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O internato como espaço de negociação de amizades, relações afetivas e processos

3 PERCURSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: TRAJETÓRIAS EM PROCESSO,

3.3 Internato feminino: lócus de redefinição identitária

3.3.2 O internato como espaço de negociação de amizades, relações afetivas e processos

O desafio de entender o internato como espaço de negociações e trocas identitárias relaciona-se com o próprio caráter movediço das identidades humanas, circunscrito pela ideia de incompletude, de “tornar-se” e “metamorfose”, trabalhadas, respectivamente, por Stuart Hall e Antônio Ciampa. Nesta perspectiva, sustenta Hall (1999, p. 38): “ela permanece sempre incompleta, está sempre em „processo‟, sempre sendo formada [...]”. Assim, as identidades forjam-se ao longo do tempo através de processos inconscientes, e não como algo inato, existente na consciência humana no momento do nascimento. Na verdade, elas se constroem por uma falta de “inteireza”, que se preenche a partir dos nossos contatos com o exterior, ao longo das negociações com rotas e percursos trilhados, ou ainda pelas formas através das quais nos imaginamos e somos imaginados por outros personagens.

81 Tomo aqui a definição que foi atribuída à utopia por Karl Mannheim, em 1929, e utilizada por Ângela

Pinheiro (2006, p. 86): “Tal perspectiva, parte da afirmação de que a mentalidade utópica pressupõe tanto estar em contradição com a realidade vigente, como, igualmente, romper com os ditames da ordem existente. Além disso, a utopia, de acordo com Mannheim, se concretiza na ação de grupos sociais, transcende o contexto sócio- histórico e orienta a ação, para elementos que a realidade presente não contém. É uma busca de transformar a ordem existente de acordo com as concepções próprias aos grupos sociais que as perseguem. Mannheim considerava, finalmente, ser a utopia inutável apenas dentro de uma determinada ordem social já sedimentada”. Para o aprofundamento da ideia, ver: MANNHEIM, K. Ideologia e utopia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1972 e BOBBIO, Noberto. et al. Dicionário de Política. 12ª edição. Brasília: Editora UNB, 1999. V. 2.

No espaço do internato, as trocas identitárias são mediadas por acordos e negociações grupais. A chegada neste espaço é marcada por muitas tensões. Inicialmente, as jovens constroem mecanismos de resistência a qualquer relação grupal. Contudo, neste espaço de privação de liberdade, as meninas são obrigadas a conviver e interagir com as inimigas conquistadas nas tramas da delinquência, encontradas também cumprindo sentença. Na convivência em reclusão, também são levadas a disputas de poder entre iguais, afirmando lugares de distinção e reconhecimento. Desse modo, a manutenção de certos acordos e negociações passa a ser inevitável neste espaço.

As relações e as conversas desenvolvem-se, aprofundam-se e até amenizam-se em meio a tensões, conflitos e imposições. Ou seja, as relações se estabelecem tendo o modo contratual de convivência como negociação grupal. Segundo a jovem V.L.B., 16 anos, o internato se define pela tensão e pela obediência às regras:

Olha aqui você deve ficar sempre atenta, pois você não escolhe o seu dormitório, nem as pessoas que vão dormir com você, mesmo que não confie nelas, mesmo que sejam inimigas lá fora. Na verdade, você não pode escolher as pessoas da sua oficina de trabalho, nem com quem vai conviver. Na verdade, aqui não pode escolher quase nada, porque se pudesse negociar, ou escolher a gente nem estaria aqui né?

Por outro lado, ao mesmo tempo em que predominam disputas e competições urdidas em contratos de convivência, também, no cotidiano, sobressaem grupos solidários e de cooperação. Na oficina de costura, as adolescentes, enquanto bordam panos de prato, também falam da troca de amizade construída durante o período de privação de liberdade.

Olha tia, a campeã de fuga daqui é essa “pirrota” aí. Só é pequena essa criatura, mas, no piscar de olhos dos educadores ela já fugiu. Mas, nem adianta ela fugir, por que ela é viciada em crack, aí sai daqui, foge e vai roubar de novo prá comprar droga essa peste. Não sei prá quê passar um tempão planejando fugir e aí voltar prá cá de novo. Coisa de otária mesmo. Já falei prá ela, sou tua amiga menina, não quero te vê mal. Se quer fugir daqui te some de vez, coisa ruim. Mas, ela não me escuta... (V.L.B., 17 anos).

