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Justificativa, relevância e contribuições esperadas do estudo

É crescente a produção acadêmica internacional sobre o fenômeno da internacionalização de empresas. Desde os anos 1950, quando da primeira onda de expansão internacional das empresas dos países desenvolvidos, destacadamente dos Estados Unidos, muito tem se debatido sobre os porquês e impactos desse processo. Os primeiros esforços de pesquisa e reflexão foram dados pelas áreas econômicas e posteriormente administrativas, tendo sido corolários inevitáveis a forte tendência transdisciplinar e o desdobramento de dois campos específicos e complementares, que tomaram para si o tema como problema central: os Negócios Internacionais e a Gestão Internacional (GUEDES, 2011).

A evolução histórica dos Negócios Internacionais foi marcada por três períodos (BUCKLEY, 2002). Buckley (2002) compôs uma agenda de pesquisa sobre cada um deles, levando em consideração as questões típicas de cada momento. No primeiro período, que compreende do pós-Segunda Guerra até os anos 1970, as análises foram direcionadas à explicação dos fluxos dos investimentos diretos estrangeiros (IDE). Posteriormente, dos anos 1970 aos 1990, o empenho foi dedicado ao entendimento da existência, estratégia e organização das empresas multinacionais. E, por fim, dos anos 1990 aos 2000, na análise de novos temas da internacionalização das empresas e dos novos desdobramentos da globalização. Dessa maneira, nota-se a formação de área preocupada, desde a sua organização, em entender os processos da internacionalização e seus consequentes desafios estratégicos e operacionais. Já o campo da Gestão Internacional, institucionalizado a partir dos anos 1970, inclinou-se a adotar por problemática central as questões organizacionais, principalmente aquelas relacionadas à gestão de pessoas, à cultura e aos processos organizacionais em estratégias de internacionalização.

Nesse devir, as investigações acerca da internacionalização diversificaram as suas abordagens, organizando-se em várias correntes teóricas, de vertentes econômicas, comportamentais e estratégicas (ROCHA; ALMEIDA, 2006; MELIN, 1992). Muito referencial foi produzido, pesquisas realizadas, tudo interessado em caracterizar e interpretar as suas múltiplas dimensões. Entretanto, o desenvolvimento dessa agenda, apesar de consolidado, tem enfrentado novos desafios. Em particular, novas frentes foram colocadas, constituindo-se lacunas que têm promovido intenso debate sobre a necessidade da revitalização de referenciais anteriores, ou ainda de se elaborar novos, com vistas ao

desenvolvimento de interpretações mais bem adequadas à contemporaneidade do fenômeno e de suas determinantes no alvorecer do século XXI, como defendido por Ramamurti (2012) e Hennart (2012). Dentre os temas mais debatidos no contexto contemporâneo, encontra-se a internacionalização de empresas dos países considerados emergentes.

Comumente denominada na literatura como entrantes tardios (late movers) (FLEURY; FLEURY, 2007), empresas de países como China, Índia e Brasil, além de outros tigres asiáticos de segunda geração, têm incrementado consideravelmente o seu nível de internacionalização, promovendo, inclusive, o reordenamento dos fluxos comerciais, de investimento e financeiros mundialmente. Desta forma, esforços estão sendo direcionados à interpretação desse processo, posto que resguarda características e dinâmicas diferentes daquelas observadas em ondas anteriores dos primeiros entrantes de países centrais (first movers) (FLEURY; FLEURY, 2007; 2012).

Nesse toar, investigações recentes têm enfatizado que o processo de internacionalização de empresas de países emergentes possui peculiaridades que fogem ao escopo das teorias tradicionais (RAMAMURTI, 2009; HENNART, 2012), cuja conclusão, para Fleury e Fleury (2007, p. 3), é de que ainda não há, com robustez, “uma abordagem teórica que trate especificamente das chamadas ‘empresas entrantes tardias’”, uma vez que as existentes foram formuladas a partir de diferentes quadros de referência; fato que coloca os pesquisadores predispostos a estudar essas empresas em posição ambígua.

Na busca para descortinar as determinantes da internacionalização dessas empresas, autores como Child e Rodrigues (2010) assumem que as multinacionais de países emergentes muitas vezes se internacionalizam para corrigir desvantagens competitivas e não, como esperado pelas teorias mais tradicionais do mainstream econômico, motivadas e sustentadas por vantagens que lhe são específicas. Bhaumik, Driffeld e Pal (2010), assim como Luo e Tung (2007) e Wang et al. (2012), inclusive, afirmaram que, contrária às predições teóricas tradicionais, as empresas dos países emergentes estão incrementando as suas operações internacionais, o que inevitavelmente suscita novas questões sobre as determinantes desse processo.

Constata-se, neste ponto, uma lacuna teórica na área de Negócios Internacionais, principalmente no que concerne à apreensão das diferenças entre os processos de

internacionalização de empresas de países tradicionais e as dos emergentes, cujos contornos mais fortes são avultados quando tratados à luz das teorias consideradas pelo mainstream econômico, dentre as quais, com maior expressão, o Paradigma Eclético de John Dunning – o qual sugere que a inserção internacional ocorre a partir de vantagens específicas, destacadamente de propriedade das firmas. O que, para Wang et al. (2012), suscita uma questão fundamental: se as empresas multinacionais de países emergentes, reconhecidas internacionalmente por ainda não terem posse de capacidades destacadas (strong capabilities) frente àquelas de países tradicionais, estão incrementando consideravelmente os seus investimentos diretos no exterior, ou seja, em modo operacional de internacionalização de maior risco e comprometimento de recursos, então, contrastando com as teorias do mainstream, quais seriam as forças que têm atuado e direcionado o envolvimento internacional dessas empresas?

