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Internacionalização de empresas: em busca do conceito

O termo internacionalização tem sido recorrente nos debates públicos, acadêmicos e privados dos últimos anos, sendo notória a sua intensa utilização para caracterizar as estratégias empresariais típicas da economia global e sugerir os seus impactos nas economias e políticas nacionais e na produção e fluxos comerciais e financeiros internacionais. Devido a essa abrangência, a sua utilização é frequente em uma diversidade de autores de diferentes áreas, vertentes e objetivos de análise (MILNER; KEOHANE, 1996). Na Administração e na Economia, em particular, quando abordado para pensar as empresas, diferenças consideráveis de concepção são observadas, as quais, no limite, modificam substancialmente o conteúdo e o entendimento acerca do que se trata quando o termo “internacionalizar” é evocado. Dessa forma, a internacionalização de empresas não é um conceito sedimentado, tampouco consensual, precisando ser clarificada (WELCH; LUOSTARINEN, 1999). O principal debate, que demarca as suas divergências, encontra-se nos tipos de inserção internacional cogitados para identificar uma estratégia empresarial como de internacionalização.

O imbróglio se inicia pela tipificação das empresas multinacionais (EMN). Uma novidade no início do século XX, as empresas com atuação internacional mais robusta vivenciaram grande evolução após a Segunda Guerra, já sendo consideradas nos anos 1970 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o principal fenômeno das relações econômicas internacionais (UN, 1973). Invariavelmente, a complexidade organizacional e o poder adquirido por essas empresas incitaram uma nova agenda de pesquisa, direcionada a entender a essência, o comportamento e os impactos dessas organizações nas mais diversas áreas, a ponto de todos os teóricos envolvidos oferecerem uma posição de destaque a elas (NEUMANN; HEMAIS, 2005). Não por acaso, uma série de investigações desencadeada para caracterizar esse tipo de organização a partir de suas estratégias, estruturas e processos organizacionais típicos formou a base analítica de duas áreas científicas emergentes, a Gestão Internacional e os Negócios Internacionais, com as multinacionais se tornando os seus objetos por excelência (MELIN, 1992).

Na esteira desses estudos, houve explosão de conceitos e vocabulários sobre as multinacionais proporcional a sua importância econômica adquirida, em que qualquer descrição acerca de suas dimensões ou características múltiplos problemas são incorridos e cuidados requeridos (UN, 1973). A própria definição do que se trata uma multinacional possui vários entendimentos, que se alteram não apenas com relação ao seu conteúdo, mas à sua própria denominação (UNIDO, 2006). A questão é de certo modo confusa e agravada por análises e referenciais em que o termo multinacional pode ser utilizado tanto de maneira genérica para denominar uma empresa envolvida internacionalmente quanto referenciar um tipo estratégico específico de sua atuação internacional a partir da responsividade local e o seu nível de integração organizacional, como proposto por Bartlett e Ghoshal (1989), Bartlett, Ghoshal e Birkinshaw (2004) e Rhinesmith (1996). Ademais, mesmo quando focada apenas a sua caracterização e natureza, não a estratégia de atuação, o que se denomina multinacional também pode ser entendido como transnacional - se na Administração de Empresas normalmente multinacional é a denominação preferida, na Economia, por exemplo, a preponderante é a empresa transnacional (ETN).

A tipificação de uma empresa como multinacional ou transnacional seria mais complicada caso o panorama na literatura não revelasse que, a despeito de denominações diferentes, é possível considerar os termos como sinônimos para fins de definição. Uma vez que, em maior ou menor grau, o seu conteúdo tende a abarcar a empresa “que se engaja no investimento direto estrangeiro (IDE) e possui, ou de alguma forma controla, atividades de valor agregado em mais de um país” (DUNNING; LUNDAN, 2008, p. 3). Ou ainda como definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) de maneira mais detalhada, em 1984, as empresas multinacionais são aquelas:

(a) com filiais em dois ou mais países, independentemente da forma legal e campo de atividade, (b) que operam sob um sistema de tomada de decisão que permite políticas coerentes e de estratégia comum a partir de uma ou mais matrizes centralizadoras, (c) na qual as filiais são interligadas, por propriedade ou não, sendo que uma ou mais delas podem estar aptas a exercer influência significativa sobre as atividades das demais, e, em particular, para compartilhar conhecimentos, recursos e responsabilidades com as demais. (BARTLETT; GHOSHAL; BIRKINSHAW, 2004, p.2).

