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Em sua obra O Poder Simbólico, Pierre Bordieu apresenta a ideia de um “poder quase mágico”, o “poder de fazer e de fazer crer”, de “confirmar ou de transformar a visão do mundo” – como aquele poder que mobilizou um punhado de dissidentes do PCB para fundar uma nova organização que pretendia pegar em armas, ou de jovens voluntaristas determinados a enfrentar um Exército bem armado e organizado, empunhando basicamente a tocha sagrada da revolução. Enfim, “o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou a subverter”372.

Foi com esse imaginário coletivo que, desde a sua fundação, os chefes políticos do PC do B buscaram a aproximação com um novo movimento internacional que começava a exercer o “poder de fazer e de fazer crer”, segundo as palavras de Bordieu – o maoísmo. Nascidos órfãos de Stalin, buscavam-se adotados pela China de Mao Tsé-tung à medida que precisavam se afastar da União Soviética de Kruschev e do PCB de Prestes.

Já em seu Manifesto-Programa, de 1962, o partido tecia elogios à China Popular373. No ano seguinte, em junho de 1963, o Partido Comunista Chinês,

                                                                                                                         

372 Pierre Bordieu. O poder simbólico. 2a ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. pág. 15. 373 “Manifesto de Fundação do Partido Comunista do Brasil”, op. cit.

através de um documento que ficou conhecido como a “Declaração dos 25 Pontos”, deu a conhecer oficialmente ao Movimento Comunista Internacional o seu rompimento com Moscou. Com esse documento, oficializou-se um cisma irreversível, definitivo.

A partir daquele momento, as revoluções socialistas passariam a ser classificadas em todo o mundo como de “linha chinesa” ou de “linha soviética”.374 A “linha chinesa” preconizava, em suma, que a revolução deveria partir da conquista do campo até o cerco final das cidades. Foi assim que os stalinistas da nova organização, o PC do B, começaram a se familiarizar com o pensamento de seu novo líder, Mao Tsé-tung. E da mesma forma que Stalin fazia questão se ser anunciado internacionalmente como o “Guia Genial dos Povos”, naquela ocasião, Mao procurava fazer crer que era o “Grande Timoneiro”.

Outra razão que empurrou o PC do B para o maoísmo era de ordem prática. O PC soviético ainda cultuava o dogma do “partido único”. Ou seja, não admitia a existência, em um mesmo país, de mais de um partido dirigente da classe operária. E, no Brasil, o partido que representava desde 1922 o proletariado agora se chamava Partido Comunista Brasileiro, PCB, então absolutamente hegemônico, com quase 20 mil militantes atuantes dentro do tecido social, prontos para deflagrar a revolução pacífica preconizada por Gramsci.

Maurício Grabois oficializaria a adesão ao maoísmo ao publicar um artigo na edição de julho de 1963 do jornal A Classe Operária, veículo oficial do novo partido, definindo o PC chinês como “destacamento de vanguarda e força dirigente da revolução mundial”. No mesmo artigo, qualificou Mao Tse-tung como “o maior teórico do Movimento Comunista Internacional”. A partir de então, o maoísmo penetrava no Brasil para não mais sair. Não chegou a chamá-lo de “Grande Timoneiro”.

                                                                                                                         

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Chamo a atenção para o fato de que o maoísmo avançava, paripassu, em outros países do mundo. Em Portugal, por exemplo, as lutas internas no Partido Comunista Português (PCP), por conta da nova linha pacífica preconizada por Kruschev, tiveram início em 1958; os stalinistas começaram a ser expulsos em 1963, e uma nova organização de orientação maoísta, a Frente da Acção Popular (FAP) seria fundada em 1964375 – em uma cronologia que, em quase tudo, coincide com a do PC do B.

Foi assim que, em meados de fevereiro de 1964, cerca de 40 dias antes do golpe que instauraria um regime militar de duas décadas, o primeiro contingente de militantes do PC do B seguiu para a China, a fim de iniciar o treinamento, na Academia Militar de Pequim, o treinamento em guerra de guerrilhas, preparando-se para a futura luta que seria desencadeada no Brasil376. Estariam nesse primeiro grupo Osvaldo Orlando Costa, Osvaldão, e André Grabois, filho do chefe partidário Maurício Grabois, que ainda tinha 17 anos377.

