• Nenhum resultado encontrado

4. OS RAMOS DA INTELIGÊNCIA EM SEGURANÇA PÚBLICA

4.1 INTELIGÊNCIA

Antes de apresentarmos a Inteligência em Segurança Pública – ISP, observemos como ela se apropriou de termos já existentes, como o de inteligência. Por este princípio é que, como se observa em toda a literatura sobre o assunto, não devemos chamar de Inteligência de Segurança Pública, mas sim Inteligência em Segurança Pública.

Para Vale (2014) existem conceitos amplos para expressar inteligência, além da Inteligência Militar, comumente conhecida, como a de Estado.

Segundo Vale (2014, p. 05) o conceito mais utilizado de inteligência é o apresentado por Sherman Kent, de que existem três definições de Inteligência, quais sejam:

1) Inteligência como produto: segundo essa ótica, inteligência é o resultado do processo de produção do conhecimento; é o relatório que servirá de subsídio ao processo decisório. 2) Inteligência como organização: por essa ótica, inteligência são os serviços secretos, as organizações que atuam na busca de informações e produção de conhecimentos. 3) Inteligência como atividade (grifos nossos): é o processo de obtenção, análise e disseminação de conhecimentos, o qual segue metodologia própria.

Dentre as três definições apresentadas por Kent, creio que, a atenção a mais uma, o ator, como sujeito imbuído de responsabilidades, ciência, arte, conhecimentos que unidos possam produzir outros conhecimentos para o auxílio na tomada de decisões pelos gestores másters, bem como realizar a proteção ambiental, do modus operandi da Atividade de Inteligência, não revela redundância, mas parte significativa da Inteligência.

Conforme Chiroli e Araújo (2009, p. 72) ―a inteligência é o termo usado para tratar de uma capacidade humana, que se refere à habilidade cognitiva de compreensão e memorização de fatos e coisas, de processamento de informação (grifos nossos)‖, raciocinando e criando conhecimentos, como afirma Primi, Santos, Vendramini (2002, p. 48):

Retomando-se a história das teorias da inteligência, pode-se observar enfoques diferenciados em capacidades mais associadas ao raciocínio ou ao conhecimento. Essas dimensões da inteligência humana têm sido referidas, desde Cattell (1971), por inteligência fluida (raciocínio e cristalizada (conhecimento).

Descartes (2001, p. 05) discorre que:

O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer outra coisa não costumam desejar mais bom senso do que têm. Assim, não é verossímil que todos se enganem; mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom senso da razão, é por natureza igual em todos os homens; e portanto que a diversidade de nossas opiniões não decorre de uns serem mais razoáveis que os outros, mas somente de que conduzimos nossos pensamentos por diversas vias, e não consideramos as mesmas coisas. [...].

Segundo Roratto (2012, p. 31):

A palavra inteligência apresenta sentidos e entendimentos de acordo com o campo do conhecimento em que se insere, e está relacionada a diferentes tipos de saberes formadores do conhecimento de inteligência ligada ao campo educacional como a faculdade de aprender, apreender ou compreender.

Inteligência, habilidade, raciocínio, cognição, todos passam por exercícios da mente para a produção de um conhecimento, pelo processamento de informações. Logo, o pensar eleva a condição humana em sua existência na relação com o outro, por poder ser diferente.

Serra e Silva (2003, p. 109) analisam que:

Buscar evidenciar uma ética em Hannah Arendt (1906-1975) é, antes de tudo, trazer à tona, mesmo que de modo genérico, suas reflexões sobre as condições que levam o homem ao relacionamento consigo mesmo, com os outros e com o mundo, na significação de sua existência.

Desta forma, a questão da inteligência humana significa refletir e não apenas pensar. Como levantou o filósofo Descartes (1596-1650) em seu mais conhecido pensamento ―penso, logo existo‖.

Ao pensar e buscar entendimento sobre o termo inteligência, Roratto (2012) ainda traz conceitos relacionados à Psicologia, à Política, à área Competitiva, Objetiva e de Estado. Entretanto, para melhor e maior explanação do quanto dispõe Inteligência em Segurança Pública, ficaremos com os conceitos de inteligência na Psicologia e de Estado.

Segundo Roratto (2012, p. 31), a inteligência na Psicologia:

A inteligência humana é considerada em toda sua complexidade por teóricos como David Goleman – inteligência emocional – e Howard Gardner – inteligência múltipla. Goleman (1995) entende que a faculdade emocional guia nossas decisões a cada momento, trabalhando de mãos dadas com a mente racional, capacitando ou incapacitando o próprio pensamento. ―Temos dois cérebros, duas mentes – e dois tipos de inteligência: racional e emocional‖.