Por meio dessas definições mais disseminadas pela literatura (DUNNING; LUNDAN, 2008), as empresas multinacionais ou transnacionais acabaram por ser fortemente associadas ao fenômeno da internacionalização, sendo consideradas o seu veículo tradicional (OLIVEIRA JUNIOR; BOEHE; BORINI, 2009). Em primeira instância, não haveria problema nessa

interpretação, se na escolha de sua definição não residisse o ponto nevrálgico do conceito de internacionalização de empresas. Afinal, ao assumir as definições de multinacional ou transnacional para qualificar uma empresa de atuação e envolvimento com o estrangeiro, a estratégia empresarial de inserção internacional fica totalmente vinculada, senão predeterminada, pela existência e realização de investimento direto estrangeiro (IDE) – ou seja, um tipo de investimento que reflete o interesse de longo prazo de uma empresa investidora em explorar e influir diretamente na gestão e nos ativos da empresa receptora (OECD, 1999), permitindo a propriedade ou controle direto dos ativos empenhados pelo investidor, diferenciando-se, nesses termos, do investimento de portfólio (HYMER, 1976). Desse modo, ao adotarem a perspectiva das empresas multinacionais/transnacionais como privilegiada, as correntes majoritárias de análise dos Negócios Internacionais e da Gestão Internacional, sejam de inclinações administrativas ou econômicas, passam a entender a internacionalização como o processo estratégico de inserção internacional produtiva e/ou de suporte (atividade-meio) realizada por investimentos diretos, uma vez que pressupõe ativos no exterior de sua propriedade e controle. Há um claro viés de investimento, predominantemente para fins produtivos, com desprestígio, quando não desconsideração, de outras formas de inserção. Dito de modo diferente, seja qual for a definição de multinacional/transnacional, ela não abrange as empresas que buscam fornecedores (importação) ou comercializam seus produtos com mercados estrangeiros (exportação), por exemplo (OLIVEIRA JUNIOR; BOEHE; BORINI, 2009). Cintra e Mourão corroboram essa visão ao conceituarem internacionalização de empresas como

[...] o processo de concepção do planejamento estratégico e sua respectiva implementação, para que uma empresa passe a operar em outros países diferentes daquele no qual está originalmente instalada. Excetuam-se aqui, as simples relações de importação e exportação, tanto de partes como de produtos finais. Nesse sentido, a internacionalização envolve necessariamente a movimentação internacional de fatores de produção (CINTRA; MOURÃO, 2005, p. s/n).

Dessa maneira, infere-se que grande parte dos estudos aplicados de Negócios Internacionais e Gestão Internacional, por ter foco nas multinacionais/transnacionais, adota conceito restritivo de internacionalização. A questão é relevante, pois, como frisou Dicken (2010, p. 125), “o Investimento Direto Estrangeiro é apenas uma medida da atividade da empresa transnacional [e não incorpora] os complicados métodos pelos quais as empresas participam em operações transnacionais, por meio de vários tipos de empreendimento de colaboração e através de diferentes modos pelos quais coordenam e controlam transações dentro das redes de produção

distribuídas geograficamente”, os quais incluem diversas relações contratuais e comerciais de exportação e importação, tão importantes quanto estratégicas.

Nesse sentido, excluir as empresas exportadoras/importadoras da internacionalização, ou ainda aquelas que se expandem por contratos, restringindo a caracterização do processo à necessária movimentação internacional de fatores de produção por meio de investimentos diretos é simplificar e desconsiderar dimensões fundamentais da nova dinâmica e da complexidade concorrencial empresarial e econômica da economia global e de seus conceitos mais basilares de planejamento estratégico contemporâneo. Entender a internacionalização apenas como a inserção por investimentos, como a literatura trata de maneira preponderante (DUNNING; LUNDAN, 2008), pode ser útil para estudos pontuais sobre multinacionais com produção no exterior, por exemplo, uma investigação a respeito da compreensão de seus padrões de expansão. Mas nunca como referencial acerca da inserção internacional das empresas, que deve ser capaz de incorporar todas as complexidades, níveis e maturidade do processo.

Mais bem alinhado com esse raciocínio, Cyrino, Oliveira Junior e Barcellos (2010, p.95), focados em mapear o processo de inserção internacional das empresas brasileiras, e não alguma multinacional em específico, propuseram uma definição de internacionalização diferente de Cintra e Mourão (2005), passando a considerá-la como “a obtenção de parte ou totalidade do faturamento a partir de operações internacionais, seja pela exportação, pelo licenciamento, com alianças estratégicas, aquisições de empresas em outros países ou construção de subsidiária própria”. O mérito dessa definição mais abrangente é incluir, além da inserção internacional produtiva realizada por investimento, o estratagema comercial, via exportação, e a contratual, por meio de licenciamento e alianças. Por outro lado, apesar de ser um conceito interessante, ele ainda está restrito em suas possibilidades, dado que define a internacionalização das empresas somente por operações internacionais diretamente vinculadas ao faturamento. Todavia, outras operações internacionais, como as importações, ainda que não impactem diretamente no faturamento da empresa, são capazes de fazê-lo positiva e indiretamente, por meio da redução de custos de insumos, matérias-primas e componentes, além de ganhos de eficiência, que melhoram a produtividade, consequentemente, a lucratividade.