Faziam uma rota tortuosa para despistar os agentes da repressão brasileira e, também, os espiões da agência de inteligência dos Estados Unidos, a CIA. Do Rio de Janeiro, partiam rumo a Zurique, Suíça, e de lá para Genebra, Cairo (Egito), Karachi e Daca (Paquistão), Cantão e Xangai (China), até chegar a Pequim. Treze deles chegaram a ser fotografados pela CIA em Karachi e, depois, acompanhados no desembarque em Pequim378.

Lá, fizeram faziam cursos intensivos de cinco meses, com uniforme da milícia comunista, e em companhia de futuros guerrilheiros de outros países do

                                                                                                                         

375 Miguel Cardina. A esquerda radical. Coimbra, Portugal: Angelus Novus, 2010, pág. 35 e 44. Observo

que a obra é resultado de tese de doutorado sobre o maoísmo em Portugal, defendida no Departamento de História das Ideias da Universidade de Coimbra.

376 O treinamento na China só seria tornado público em 1968, a partir de informações levantadas pela

agência de Inteligência dos Estados Unidos, CIA, e repassadas às autoridades brasileiras. Foi então elaborado um dossiê sobre o assunto, entregue por um delegado do DOPS paulistano ao jornal Folha de S. Paulo. Adiante, detalho esse evento. In: Edson Flosi. “China prepara brasileiros para fazerem guerrilha em nosso país – I”. São Paulo: Folha de S. Paulo, 21 Nov 1968, 1ª pág; e idem, 22 Nov 1968, pág. 10

377 Nascido a 03 de julho de 1946, completaria 18 anos cinco meses depois.. 378 In: Edson, op. cit.

terceiro mundo. Nos dois anos subsequentes, 1965 e 1966, outros grupos do PC do B também seguiriam ao treinamento militar na China. Ao longo desse período, pelo menos 41 militantes do PC do B fizeram o curso. Sendo que 14 deles acabaram deslocados para o Araguaia379.

A China também convidou para o treinamento na Academia Militar de Pequim alguns militantes da Ação Popular380, a AP, organização de linha pacífica, nascida a fevereiro de 1963 de uma costela da Igreja Católica. De volta ao Brasil, esses militantes da AP começariam a introduzir Brasil afora o pensamento do novo profeta do comunismo, Mao, “O Grande Timoneiro”. Mais tarde, esse grupo originalmente católico formaria mais uma dentre tantas outras dissidências, a Ação Popular Marxista Leninista, APML. Assim, tiraria do PC do B o monopólio da representação do maoísmo no Brasil”381, que deixava os dirigentes stalinistas absolutamente enfurecidos.

* * *

Quatro meses depois de enviar os primeiros militantes para o treinamento militar em Pequim, o Comitê Central do PC do B se reuniria, em junho de 1964, a fim de estabelecer a tática revolucionária a ser empreendida. Essa tática centrava-se no deslocamento do trabalho de massa para as áreas rurais, como forma de preparar o início da Guerra Popular Prolongada.

Na sequência, seria divulgada a primeira avaliação sobre a nova situação política do país, na qual o golpe de 31 de março seria considerado uma “quartelada conduzida por um grupelho de generais fascistas, retrógrados e aproveitadores”, concluindo que “os problemas do país não serão resolvidos pela via pacífica”.

                                                                                                                         

379 São eles: André Grabois, codinome Zé Carlos na Guerrilha do Araguaia; Ângelo Arroyo, codinome Joaquim; Arildo Valadão, Ari; Daniel Ribeiro Callado, Daniel; Divino Ferreira de Souza, Nunes; Elza de

Lima Monerat, Tia Maria; Líbero Giancarlo Castiglia, Joca; João Carlos Haas Sobrinho, Juca; José Huberto Bronca, Fogoió; Manoel José Nurchis, Gil; Micheas Gomes de Almeida, Zezinho; Miguel Pereira dos Santos, Cazuza: José Lima Piauhy Dourado, Zé Ivo; Osvaldo Orlando Costa, Osvaldão. In: Flosi, op. cit.