Na reflexão desta pergunta, uma dimensão-chave parece emergir e inaugurar uma nova agenda de pesquisa: os governos. Como analisou Lemos (2013), embora o governo seja reconhecido na agenda de pesquisa de Negócios Internacionais, o seu papel no processo de internacionalização tem se mostrado pouco explorado. Ademais, não obstante a literatura de Ciência Política já tenha incorporado o fenômeno da internacionalização como uma questão emergente nas relações entre governos e empresas4, poucos estudos se dedicam a explorar tais interações pela ótica das dinâmicas dos negócios da indústria (LEMOS, 2013).

Conforme atestaram Sousa e Lemos (2009), uma das possíveis explicações para esta baixa associação entre governos e empresas nesse tipo de estratégia internacional na literatura decorre, dentre outros fatores, do fato de que há um amplo consenso constituído em torno da racionalidade do processo de internacionalização como uma questão (issue) específica das empresas (firm-specific). O que não se justifica, pois, como observou Buckley (1998), as empresas não enfrentam as suas questões, particularmente a formação de vantagens específicas, no vácuo; mas em ambientes em que outros atores são relevantes, com destaque aos governos. Sousa e Lemos (2009), por exemplo, defenderam que os governos assumem papéis, ainda que limitados, tanto ao nível macro quanto microeconômico, os quais podem, por um lado, promover ambientes mais propícios à internacionalização, como, por outro lado,

4Por exemplo, Boddewyn (1992); Stopford, Strange e Henley (1991); Dicken (2010); Strange (1994; 1996;

2000); Grosse (2005); Vietor (2007); Guedes (2006); Musacchio e Lazzarini (2012); Camilo, Marcon e Bandeira-De-Mello (2012).

prover instrumentos diretos determinantes das escolhas das empresas. Wang et al. (2012), nesse raciocínio, foram além, argumentando que os governos, em suas atuações de fornecer informações, reduzir custos de transação e diminuir as restrições de recursos, assim como influenciar os tomadores de decisão, como as escolhas de que maneiras alocar os ativos, podem ser importantes fatores de vantagens das empresas.

No Brasil, em específico, incipiente frente de pesquisa nesse tema encontra no trabalho de Bazuchi et al. (2013) importantes contribuições, uma vez que seus achados descortinam que as relações entre o governo e as empresas brasileiras em processo de internacionalização, ainda que se tratem de fenômeno predominantemente direcionado por fatores de mercado, encontram no envolvimento empresarial com o governo nacional um elemento-chave para o entendimento das estratégias adotadas e conduzidas dos investimentos brasileiros diretos no exterior.

Nesse contexto, a presente tese se justifica com o objetivo de adentrar por estas questões, com os seus esforços de investigação especificamente empenhados em explorar as características da internacionalização de empresas de países emergentes, no caso o Brasil. No entanto, distantes das determinantes concorrenciais pautadas em commmodities agrícolas e minerais, tipicamente associadas às vantagens competitivas nacionais de muitos dos países emergentes, a pesquisa tem por objeto o setor de bens capital. O trabalho pretende inferir se o governo nacional, por meio de instrumentos direcionados, pode ser ou não considerado um recurso específico para inserção internacional dessa indústria, capaz de influenciar as decisões de suas empresas, assim como facilitá-las. Para tanto, optou-se por interpretar essas relações ao nível das empresas e pela percepção de seus executivos, da mesma forma que por meio de políticas específicas e não horizontais. Trata-se de uma proposta que amplia as possibilidades de apreensão do fenômeno. A contribuição esperada, nesse sentido, é a de desenvolver reflexões acerca da interpretação do processo de internacionalização, apontando resultados que se alinhem ou não com a perspectiva que trata esse fenômeno como influenciado e determinado, também, por questões externas às firmas, no caso os governos nacionais.

Portanto, com relação às suas contribuições acadêmicas, espera-se que os resultados e achados desta tese relevem que o governo de origem pode ser incorporado às análises do fenômeno da internacionalização como um possível fator de promoção de vantagens de propriedade das firmas, tanto em sua constituição quanto potencialização, sendo considerado,

dessa forma, a sua existência e propensão a este suporte uma variável de vantagens de localização. No que concerne as contribuições deste estudo às empresas e aos governos, se a pesquisa revelar que o governo é uma variável importante, quiçá determinante, da internacionalização de empresas nacionais de bens de capital mecânicos, que as interações entre as empresas e as esferas governamentais sejam pesquisadas e pensadas, buscando inferir sobre a sua forma de articulação, com objetivo de analisar se há um alinhamento entre as partes, oportunidade na qual o meio empresarial possa identificar as suas fraquezas, bem como o governo sugerir instrumentos que possam reduzi-las. No limite, espera-se que, caso observado no Brasil um alinhamento entre empresa e governo no que diz respeito ao tema da internacionalização, em dinâmica de um capitalismo de Estado (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2012), que o País, por meio da autocrítica, consiga incrementar os seus ganhos pretendidos.