Defende-se, então, que estudos predispostos a problematizar a inserção internacional empresarial, e não a especificidade de uma empresa, devem ser pautados por um conceito mais abrangente e inclusivo de internacionalização, que incorpore todas as dimensões estratégicas e operacionais possíveis de expansão e envolvimento internacional. Um conceito que preze pela multidimensionalidade. Caso necessária, a tipificação desse processo, se comercial, produtivo e/ou contratual, deve ocorrer a posteriori, como objetivo específico de pesquisa. Nesses termos, a definição de Cyrino e Barcellos (2006, p. 224), que entende a “internacionalização como movimentos das empresas além das fronteiras de seu país de origem”, apresenta-se como a mais interessante para iniciar essa reflexão. Isso porque considera a internacionalização um processo que pode ocorrer ao longo do tempo de diversas dimensões e formas, isoladas ou concomitantes, tais como: i) a presença em mercados internacionais, ii) presença de ativos no plano internacional, iii) internacionalização da cadeia de valor, iv) posição nas cadeias produtivas globais, v) internacionalização da governança, e vi) internacionalização do mindset (CYRINO; BARCELLOS, 2006). Por outro lado, tal concepção ainda restringe um pouco a estratégia de inserção internacional de uma empresa, dadas as possibilidades de se tratar os “movimentos além-fronteiras” como algo que pode ser acessório, por vezes pontual e datado, além de enviesar a definição, pelas suas componentes, a um sentido de ação de “dentro para fora”.

Dessa forma, a definição de internacionalização de empresas que surge como mais adequada, porque mais inclusiva, é genérica e foi proposta por Welch e Luostarinen (1999, p. 84) como “o processo de crescente envolvimento em operações internacionais”. Os principais méritos dessa simples definição estão em incluir todos os tipos de operações com o exterior e não caracterizar o fenômeno apenas por meros movimentos. Permite observar que a internacionalização não ocorre somente de “dentro para fora”, mas também pelo seu inverso, dadas as operações internacionais serem entendidas como uma transposição de fronteiras que pode ser realizada em ambos os sentidos e fluxos, entrada e saída - ao contrário do que supõe o senso comum, de a internacionalização ser apenas a saída das empresas de seus mercados de origem. E, por conseguinte, a sua ênfase em envolvimento, cuja denotação remete a ideia de prática contínua, de longo prazo e com a perspectiva de ser incremental e sustentável no tempo, também permite tratar essa expansão das atividades empresariais ao exterior como processo estratégico (MELIN, 1992), uma vez que promove impactos no posicionamento, estrutura, processos e gestão das empresas – o que não exclui, em absoluto, a possibilidade de estratégias de reversão desse envolvimento.

Por essa ótica, a internacionalização de empresas deve ser apreendida a partir de duas perspectivas: a estratégica, relacionada aos fins da expansão, e a operacional, acerca dos meios e formas de realização da inserção internacional. Pela perspectiva estratégica, a internacionalização se trata de um processo planejado para tornar internacionais as operações das empresas, com objetivo de inseri-las competitivamente em negócios com o estrangeiro e em cadeias globais de valor, e direcionado a proporcionar ganhos de produtividade e lucratividade. A perspectiva operacional pressupõe estabelecer movimentação fronteiriça internacional de atividades comerciais, produtivas e de suporte, que pode ser realizada, isolada ou concomitantemente, por uma inserção comercial (via exportação e importação), contratual (pelos mais diversos tipos de contratos) e/ou produtiva e de outras atividades-meio, por investimento direto estrangeiro. Ambas as perspectivas remetem, mas não se limitam, à ideia de foreign market-servicing strategies (BUCKLEY, 1998), por meio da qual a empresa estrategicamente se vinculará com os mercados estrangeiros, realizando negócios internacionais a partir do “conjunto de decisões determinantes da maneira pela qual uma planta(s) deverá ser conectada com outro(s) mercado(s) específico(s) e os métodos ou canais pelos quais ela será implementada” (BUCKLEY, 1998, p.26).

