dado, seja pela sua recodificação.

ser interpretado de modo relativo, ou seja, “(...) considerando a ordenação relativa entre os pesos dos fatores do grupo.” (BRESCANCINI, 2002:48).

Ainda com base no arquivo de células, a realização de rodadas-teste entre grupos de fatores permitiu que se detectasse um problema de ordem teórico-metodológica: a baixa ortogonalidade de alguns desses grupos. GUY (1998) argumenta que os grupos de fatores devem ser ‘ortogonais’, ou quase ‘ortogonais’, ou seja, “(...) eles devem coocorrer livremente, e não ser sub- ou supercategorias uns dos outros.” (GUY, 1998:31).

Um exemplo de baixa ortogonalidade verificado neste estudo está no grupo ‘vozeamento da consoante perdida’. Esse grupo apresenta a informação sobre o tipo de marcação (positiva ou negativa) para o traço [vozeado]; essa informação, no entanto, já está contida nos fatores que compõem o grupo ‘tipo de consoante perdida’ (para uma consoante [b], por exemplo, já se sabe que a marcação de [vozeado] é positiva).

Em razão dos casos de baixa ortogonalidade detectados em rodadas gerais (i.é, rodadas que continham todos os grupos de fatores), optou-se pela realização de duas rodadas para cada uma das duas análises executadas. Assim, a distribuição dos grupos de fatores em cada uma das rodadas ficou de acordo com o que está no Quadro 4, na próxima página. A rodada 1 excluiu os grupos que causavam problemas de ortogonalidade (‘vozeamento da consoante perdida’, ‘vozeamento do contexto seguinte’, ‘sexo’, ‘idade’ e ‘proficiência em inglês’47), enquanto a rodada 2 acrescentou esses grupos, em substituição às variáveis com as quais criavam conflitos.

47 Os grupos ‘sexo’, ‘idade’ e ‘proficiência em inglês’ têm problemas de ortogonalidade em relação ao grupo ‘informante’, uma vez que, para um dado indivíduo, as informações sobre gênero, idade e grau de instrução na LE são únicas.

Quadro 4 - Distribuição das variáveis por rodada e por análise realizada Análise realizada

Amostra de Fala 1 (PB) Amostra de Fala 2 (inglês)

1

Contexto morfológico Tipo de consoante perdida Tipo de contexto seguinte Acento

Tipo de cluster Informante

Contexto morfológico Tipo de consoante perdida Tipo de contexto seguinte Acento Tipo de cluster Informante R od ad a 2 Contexto morfológico

Vozeamento da consoante perdida Vozeamento do contexto seguinte Acento

Tipo de cluster Sexo

Idade

Contexto morfológico

Vozeamento da consoante perdida Vozeamento do contexto seguinte Acento

Tipo de cluster Sexo

Idade

Proficiência em inglês

A partir da interpretação comparativa entre os pesos relativos de cada fator nas rodadas realizadas, foi possível analisar as relações de favorecimento e de desfavorecimento para a aplicação do fenômeno da epêntese, possibilitando-se, assim, a verificação das hipóteses formuladas para os grupos de fatores considerados para a análise da inserção vocálica nos dados da Amostra de Fala 1 e da Amostra de Fala 2. A apresentação e a discussão dos resultados obtidos nessas amostras, assim como nos testes de verificação de transparência de prefixos em PB e em inglês como LE, são o foco do próximo capítulo deste trabalho.