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2.3 Comportamento estratégico de internacionalização: um framework

2.3.4 Para onde se internacionalizar?

A escolha de um destino (mercado) estrangeiro para envolvimento internacional de uma empresa é decisão complexa e abarca variáveis das abordagens econômicas, comportamentais e estratégicas, como defendido. Conforme desenvolvido no Paradigma Eclético, em retomada dos estudos de Vernon (1966; 1979), as características dos locais são fundamentais para determinar não apenas acesso a recursos, mas condições de explorar e agregar valor às vantagens de propriedade (O) das empresas. Dessa forma, as vantagens de localização (L), ao propiciar atratividade por dotações de fatores, instituições e/ou ambiente, acabam por direcionar a inserção das atividades de valor das empresas em determinados países e regiões.

E, não obstante esses fatores sejam notadamente observados no estrangeiro - uma vez que há um viés de pensar a atratividade do local para exploração de vantagens de propriedades no destino, Dunning (2002a; 2002b; 2002c) também considera a sua análise em âmbito doméstico, dado que muitas das vantagens de propriedade (O) e de internalização (I) podem ser potencializadas na origem, tais quais aquelas induzidas por políticas governamentais de incentivos e subsídios (DUNNING, 2002a; 2002c).

Contudo, a despeito da importância e predição das características de ordem econômica e institucionais dos locais, a sua escolha, em maior e menor grau, também depende de aspectos comportamentais e estratégicos dos executivos e das empresas. Afinal, como propugnado no Modelo de Uppsala, o ambiente externo, pelas características de incerteza, somada ainda a racionalidade limitada dos agentes tomadores de decisão, tende a influenciar a escolha dos mercados-alvo e as formas de inserção do processo de internacionalização. Nesse contexto, a distância psíquica percebida pelos agentes, até então considerada principal preditora, é questão relevante de análise, porém, com alguns pontos passíveis de problematização.

O conceito de distância psíquica tem sido extensivamente utilizado na literatura, destacadamente a brasileira, com objetivo de interpretar o direcionamento da internacionalização das empresas a partir da ótica de Uppsala (HILAL; HEMAIS, 2003). Todavia, o seu uso não necessariamente remonta a concepção inicial de Uppsala, conforme originalmente formulado por Johanson e Weidersheim-Paul (1975). Boa parte da literatura, em que se incluem a nacional e a internacional, tem adotado a ideia de que a distância psíquica pode ser um sinônimo de distância cultural, basicamente dada pela diferença entre os países (BREWER, 2007).

Ressalta-se, entretanto, que o uso indiscriminado desse conceito pode provocar distorções consideráveis, principalmente o enfraquecimento de seu poder explicativo e a intensificação de seu paradoxo. Pois, como verificou Brewer (2007), quando a análise da distância psíquica é operacionalizada unicamente a partir de diferenças de ordem cultural entre os países, o poder explicativo da escolha de mercado é significativamente reduzido. A justificativa para tais afirmações se encontra, sobretudo, no fato de que a distância psíquica é um conceito mais amplo do que as meras diferenças culturais, sustentando-se em fatores impeditivos e restritos nos fluxos de informações entre os mercados, os quais dificultam práticas, conhecimento e experiências – a cultura e seus aspectos seriam uma das componentes, mas não a única.

Assim, para Brewer (2007), seria mais adequado – e empiricamente mais robusto – adotar como elemento-chave da distância psíquica não a cultura, mas a familiaridade de negócios entre mercados; ou seja, um constructo que carregue outras questões que se fazem presentes e importantes além de fatores culturais, principalmente aqueles de ordem institucional e experiencial.

Com relação ao paradoxo, conforme citado em O´Grady e Lane (1996), a mera consideração de questões culturais pode levar à percepção de similaridades que sejam suscetíveis a estereótipos, os quais, ao invés de aproximar, produzem equívocos de interpretação que acabam prejudicando a performance da empresa no mercado escolhido – são incontáveis os casos de falsos cognatos em línguas, por exemplo. Desta forma, tal questão também deve ser controlada, com vistas a diminuir o seu potencial de viés e distorção.