Em síntese, o conceito de internacionalização passa a ser entendido como processo de envolvimento da empresa com o estrangeiro, estrategicamente orientado para ganhos de produtividade, competitividade e lucratividade, por meio de negócios internacionais, inserção e avanço em cadeias globais de valor realizados via comércio exterior, contratos e/ou investimento direto estrangeiro.

As Figuras I e II apresentam a proposta desse conceito pela síntese de suas duas perspectivas e de suas operações mais típicas, que comercialmente são dadas pelas exportações e importações, sejam diretas, indiretas e consorciadas/cooperadas; em investimento direto estrangeiro, pelos tipos greenfield e fusões e aquisições (F&A), os quais podem culminar em joint ventures (JV) e/ou wholly owned subsidiaries (WOS); e, por fim, nos contratos, por quaisquer relações contratuais, destacadamente os licenciamentos, contratos de produção, franchising, alianças estratégicas, cessão de tecnologia, acordo técnico, projetos, entre outros (LUOSTARINEN, 1994; BAUMANN; CANUTO; GONÇALVES, 2004; ROCHA; ALMEIDA, 2006; ROOT, 1994; RUGMAN, 1981a; CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010; BROUTHERS; HENNART, 2007; BUCKLEY, 1998; VERDIN; HECK, 2001; PAN; TSE, 2000).

Figura I – Conceito de internacionalização de empresas

Fonte: elaborado pelo autor.

Internacionalização de empresas

Perspectiva Estratégica Perspectiva Operacional Objetivos estratégicos da empresa em se

inserir internacionalmente Formas e modos de inserção internacional

Processo estratégico e sustentavelmente planejado de tornar internacionais as operações das empresas, com objetivo de inseri-las competitivamente em negócios com o estrangeiro e em cadeias globais de valor, direcionado a proporcionar ganhos de produtividade e lucratividade.

Expansão da empresa para mercados estrangeiros por meio da movimentação fronteiriça de suas operações comerciais, produtivas e/ou de suporte, o que pode ocorrer via exportação/importação, contratos e/ou investimento direto.

Síntese

Processo de expansão da empresa para o estrangeiro, estrategicamente orientado para ganhos de produtividade, competitividade e lucratividade, por meio de negócios internacionais, inserção e avanço em cadeias globais de valor realizados via comércio exterior, contratos e/ou investimento direto estrangeiro.

Figura II – Modos e formas operacionais de inserção internacional

Fonte: elaborado pelo autor a partir de Luostarinen (1994), Baumann, Canuto e Gonçalves (2004), Rocha e Almeida (2006), Root (1994), Rugman (1981a), Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010), Brouthers e Hennart (2007), Buckley (1998), Verdin e Heck (2001) e Pan e Tse (2000).

O conceito de internacionalização proposto abandona, por conseguinte, a ideia de que as empresas multinacionais/transnacionais são os principais veículos de internacionalização dos negócios, como entendido por Oliveira Junior, Boehe e Borini (2009), passando a sugerir que elas são os principais veículos dos investimentos diretos estrangeiros. Inclusive, o uso dos termos multinacional ou transnacional para definir empresas que ativam no exterior continua adequado, porém específico para caracterizar a empresa que se insere no cenário internacional preponderantemente via investimento, com ativos de sua propriedade no exterior e/ou de seu controle, sendo a opção por multinacional ou transnacional realizada por meio do referencial teórico adotado. E, embora Cullen (2002, p. 5) tenha definido na linha de argumentação da internacionalização ora adotada as empresas multinacionais como “qualquer empresa que se engaja em funções de negócios além de suas fronteiras nacionais”, o que seria mais adequado na concepção construída, verifica-se que a literatura majoritariamente trabalha com a definição clássica da Organização das Nações Unidas, restrita àquelas que possuem e/ou controlam ativos no exterior, como Dunning e Lundan (2008) sugerem. Assim, para a presente tese, evitando imprecisões, adota-se o conteúdo da definição de Cullen (2002), porém com a denominação de Empresa Internacionalizada (EI), a qual será tratada como

Modos e formas operacionais de inserção internacional

Inserção Comercial Inserção Produtiva/Suporte

Exportação Direta Indireta Consorciada/Cooperada Importação Direta Indireta Consorciada/Cooperada Relações Contratuais Licenciamento Franchising Cessão de tecnologia Acordo técnico Contratos de produção Projetos Outros

Investimento Direto Estrangeiro

Greenfield

aquela que expandiu as suas operações e atividades para o estrangeiro – assim, a empresa multinacional/transnacional se torna, neste referencial, um tipo específico de empresa internacionalizada (no caso, aquela expandida via investimento direto), cujo conteúdo varia em função dos referenciais e autores especificamente adotados.