Já a inteligência de Estado para Roratto (2012, p. 36-37):

O termo inteligência é relacionado por pesquisadores a relações e entendimentos secretos que normalmente ocorrem dentro do território ou fora dele. Derivado da palavra inglesa ‗intelligence‘, passou a designar, dependendo do enfoque que se queria dar, serviço de informações, serviço de inteligência, serviço secreto, serviço de segurança. Em todos os casos, é uma instituição do Estado colocada à disposição dos governantes dos países para que eles se informem antes de tomar decisões, na crença de que esta figura onipresente, onisciente, quase divina, seja capas de conhecer com profundidade os assuntos que envolvem os interesses nacionais. Desta forma, ao unir os dois conceitos de inteligência na Psicologia e de Estado, o raciocínio humano pauta-se por um longo processo de construção de julgamentos, apreciações, avaliações, edificações de conhecimentos emanados de questões racionais e emocionais, os quais servirão de bases para o processo decisório.

O simples pensar para Arendt (2007) não fazia com que a condição humana fosse elevada à existência, era preciso algo mais, era preciso que além do pensar estivesse presente a reflexão e não só refletir, mas construir algo em torno do que se analisava. Desta forma, o homem desenvolveria suas atividades fundamentais; o labor, o trabalho e a ação, respectivamente a vida, a mundanidade e a vida política.

Diante estas apresentações dos autores elencados, podemos ter uma ideia de inteligência como aquela que por meio do pensamento e de sua reflexão os homens produzem conhecimentos e realizam ações entre si dando razão à vida política, contextualizando-a, modificando-a, remodelando-a conforme as necessidades sociopolíticas vigentes.

Sistemas governamentais de inteligência consistem em organizações permanentes e atividades especializadas na coleta, análise e disseminação de informações sobre problemas e alvos relevantes para a política externa, a defesa (grifo nosso) nacional e a garantia da ordem pública de um país.

Pelo que foi apresentado e um conceito de inteligência aqui construído. A Atividade de Inteligência em Segurança Pública, por estes processos, delineia-se por ser, segundo a DNISP (2007, p. 100):

O exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera da Segurança Pública, orientadas, basicamente, para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários à decisão, ao planejamento e à execução de uma política de Segurança Pública, e das ações para prever, prevenir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza ou atentatórios à ordem pública.

Pela análise já realizada no capítulo 3, página 48, de termos incoerentes apresentados na definição da ISP, como exercício, passamos aqui a apresentar o significado da Inteligência em Segurança Pública.

A estruturação da Inteligência em Segurança Pública não foi apenas pelo que se tem da mudança de interesses do Estado de um modelo de Atividade de Investigação pautado na Ditadura Militar, para o modelo de Atividade de Inteligência pautado em um instrumento de Políticas Públicas e democracia.

Devido principalmente ao fato de a polícia militar e da polícia judiciária civil trabalharem de forma isolada, cada um cumprindo a sua própria missão constitucional, foi que o Plano Nacional de Segurança Pública/PNSP, priorizou a criação de um sistema único de segurança pública nos Estados. (CHIROLI e ARAÚJO, 2009, p. 66).

Tem-se, a partir de então, uma análise pontual sobre Segurança Pública. Como ela é ou era realizada? Cada Polícia entendia e ainda entende que cumprir com suas atribuições não depende da outra. Repressão pela Polícia Militar, Investigação criminal pela Polícia Civil e Comprovação de provas pela Polícia Técnica, eram e ainda são o pensar de se realizar atividade de Segurança Pública por boa parte de seus agentes e gestores.

Entretanto, cabe a todas realizarem Segurança Pública em consonância, somando cada atribuição ao bem comum social. Agirem com precaução e prevenção. Desta forma, evitarem que o crime aconteça.

O exercício da repressão é algo que deve ser aplicado quando todas as outras formas não surtiram efeito, e, caso não tenha surtido efeito, foi pelo fato de não ter sido bem geridas as ações. Daí a necessidade se adotar ajustes para ações integralizadas.

É necessário adotar medidas que permitam às polícias militar e civil trabalharem de forma integrada, e uma das formas sugeridas é a unificação das informações de segurança pública, pertinentes ao planejamento e tomada de decisões, no nível tático, estratégico ou administrativo. (CHIROLI e ARAÚJO, 2009, p. 67).

Sendo assim, a Atividade de Inteligência em Segurança Pública chega para sanar esta integração entre as Polícias não só do Estado, mas entre os Estados. É então criado o Sistema de Inteligência em Segurança Pública.

Em 20.06.2000, o Governo Federal divulgou o Plano Nacional de Segurança Pública/PNSP, que em seu Compromisso Número 4 previa a implantação do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública/SISP, com desdobramento nas ações 38,39,40, 41, que respectivamente estabelecem acerca da sua implantação, integração, criação e atuação. [...], tendo como órgão coordenador a Secretaria Nacional de Segurança Pública, atualmente vinculada ao Ministério da Justiça. Tal decreto determinou a criação do Conselho Especial do Sistema CE/SISP, órgão de deliberação coletiva com a ―finalidade de estabelecer normas para as atividades de inteligência de segurança pública‖ [art. 3º]. É importante mencionar que os Estados não foram contemplados no Conselho Especial nem podem como membros permanentes, nem com o direito a voto no Conselho Especial, apenas como membros eventuais. (CHIROLI e ARAÚJO, 2009, p. 68).