380 Idem.

381 Em 1971, um ano antes do início dos combates no Araguaia, a APML viria a ser absorvida pelo PC do

Exatos dois anos depois, em junho de 1966, o Comitê Central do PC do B emitiria mais um documento. Com um título que decerto chamaria a atenção de Chartier por expressar a luta pelo controle do sistema de representações e de valores daquele tempo – “União dos Brasileiros para Livrar o País da Crise, da Ditadura e da Ameaça Neocolonialista” – o documento convocava seus militantes à “guerra popular revolucionária no campo”. Foi nessa ocasião que os primeiros militantes foram enviados à região do Araguaia.

Foi também nessa época que teve início uma luta interna pelo controle dos rumos do partido. O Comitê Central do PC do B rachou ao meio. De um lado, a troika formada por Maurício Grabois, João Amazonas e Pedro Pomar, defendendo o início imediato da luta revolucionária. Alinharam-se com eles Elza Monerat, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli e Manoel Jover Telles. Do lado oposto, os dirigentes históricos Diógenes Arruda Câmara, Calil Chade, Lincoln Cordeiro Oest, José Duarte e Walter Martins preconizavam prudência.

Mas a troika decidiu que chegara a hora de dar início à revolução enviando militantes para uma região que João Amazonas havia escolhido no sul do Pará, às margens do rio Araguaia. Seria o núcleo deflagrador da futura “Guerra Popular Prolongada”. Decidiram, também, não revelar o que estavam desencadeando para os demais militantes do partido. Nem mesmo aos camaradas do Comitê Central – erro que só se revelaria mais tarde, quando os militares chegaram ao Araguaia e o partido não mantinha qualquer contato com os guerrilheiros para abastecê-los de suprimentos ou armas382. Dentre os

                                                                                                                         

382 Esse fato só viria à tona em 1976, quando os orgãos de repressão militar invadiram uma casa no bairro

da Lapa, São Paulo, onde o PC do B realizava uma série de reuniões de reavaliação do movimento. Esse episódio ficou historicamente conhecido como “Chacina da Lapa”, conforme já dito. Na ocasião, os militares apreenderam uma série de documentos do partido, nos quais a fratura interna ficava exposta. Ficava claro, também, que a Executiva do partido escondera a Guerrilha do Araguaia dos demais membros do Comitê Central. Justificaram como necessidade de manter a segurança da área. Esclareço ainda que obtive o conjunto desses documentos da Lapa.

dirigentes, sabiam da luta somente sete dos membros da Executiva Nacional do partido383.

Mesmo dentro da troika, Grabois, Amazonas e Pomar começariam a brigar pela hegemonia total do partido – uma luta que só terminaria com a morte de Grabois em 1973, e de Pomar em 1976, elevando Amazonas à condição de sumo-pontífice por quase quatro décadas. Essas lutas eram travadas em torno de questões aparentemente ideológicas, quase sempre filigranas programáticas, como se a revolução dever ser “democrático- burguesa” ou “popular-revolucionária”, ou se a organização deveria adotar uma posição de “independência” e de “solidariedade” aos países socialistas.

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Na virada de 1966 para 1967, militantes decididos a deflagrar a revolução armada criaram duas novas facções da costela do PC do B. Primeiro, o Partido Comunista Revolucionário, PCR, abrigando estudantes e remanescentes das Ligas Camponesas de Francisco Julião, em Pernambuco384.

Na sequência, a Ala Vermelha, AV, formada basicamente por militantes recém-chegados do treinamento em Pequim que estavam revoltados pelo fato de que ainda não haviam sido chamados à revolução385. Como nada sabiam sobre as movimentações no Araguaia, os militantes passaram a acreditar que os chefes partidários estariam tendendo ao pacifismo revisionista pregado pelo velho Partidão.

Somente em 1968 era tornado público, através do jornal Folha de S.

