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2.3 Comportamento estratégico de internacionalização: um framework

2.3.2 O que internacionalizar?

A interpretação de que as empresas são sistemas racionalizados de regras e autoridade, isto é, estruturas burocráticas que, constituídas para entregar um valor a sociedade na forma de bens e/ou serviços, teriam a sua performance e consequente a remuneração de seus proprietários dadas fundamentalmente pela maneira como são organizadas e geridas, encontra grande parte de sua origem no clássico estudo de Fayol, a sua obra-prima General and Industrial Management, de 1916. A retomada desse princípio é relevante não apenas para entender as raízes do mainstream da interpretação da manifestação organizacional empresarial, como colocado no item anterior, mas, também, para constatar de que foi Fayol o primeiro a atentar de maneira mais evidente para o fato de que os sistemas empresariais obtêm os seus

resultados tanto pela forma na qual são organizados quanto pela práxis de suas atividades no mercado. A questão é pertinente, pois descortina, no seu primeiro momento, a reflexão das maneiras pelas quais serão internalizadas estruturalmente nas organizações as funções necessárias à consecução de seus objetivos. Funções essas que são entendidas como os conjuntos de atividades especializadas, em que se destacam a técnica, a de produção, a contábil, a financeira, a de recursos humanos, a de segurança, a comercial, a de pesquisa e desenvolvimento, a administrativa, entre outras. Nesse raciocínio, evidentemente ganha destaque a função administrativa, cujas atividades especializadas, para Fayol (1994), assumem as ações de planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar; ponto em que se resguarda o mérito histórico de seu texto para área científica da Administração.

Com isso, abrem-se vertentes e perspectivas de reflexão e de práxis gerenciais que não apenas questionam as maneiras pelas quais as atividades e processos devem ser conduzidos, mas, indispensavelmente, as formas como eles são estruturados e internalizados nas empresas. As funções organizacionais, dessa maneira, adquirem grande relevância e importância na formação e condução das empresas, sendo objetos de constantes revisões. A dimensão mais evidente de sua relevância contemporânea foi dada por Porter (2006), quando da construção do conceito de cadeia de valor. Para o autor, toda empresa é um agregado de atividades responsáveis por conceber, transformar, comercializar e entregar, cujo encadeamento é caracterizado por elos que adicionam valor (PORTER, 2006). As empresas, nessa ótica, deixam der ser entendidas como uma coleção de atividades independentes e passam a ser um sistema organizado e interdependente, cuja contribuição de cada elo entre as atividades na geração de valor pode se tornar uma poderosa força de vantagens competitivas. Por conseguinte, coordenar e otimizar tais encadeamentos com vistas a aumentar o valor adicionado de cada um dos seus elos se revela um dos principais direcionadores da estratégia contemporânea. Não por acaso, a ideia de inovação majoritariamente disseminada no final do século XX retoma os estudos de Schumpeter (1961; 1982), em entendimento que rompe a barreira que a restringia apenas a produtos, ganhando também notoriedade aquelas realizadas em processos, mercados, fornecedores, entre outros.

Observa-se, então, um movimento estratégico empresarial que não se direciona única e exclusivamente pela redução de custos, mas, fundamentalmente, para promover formas pelas quais as atividades especializadas das empresas, quando organizadas, coordenadas e otimizadas, sejam capazes de maximizar valor em seus encadeamentos intra e

interoganizacionais. Um dos reflexos mais perceptíveis desse processo passa a ser o fenômeno de desintegração vertical (BESANKO et al., 2007), no qual as empresas passam a ter as suas fronteiras redesenhadas a partir das análises dos custos e dos ganhos de buscar maximizar os resultados de suas atividades-meio interna ou externamente, por meio do mercado. Inicia-se, com isso, amplo processo de subcontratação e reordenamento das cadeias produtivas, as quais, diante da expansão do fenômeno da globalização, adquirem nova complexidade, com novas possibilidades e consequentes manifestações. Castells (1999, pp. 175-176) apreende de maneira interessante essa dinâmica e processo, ao observar que uma nova lógica organizacional surge no âmbito da Economia Global, caracterizada, sobretudo, pela migração de uma produção em massa para a flexível, em que se abandona o modelo organizacional ideal da grande empresa como aquela “estruturada nos princípios de integração vertical e na divisão social e técnica institucionalizada de trabalho” para inaugurar uma nova manifestação, cuja lógica se fundamenta no estabelecimento e formação de redes. A empresa em rede, para Castells (1999, p. 184), torna-se a manifestação organizacional por excelência da realidade econômica contemporânea, resultado da adaptação às “condições de imprevisibilidade introduzidas pela rápida transformação econômica e tecnológica”, apresentando-se por meio de algumas tendências, em que a sua forma mais bem acabada é representada por uma “rede articulada de centros multifuncionais de processos decisórios [...], uma forma superior de gerenciamento na nova economia” (CASTELLS, 1999, p. 186). Na visão de Dunning (1988, p. 128), que de certa forma corrobora a de Castells (1999), assiste-se na nova Economia Global à emergência das “multinacionais de novo estilo”, bem notadas pelas dinâmicas que constituem um “sistema nervoso central de um conjunto mais amplo de atividades [...] cuja função primordial consiste em fazer progredir a estratégia competitiva global e a posição da organização que se posiciona em seu centro (core organization)”. Entende-se, por essa perspectiva, que as revoluções tecnocientíficas vivenciadas nos transportes, telecomunicações e informática, a partir da segunda metade do século XX, somadas aos arranjos institucionais que auxiliaram os acessos aos mercados e à redução dos custos de transação, além de permitirem a organização das atividades econômicas em escala global, também facilitaram que esse processo ocorresse com as próprias estruturas organizacionais, as quais passam a ter as suas funções alocadas mundo afora, sejam por meio de contratos (mercados) e/ou investimentos (hierarquias). Com isso, tais organizações passaram a atingir os seus objetivos não apenas pela eficiência da produção ou estratégias de