Os Estados não foram contemplados pelo Conselho Especial face o Decreto 4.376/02 que dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela Lei 9.883/99, de que em seu art. 4º que regulamenta quais órgãos constituem o Sistema de Bibliotecas e Informação- SISBIN, não traz em seus incisos as Secretarias de Segurança Públicas de Estados, mas apenas menciona, no parágrafo único do referido artigo que: ―mediante ajustes específicos e convênios, ouvido o competente órgão de controle

externo da atividade de inteligência, as unidades da Federação poderão (grifo nosso) compor o Sistema Brasileiro de Inteligência‖.

Ora, se as unidades da Federação poderão compor o sistema é porque, para os que estão inscritos, constituindo de fato o SISBIN, fazem Inteligência pura e não com atrativo de subsidiar as Polícias Militares e Judiciárias em suas atribuições por informações e contenção de crimes. Mas o que de fato fazem os órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência, para subsidiarem seus chefes? Levantar informações e produzir conhecimento para a tomada de decisões acertadas, que nada mais é que as Polícias exercerem suas atividades com acerto de decisões para favorecimento da sociedade.

Fazer Segurança nacional observa-se crimes políticos, econômicos, atentados à nacionalidade, crimes de maior abrangência nacional, entretanto, contudo, na esfera Estadual tais crimes acontecem, em menor escala, mas acontecem afrontando a paz e a ordem pública.

Outro ponto, que por hora pode ser levantado, é a questão de ser, praticamente, política a atividade de Inteligência pelos órgãos que compõem o SISBIN, por se tratar de assuntos sigilosos de interesse nacional e que o Presidente da República se faz necessário conhecer para aviltar decisões.

Porém fica a ressalva, já que foi criado o SISP e que tem como órgão coordenador a SENASP e ser a missão dos representantes do SISP ―identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais de segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza‖ (DECRETO, 3.695/00, art. 2º, § 3º) por que as unidades da Federação não fazerem parte direta do SISBIN?

Com este posicionamento dos órgãos nacionais que compõem o SISBIN é que a Doutrina Nacional de Inteligência em Segurança Pública - DNISP ainda não foi finalizada a contendo, pois é preciso a observância das diferenças regionais para sua elaboração, de forma a contemplar os interesses e realidades de cada região. Segundo Chiroli e Araújo (2009, p. 68):

Revisões doutrinárias haviam sido elaboradas anteriormente, no entanto, a forma cartesiana de implementação inviabilizou sua execução na prática, na medida em que os Estados se sentiram excluídos do processo de revisão e produção da mesma. Com uma participação mais ativa dos Estados, a DNISP, embora praticamente completa, ainda carece de revisão semântica e de regulamentação.

Sendo assim, afirma Chiroli e Araújo (2009), por não terem sidos os Estados contemplados no processo de criação da Doutrina Nacional de Inteligência em Segurança Pública, cada um, face suas necessidades, realidades implementaram políticas para atenderem suas demandas.

Dentre eles, recentemente, o Estado da Paraíba estabeleceu a Lei 10.338/2014 que cria o Sistema Estadual de Inteligência em Segurança Pública e dá outras providências, que, conforme o art. 1º:

Fica criado o Sistema Estadual de Inteligência de Segurança e Defesa Social do Estado da Paraíba – SEINDS, sob a chefia do Secretário de Estado da Segurança e Defesa Social (SEDS) e terá na Coordenação Integrada de Inteligência de Segurança e Defesa Social – CIISDS (Agência Central) a instância de coordenação, planejamento e execução do Sistema. (DIÁRIO OFICIAL/PB, 2014, n. 15.572, p. 01).

E assim o art. 2º, em seus incisos I e II, para efeitos da aplicação da lei 10.338/14, estabelece Inteligência e Contrainteligência, respectivamente, como ―a atividade que objetiva

a obtenção, análise e difusão de dados ou conhecimentos com influência sobre o processo decisório da segurança pública e preservação da ordem pública‖ e ―atividade que objetiva salvaguardar os conhecimentos produzidos e neutralizar as ações adversas‖.

Mais uma vez constatamos a não observância à salvaguarda dos AIs e do modus

operandi da ISP. A preocupação dos Estados em se fazer uma Inteligência em Segurança

Pública pauta-se sobre uma prática fatalista e nada preventiva e a precaucionar efeitos contrários a ela, de modo a não incorrer em erros como a falha de vazamento de informações e senhas de acesso aos sistemas, como ocorridos no site da INFOSEG, da ACADEPOL na Bahia dentre outros, bem como as possíveis ameaças sofridas por seus agentes de inteligência por parte do público externo e interno. Desta forma, para melhor explanação partimos para o segundo ponto deste capítulo que é a Contrainteligência.