Paulo, que turmas de militantes do partido já haviam recebido treinamento na

                                                                                                                         

383 São eles, de acordo com um dos Documentos da Lapa: João Amazonas, Pedro Pomar, Maurício

Grabois, Elza Monerat, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli e Manoel Jover Telles, todos eles comunistas históricos, egressos do velho PCB.

384 O PCR foi constituído basicamente Pernambuco, com ramificações nos Estados vizinhos. Em sua

“Carta-Programa de 12 Pontos”, falava da imperiosa necessidade da deflagração da “guerra popular”, em “cerco da cidade pelos campos”. As áreas industriais de São Paulo e Rio de Janeiro seriam a cidade. O resto do país, o campo.

385 O documento programático da Ala Vermelha argumentava que a preparação política das massas

camponesas seria impossível nas condições “fortemente repressivas da ditadura militar”. Assim, não vislumbrava outro caminho senão o de começar a guerra popular com um pequeno contingente, organizado na mais absoluta clandestinidade, ao qual caberia a implantação do “Foco Revolucionário” no campo, para depois ganhar as massas camponesas.

Academia Militar de Pequim, retornado ao Brasil e se deslocado para o interior do país386. A reportagem chegou a revelar detalhes do treinamento na China, em duas matérias de página inteira, baseada em um dossiê fornecido por fonte policial do DEOPS paulista. Revelava ainda o nome de 18 brasileiros que haviam feito o treinamento em Pequim. Dentre os 18 citados na reportagem, cinco deles terminariam no Araguaia387.

* * *

Em dezembro de 1969, com o cerco da repressão militar nas cidades, o Comitê Central do partido divulgaria entre seus militantes mais um documento – “Responder ao Banditismo da Ditadura com a Intensificação das Lutas do Povo” – no qual assinalava que os diversos Comitês Regionais deveriam adotar medidas que assegurassem “o envio de elementos para o campo”, com o objetivo de “organizar o recrutamento de trabalhadores rurais e desenvolver suas lutas”. Era o chamamento oficial ao recrutamento de novos quadros à luta revolucionária que finalmente seria desencadeada.

Como consequência, foram constituídas Comissões Militares em níveis estaduais e municipais encarregadas de selecionar os futuros guerrilheiros. Nenhuma dessas Comissões, contudo, tinha conhecimento de que a área selecionada pela direção do partido era no sul do Pará. Até mesmo os membros do Comitê Central – aqueles que não faziam parte do grupo da troika – continuavam por fora dos acontecimentos. Foi assim que, entre 1970 e 1971, o total de 79 militantes, em sua maioria jovens estudantes ou profissionais liberais, chegariam a algum lugar das selvas amazônicas.

Naquele ano de 1971, acelerou-se a aproximação entre o PC do B e os dissidentes católicos da Ação Popular, que haviam criado a Ação Popular Marxista-Leninista do Brasil, APML do B. Promoveram então uma reunião na

                                                                                                                         

386 Como já dito, trata-se de um “furo jornalístico” do repórter Edson Flosi. Entre 2010 e 2011, tive o

prazer de ser colega de Flosi como professores de Jornalismo da Fundação Cásper Líbero, São Paulo. Na ocasião, Flosi adiantou-me um longo relato sobre os bastidores dessa reportagem, redigido como parte de um livro que estava a preparar. Pelo relato, a decisão de publicar a reportagem foi de Cláudio Abramo, então editor-chefe da Folha. Repórter e editor então passaram a receber pressões dos militares para revelar a fonte. Mas mantiveram o sigilo.

387 Como já dito, 14 militantes que fizeram curso na China foram para o Araguaia. A lista completa

qual foram definidos os “princípios científicos universais do marxismo- leninismo-maoísmo”. Na ocasião, decidiram que o maoísmo era a “terceira etapa do marxismo”, o caminho estratégico como o da “luta armada, através da Guerra Popular”. Só então, depois de definidos os fundamentos doutrinários, como regia o imaginário revolucionário de então, os militantes da AP aprovaram o início de entendimentos para a unificação com o PC do B388.

