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Integrar a Política de habitação Social numa Política Global de Cidade

O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA POLÍTICA HABITACIONAL E A QUESTÃO DO REALOJAMENTO

03 habitação social •Disponibilização gratuita de terrenos para si e

2.3 Integrar a Política de habitação Social numa Política Global de Cidade

A ocupação residencial do espaço urbano não seguiu sempre um ordenamento desejável. Encontramos, com frequência, situações de caos urbanístico, nomeadamente, falta de infra-estruturas básicas, edificação maciça sem preocupações ecológicas, habitação degradada, barracas, portanto, um conjunto de situações que põem em causa a qualidade de vida urbana. Já vimos, também, que todo o processo de realojamento e de constituição do parque habitacional social deixou marcas profundas, quer no espaço urbano, quer no tecido social. Esta situação foi agravada pela inexistência de programas de conservação e de manutenção dos edifícios.

A falta de investimentos necessários face à expansão da urbanização, provocou graves lacunas ao nível das infra-estruturas e nos meios de transportes. Com vista à recuperação dos atrasos confrangedores das cidades, a partir de 1974, as principais intervenções das autarquias incidem, naturalmente, em programas de acção centrados na criação de infra-estruturas de

231 Relativamente a esta questão, saliente-se que o LNEC e o INH desenvolveram nos anos de 1994 e

1995, trabalhos conjuntos por equipas interdisciplinares.

transportes, saneamento básico, equipamentos colectivos e habitação. A principal preocupação é a resolução de problemas básicos dos concelhos. De referir que toda esta intervenção dos municípios está ligada à lei das atribuições das autarquias locais, assim como à Lei das Finanças Locais. Nos últimos anos, também a obrigatoriedade dos Planos Directores Municipais conduziu a um uso e controlo do solo mais adequado.

Por último, as autarquias têm vindo a apostar numa política de habitação social intensiva (especialmente nas Áreas Metropolitanas), cujo objectivo prioritário é a erradicação das barracas, para além de porem à disposição dos munícipes terrenos com projecto aprovado a custos baixos (favorecendo a auto-construção), promovendo a habitação social e apoiando o cooperativismo habitacional, tentam resolver ou diminuir as carências habitacionais.

Todavia, como já analisámos, o realojamento não é por si só capaz de resolver os problemas de pobreza e carências mais ou menos extensas. Concentrados nas áreas interiores das cidades e nas periferias dos grandes centros, os fenómenos de pobreza e exclusão manifestam-se em teias de privações, inadaptação e ruptura dos laços e relações sociais . Cada vez mais, como já referimos, os estudos apontam a vertente social como o problema fundamental do realojamento234. Daí que numerosos autores, tenham defendido uma política social de habitação, em substituição da política de habitação social que tem dominado as intervenções neste domínio.

Como refere Isabel Guerra , «o problema do realojamento é, antes de mais, um problema social e não um problema de edifícios, tudo isto porque as pessoas não são coisas que se metam em gavetas.» Também, como já referimos, a acção política e a acção social tradicionais não conseguiram resolver os graves problemas referenciados.

No decurso das duas últimas décadas, registaram-se mudanças importantes a nível social, de reestruturação económica, de políticas decorrentes de uma demografia em mutação,

233 Alfredo Costa, na sua obra Exclusões Sociais, defende que a exclusão social é a fase extrema do

processo de marginalização. Para este autor a exclusão caracteriza-se pela ruptura com o mercado de trabalho, rupturas familiares, afectivas e de amizade e assume diversas formas daí a designação no plural. Como nos explica, existem de facto várias exclusões sociais, que vai desde a pobreza extrema, aos isolados da família, aos que se vão auto-destruindo pelo seu comportamento (toxicodependentes, alcoólicos, esquizofrénicos) e várias outras situações. COSTA, Alfredo - Exclusões Sociais. Lisboa: Gradiva, Cadernos Democráticos, n° 2, 1998.

234 «A marginalização dos conjuntos de habitat social foi atribuída, num primeiro momento, à

brutalidade do seu urbanismo e da sua arquitectura. O fracasso das primeiras tentativas de reabilitação depressa mostrou que não era a degradação do cenário construído que provocava a exclusão dos habitantes, mas o inverso.» LACAZE, Jean-Paul - Cidade e o Urbanismo. Lisboa: Instituto Piaget, Biblioteca Básica de Ciência e Cultura, 1995, p.79.