Nesses termos, a distância psíquica não deve ser descartada, mas entendida como originalmente sugerido por Johanson e Weidersheim-Paul (1975). Na perspectiva original do Modelo de Uppsala, inclusive, a distância psíquica não explica como os tomadores irão decidir. Ela não é capaz de determinar como o processo de decisão é afetado, mas apenas de suscitar que, no momento da escolha do mercado e diante de um portfólio de destinos, os executivos optarão por aqueles classificados em ordem decrescente de percepção com relação ao que considerarem distante. Nesse ponto, retoma-se e reitera-se a relevância do conhecimento experiencial (BLOMSTERMO et al., 2001), no qual a participação em redes de relacionamento tende a impactar tanto a distância psíquica pela sua redução, quanto a viabilização econômica e material desse processo. Nesse sentido, participar de redes de relacionamento (networks), envolvendo-se em relações de confiança, torna-se característica crítica não somente para o direcionamento do processo de internacionalização, mas, indubitavelmente, de seu momento de realização.

Não por acaso, Johanson e Vahlne (2009) passam a considerar, em revisão do que propuseram na constituição do Modelo de Uppsala, que a principal origem das incertezas que restringem o escopo, a o intensidade e direcionamento da internacionalização, antes da distância psíquica, é o fato de não estar inserido em redes de relacionamentos e conhecimentos compartilhados. Pois, para os autores, as relações de confiança formadas no âmbito de redes de relacionamento e de negócios permitem a constituição de ativos estratégicos intangíveis na forma de um sistema de common governance de informações e experiências capaz não apenas

de direcionar geograficamente o processo de internacionalização, mas também de incentivá- lo, motivá-lo. Logo, não acessar e não incorporar este ativo configura-se desvantagem considerável ao processo de escolha de locais, bem como da realização do próprio envolvimento internacional; ou seja, um passivo, custo e desvantagem de ser/estar fora (liability of outsidership). Dessa forma, a distância psíquica, ainda que relevante, torna-se uma coadjuvante, uma vez que atenuada pelos ganhos e vantagens da participação nessas redes.

Constata-se da análise dos fatores da escolha das localidades nas quais e com as quais as empresas possam se envolver internacionalmente, seja como destino (modos tradicionais de entrada, na direção “dentro para fora”) ou origem (“fora para dentro”), que se trata de processo de tomada de decisão caracterizado por dois níveis e dois contextos.

Pela ótica dos níveis, observa-se um organizacional, no âmbito da empresa, sendo o outro coletivo e relacional, dado pela participação e integração a redes. Ambos os níveis, inclusive, revelam-se de ordem e dinâmicas comportamentais, pautados tanto pelas características experienciais e de conhecimento individuais, como no primeiro, quanto nas capacidades de criar, por meio de interações com terceiros, relações de confiança que sejam diferenciais de aprendizagem e, principalmente, redução de assimetrias de informações, tal qual no segundo. Neste contexto, os conceitos de networks e de liability of outsidership (JOHANSON; VAHLNE, 2009), assim como o de distância psíquica (JOHANSON; WEIDERSHEIM- PAUL, 1975), tornam-se de certa forma mediadores, porque impactantes, do processo de escolha dos locais da internacionalização.

Por outro lado, dois contextos são importantes: origem e destino. Afinal, tanto as origens quanto os destinos interferem no processo, o que ocorre direta e/ou indiretamente por meio das potenciais vantagens de localização (L) as quais são capazes de oferecer para estimular (ou ainda, pelo contrário, desestimular) a saída ou a entrada em países, sendo-as basicamente sustentadas por características econômicas e institucionais, conforme proposto por Dunning (2002a; 2002b; 2002c) em seu Paradigma Eclético.

Figura XI – Fatores da escolha de localização

Fonte: elaborada pelo autor a partir de Johanson e Weidersheim-Paul (1975), Johanson e Vahlne (2009), Dunning (2002a; 2002b; 2002c) e Brewer (2007).