A fusão se daria quase um ano depois, véspera da chegada dos militares ao Araguaia. O PC do B contava, então, com um pouco mais de 300 militantes, como já dito, que em geral apresentava a tendência de avaliar a situação sempre como catastrófica e, portanto, de superfaturar o “perigo subversivo”. A APML do B contava, na ocasião, com menos de 100 militantes. A fusão significava um crescimento imediato de mais de 30% nos quadros revolucionários, ou seja, de 300 para 400 militantes.

Pertinente registrar, por fim, que naquele imaginário social da virada dos anos 60 para 70, a juventude estava em estado de rebeldia em todo o Ocidente, que não admitia contemporizações em relação ao establishment vigente e que entendia a revolução como um processo profundo de transformação do mundo e da vida.

De um lado, a proposta de rebeldia representada, sobretudo, pelos

hippies, hedonista e festiva, apartidária, mas fundamentada em um radicalismo

político e cultural efetivado por transgressões comportamentais e da linguagem, baseada na paródia, no humor e na ironia, observa Cardina389, e que teve entre seus momentos memoráveis de guerrilha cultural, uma teatral levitação coletiva sobre o Pentágono, em 1967.

A segunda proposta foi proveniente de organizações marxistas-leninistas “ultramilitares”390, que, influenciadas pela “crença na necessidade da revolução violenta” e por considerarem-se uma “vanguarda composta por células secretas”, disposta ao sacrifício pessoal com a própria vida, “trocaram a

                                                                                                                         

388 O documento de unificação da APML do B com o PC do B recebeu o nome de “Tese do Comitê

Central sobre o Partido da Classe Operária no Brasil”.

389 Cardina. A esquerda radical. Op. cit. págs. 33 e 34. 390 A expressão é de Cardina. Idem, ibidem.

guerrilha teatral pela guerrilha rural”391. O Brasil obviamente fazia parte desse imaginário coletivo internacional.

Desta forma, quando o PC do B começou a recrutar quadros para a guerrilha rural, encontrou um terreno fértil entre os jovens daquela virada dos anos 1960-70. Pois falar em ambiente das esquerdas universitárias apenas em “preparação da luta armada”, era um caminho seguro para sofrer a acusação de “pacifismo”, “oportunismo”, “revisionismo”, “capitulação” ou mesmo “traição à revolução”.

Dagoberto Costa, que no Araguaia era o guerrilheiro Miguel, explica: A década de 60 significou uma espécie de despertar. O socialismo para nós era visto como o começo do Paraíso, a sociedade que achávamos que mais condizia conosco. Obviamente, só conhecíamos o socialismo pelos teóricos. Mas nós tínhamos um sonho, o mesmo de hoje: de um país mais justo, mais digno, e que não tivesse essa quantidade de miseráveis como nós tínhamos. E a opção pela luta armada, de acordo com a pregação dos teóricos do socialismo, naturalmente era a única saída que víamos392.

E quanto à opção pela luta pacífica do PCB, segundo a linha de Gramsci? Estava fora de cogitação. Dagoberto acrescenta:

O Partidão sempre foi visto como aquela coisa esquisita que queria compor com a classe dirigente e com a burguesia, que não queria fazer revolução. Hoje avalio que, para nós, tudo era fantasia e teoria, porque ninguém conhecia nada do processo nas sociedades em industrialização. Já tínhamos um parque industrial forte, mas não víamos isso. Só víamos que o país não deslanchava, como hoje também não deslancha. Só víamos aquela classe política corrupta, exatamente como a de hoje. Mas acreditávamos que deveríamos partir para a luta armada a fim de resolver todos nossos problemas, como Che Guevara, dispostos a matar e a morrer. Che era nosso ídolo. Mas ninguém pensava seriamente na

                                                                                                                         

391 Idem, ibidem.

possibilidade da morte. Apenas tínhamos orgulho de estarmos lutando por um país melhor393.

Em outras palavras, a opção pela “revolução imediata” era, então, o mínimo aceitável dentre os jovens. Quase todos queriam estar na vanguarda. Melhor ainda se na vanguarda da vanguarda, segurando o archote que alumiava o caminho da futura sociedade sem classes, naquela sagrada missão de trazer a bandeira da vitória.