No pátio da unidade, alguns grupos ou agrupamentos podem ser identificados, apontando para formas de sociabilidade: O grupo de meninas que jogam dama, concentrado- se apenas na partida; as que participam dos grupos religiosos e ensaiam cânticos de louvor; as que praticam leitura diária nos bancos dos corredores; e as que conversam no jardim com seus familiares por ocasião da visita. Dentre estes grupos, pude observar trocas de amizade, cooperação e acordos estabelecidos em meio à dinâmica institucional da vigilância e repressão.

Assim, a observação do internato possibilitou entender este espaço como um cenário de negociações identitárias, tendo como substrato de análise a leitura de suas relações e formas específicas de sociabilidade. Vivenciei, desse modo, várias situações de trocas afetivas e, também, de conflitos neste espaço. Sobre estas situações, algumas cenas são emblemáticas para a compreensão do Centro Educacional Aldaci Barbosa, na medida em que circunscrevem o processo de identificação desses grupos que interagem, se solidarizam e demarcam territórios, acordos e alianças. Numa destas cenas, a jovem D.P.D.L. (17 anos) pergunta se outra adolescente está bem, se seu joelho está melhor. Outra adolescente fala da hora do lanche, perguntando ao instrutor educacional o que é o cardápio: “o que é o lanche, hein tio?”. Outra jovem afirma sentir dor de cabeça, e sua companheira de leitura pergunta se ela quer remédio: “Posso pedir pra você?”. Neste momento, algumas adolescentes solicitam empréstimo de livros à pedagoga da unidade: “Empresta outro livro tia, tô sem fazer nada mermo”. (M.F.A.,17 anos).

Durante a observação da oficina de bordado, algo inesperado acontece. Uma das adolescentes, V.L.B., 17 anos, perdeu sua agulha de costura. Todas as jovens rapidamente procuravam a agulha com certa urgência e um olhar de temor. Neste momento, tudo parecia imóvel, tenso e sufocante. Refleti por um segundo: Será se alguém burlou as leis do contrato institucional? O sumiço da agulha representaria a violação de uma das disposições do jogo naquele espaço? Neste momento, uma das adolescentes rompe com o silêncio afirmando: “eu não saí do meu canto, eu não peguei agulha de ninguém, eu tava sentada o tempo todo”. A jovem que perdeu a agulha estava inquieta e com o olhar triste perguntava: “cadê a minha agulha?”. Em minha presença, a professora da oficina de bordado afirma com um ar sério: “Ninguém sai daqui enquanto não encontrarem o material perdido”. A tensão aumentava a cada minuto e, em meio à confusão do pequeno ateliê de costura, todas as adolescentes procuravam ao mesmo tempo, até que a menina que perdeu a agulha afirma com ar de alívio: “achei aqui, enfiada em minha blusa, ufa! Ai Deus do céu...”.

Ainda no pequeno ateliê de bordado, aproveito para fazer algumas perguntas para as jovens. De repente, M.J.V.A. (16 anos), se oferece para ser entrevistada, afirmando que gosta de participar das pesquisas:

[...] sempre que vem pesquisadores eu participo, não acho problema falar da minha vida e do que eu fiz [...]. Olha tia, eu só sei que uso droga, sou prostituta e já matei, a senhora quer que eu fale mais o quê?

Na pequena sala, todas dão gargalhadas e entram na conversa indiretamente. Ciente da falta de privacidade, apenas gravava as conversas tumultuadas. Concomitantemente, ao nosso lado, a adolescente V.L.B., 17 anos, com cabelos de cor esverdeada devido a um erro na escolha da tintura durante um procedimento na oficina de cabeleireiro, afirma: “tia, essa bicha é perigosa, eu hein...”. E a outra adolescente revida: “eu não tenho mais paciência contigo não, viu filhote de Huck (refere-se ao personagem verde de uma série da TV)”. Na sala ao lado, outras jovens assistem aula no curso de relações interpessoais, ao som de uma música ambiente, participam de uma dinâmica em grupo.

Na oficina de artes, as adolescentes fazem pinturas em telas, enquanto apresentam seus repertórios de piadas sobre assaltos, ladrões inexperientes, “loiras burras”, homossexuais, policiais que vacilam na mão da malandragem... Também falam sobre música, estilo musical e de arte com o instrutor educacional. Durante a conversa, a jovem V.L.B. afirma: “eu gosto de Rock, mas, também gosto de „melody‟, depende do dia. Se estiver triste, meio mal, eu escuto uma música mais mansa, sabe?”. Neste momento da conversa, a adolescente (V.L.B., 17 anos), pergunta se ficarei até terminar o dia, e me faz um pedido: tia, se a senhora puder, me leva pro salão de beleza? Quero tirar essa tinta verde da minha cabeça e fazer uma escova prá ficar linda.