235 GUERRA, Isabel - As Pessoas não são Coisas que se Ponham em Gavetas. Sociedade e Território.

das alterações tecnológicas e institucionais. Toda esta conjuntura de mudança, reflexo da evolução das sociedades, teve implicações nos comportamentos, mentalidades e nas próprias necessidades dos agentes e das instituições, o que determinou novas orientações de política, cujo papel social foi reforçado, assim como as formas de provisão de bem-estar.

Do que foi dito, não surpreenderá, portanto, a exigência e o surgimento de novos cenários políticos que terão de ir ao encontro de uma intervenção integrada e global, tendo em conta a diversidade de variáveis que explicam a exclusão e a pobreza e, em última análise, que afectam os bairros sociais. Trata-se de alterar o modelo tradicional de intervenções sectoriais e de avançar com uma metodologia de projecto, em que os papéis dos diferentes actores (eleitos, representantes do Estado, serviços locais e associações de habitantes), apesar de específicos, sejam articulados.

Do exposto, importa agora apresentar novas estratégias geradoras de novas dinâmicas de habitação social. Isabel Guerra236 demonstra que são três as principais inovações: uma acção integrada e global; uma intervenção que integre o urbano, o económico e o social e a participação dos moradores.

Os programas sectoriais tradicionais definidos longe dos locais onde os problemas se colocavam fracassaram. As intervenções fragmentadas descoordenadas e centralizadas ignoraram as "especificidades locais e a diversidade com que se manifestam, e se vivem, os mecanismos de exclusão". A exclusão social encerra diversos handicaps que se reforçam mutuamente, pelo que a erradicação dos processos causadores da exclusão só será possível pelo entendimento das lógicas que os unem. Sendo assim, a intervenção tem de partir da análise dos problemas de forma global e actuar de forma integrada. Refere a autora que «agir localmente, pensar globalmente» resulta de uma análise integrada contextualizada, através de dinamismos regionais e locais onde se insere. Defende, também, a necessidade de se atender simultânea e concertadamente à variedade e complexidade dos problemas que atingem um bairro, nomeadamente, ao desemprego, desagregação de famílias, tráfico de droga, insegurança, nível de instrução.

Uma outra inovação centra-se na integração das acções numa política de cidade que articule o urbano, o social e o económico. Esta situação requer o envolvimento da população em algumas das tarefas no próprio bairro. Pretende-se que a população se aproprie do bairro e da cidade, pelo que se propõe a sua responsabilização por determinada tarefa237.

GUERRA, Isabel - As Pessoas não são Coisas que se Ponham em Gavetas. Sociedade e Território. Porto: Afrontamento, n° 20 (Abril 1994), p.l 1-16.

37 Por exemplo, a população pode ser responsável pela limpeza, higiene, segurança e até manutenção

Finalmente, aposta na participação dos moradores, através das respectivas associações. A noção de participação tem evoluído ao longo das últimas décadas. No entanto, é nos anos oitenta que muitas das associações de moradores adquirem um estatuto de parceiros sociais. Estas associações, conhecendo os problemas dos habitantes, serão os interlocutores privilegiados, interagindo com as populações, com os técnicos e com os decisores. Apela-se ao envolvimento dos cidadãos na acção pública. Deste modo, os moradores transformam-se em agentes do seu próprio desenvolvimento. Procura-se, assim, dotar as populações de uma capacidade real, através da reorganização dos seus recursos, e afastá-las da sua condição de excluídas.

Desde o início da década de noventa que o Estado tem mostrado preocupações acrescidas no que respeita aos objectivos sociais. Neste domínio, estabelece possibilidades de articulação entre o Programa Especial de Realojamento e o Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza, bem como a realização de obras de recuperação e restauro de habitações no âmbito do Sub-Programa Integrar - Inserção Económica de Grupos Sociais Desfavorecidos (Portaria n° 1280/97, de 31/12). A estes programas, que a União Europeia apoia, o Governo português acrescentou, já no final da década de 90, uma nova medida, Rendimento Mínimo

Garantido, através da qual se pretende conceder, às famílias em risco de total exclusão, um

rendimento que permita a sua subsistência e a criação de condições para a sua integração social e para acesso a uma actividade estável . O realojamento só faz sentido se, simultaneamente, se procurarem soluções para o emprego e a integração social. Não basta uma intervenção no domínio da habitação e dos bairros, é preciso passar progressivamente a uma estratégia de desenvolvimento social urbano.