mercado e tecnológicas realizadas, mas, certamente, também pela natureza e forma com as quais as suas relações são estabelecidas com outras empresas em âmbito global (DUNNING, 1988).

Desta maneira, uma nova complexidade organizacional é fundada, sendo os seus corolários a formação de redes de empresas que, compostas por micros, pequenas e médias firmas vinculadas às grandes, são frutos da expansão internacional e da fragmentação geográfica de atividades e operações de diversas naturezas. Tais formas organizacionais, em primeira instância, tornam-se configurações multinacionais complexas, de grande espectro de variação nos graus de responsividade local e de integração, como bem tipificadas por Bartlett e Ghoshal (1989) e Bartlett, Ghoshal e Birkinshaw (2004). Tais multinacionais, encadeadas num complexo produtivo global, são atualmente responsáveis por formar e formatar, em segunda instância, as chamadas Cadeias Globais de Valor (CGV), conforme analisado por Gereffi (2011).

Constata-se, desse processo, que a expansão internacional das empresas, quando analisada pela ótica da internacionalização como o processo de envolvimento com o estrangeiro, não se trata exclusivamente da comercialização (exportação) ou da aquisição comercial (importação) internacionais. Tampouco está em jogo apenas o deslocamento de um todo organizacional via investimento direto para implantação de uma réplica da origem (matriz), por exemplo, ou de contratação de terceiros no exterior para produção. Pelo contrário, torna-se possível que o envolvimento internacional ocorra de maneira mais complexa, com a expansão de funções organizacionais específicas, estrategicamente orientadas para alocar competências, atividades e operações em localidades consideradas mais adequadas para propiciar a otimização da contribuição em valor. Nesse sentido, a empresa, quando de seu processo de expansão internacional, reflete sobre quais são as suas funções organizacionais mais interessantes de se envolver com o exterior, vinculando-se ao estrangeiro ou deslocando-se para ele, em estratégia que pode ser considerada a internacionalização de sua cadeia de valor, normalmente direcionada para gerar fontes de vantagens competitivas. Por esta ótica, os objetos da internacionalização podem ser desde produtos e serviços até atividades-meio, abarcando todo o espectro de funções organizacionais (atividades e operações), cujas expansões podem estar motivadas por diversos e diferentes fatores, específicos e/ou gerais, desde que alinhadas com a estratégia do todo organizacional, principalmente ante a posição em que a empresa está inserida na Cadeia Global de Valor a que pertence ou pretende pertencer.

Nota-se, de imediato, que a reflexão sobre o que internacionalizar está relacionada a um questionamento fortemente articulado e interdependente dos porquês da internacionalização, agregados de seu momento (quando), local pretendido (aonde) e forma (como). Logo, a decisão de quais funções, atividades, produtos e/ou serviços que serão internacionalizados deriva, em grande parte, dos motivadores da expansão internacional, assim como da combinação das vantagens de propriedade (O) de posse da organização com as vantagens de localização (L) propiciadas pelos destinos, além daquelas de internalização (I) - ou não - dessas atividades no estrangeiro. Ressalta-se, ademais, que essa questão já fora de certo modo incorporada pela literatura, à medida que autores como Ferdows (1997) e Birkinshaw e Nobel (1998), em análise das estratégias das empresas multinacionais, deixam de analisar o papel das subsidiárias como um todo, passando a tomar como objeto de reflexão o papel de algumas funções estratégicas, como Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e produção. Inclusive, a análise de como as competências desenvolvidas no âmbito das funções organizacionais dispersas globalmente são transferidas entre unidades de uma empresa multinacional (em fluxos matriz-subsidiárias e vice-versa) torna-se o foco do entendimento sobre de que modo importantes fontes de vantagens competitivas são desenvolvidas e sustentadas atualmente, conforme demonstram os trabalhos de Borini (2008) e Oliveira Junior, Boehe e Borini (2009) em casos entre unidades de países emergentes versus desenvolvidos.

Adota-se, então, na presente tese, o entendimento de que as empresas em processo de internacionalização não necessariamente terão apenas como objeto de expansão internacional os seus produtos ou um todo, uma réplica organizacional no exterior, mas também algumas funções organizacionais, que podem ser dispersas globalmente, tais como: pesquisa e desenvolvimento, tecnologia da informação, recursos humanos, marketing, design de produtos, produção, entre outros.