Sem saber ao certo se cumpriria com o pedido da jovem, devido à necessidade de autorização judicial, começo a participar indiretamente dos acordos e trocas instituídos neste espaço, comprometendo-me a falar com a diretora sobre a possibilidade de levá-la ao salão de beleza. Assim, vou aos poucos, percebendo tensões, conflitos e alianças entre os grupos no internato e, adentrando nas negociações deste espaço de reclusão.

Valores culturais e laços afetivos também são redefinidos no cotidiano do internato:

[...] Aqui é assim, se você quiser “ficar”, sei lá, ter um rolo (no sentido de ter um relacionamento passageiro) ou namorar não é na marra não. Fica, beija e abraça quem quer, não é nada forçado não. Mas, você acaba sendo seduzida, sabe como é? A gente chega e tipo uma menina tá a fim de mim e começa a elogiar, me ajudar em algumas coisas, aconselhar, apoiar e tal. Como a casa é só de meninas, e todo mundo carente [...]. Também, todo mundo gosta de elogios, de apoio e acaba se deixando seduzir, mas é uma coisa meio inocente, sabe..., é só beijinho, carinho, abraço e delicadeza. Eu não considero isso homossexual não, até porque a maioria aqui tem seus companheiros, namorados lá fora. É pura carência, brincadeira, sei lá. Mas, também, fica quem quer né, depois que eu cheguei aqui eu ainda não fiquei com ninguém, graças a Deus, mas é difícil. Ai Deus do céu! (D.P.D. L, 17 anos).

Eu até já beijei e fiquei com uma menina aqui. Mas, depois a gente viu que não era isso não. Foi só um deslize, sei lá..., só carência, falta de alguém que

tá lá fora, coisa de um momento difícil sabe. Hoje somos grandes amigas, mas, tem gente que se apaixona mesmo... e aí sofre e tal. (D.F.S., 17 anos).

As relações afetivas vividas durante o período de internação tomam a marca da fluidez. A maioria das adolescentes internas fala dos envolvimentos afetivos, vivenciados no internato, como algo passageiro, carência, ou válvula de escape, específicos do período de reclusão e solidão que vivenciam, como uma forma de compensar privações e barreiras estabelecidas ao contato externo. Segundo elas, a vida em liberdade toma outro percurso. Olha, tia, a vida na liberdade é outra coisa. Eu gosto é de homem, mas, tem meninas aí que gostam de homem e se envolve com outras. De repente, chega outra que te ajuda, te dá colo, te cuida. Aí quando você vê já tá apegada, mas eu nunca fiquei com nenhuma menina não. Gosto mesmo é de homem. (D.P.D. L., 17 anos).

Nas cenas do internato, é perceptível tensões, acordos e estratégias de sobrevivência. Neste espaço, até mesmo um esbarrão pode desencadear conflitos. Não foram raras as vezes em que presenciei no pátio da unidade tais conflitos. No meio do corredor, duas jovens se esbarram, se entreolham e pedem desculpas, uma dá um beijo quase no canto da boca da companheira de internação e a outra responde bruscamente: “Gosto disso não, viu? A fruta que eu gosto é outra. Deixa eu sair daqui que eu vou matar a minha vontade. Quero é um homem, bem gostoso” (D.P.D.L., 17anos).

Este aspecto é relevante, ao abrir vias de compreensão sobre as trocas identitárias experimentadas por jovens em conflito com a lei, atentando para os atalhos, válvulas de escape e desvios de percursos, circunscritos como opção de rota pelas minhas personagens. Sobre este aspecto, Goffman (1961) chama atenção para “a unicidade de todo sujeito social”, que mesmo possuindo experiências comuns, podem fazer escolhas diferentes ao longo de seus trajetos. Tais escolhas, muitas vezes, podem se apresentar inconsciente e não intencional. De fato, algumas meninas parecem trilhar o percurso que leva ao conflito com a lei inconscientemente, tornando-se circunstancialmente personagem da prática de homicídio. Em sua maioria, não elaboram reflexões ou grandes questionamentos e, talvez, nem intencionem construir ao longo de suas trajetórias, novos habitus82

.

82 A minha intenção aqui é pensar a plasticidade do sujeito a partir da compreensão de habitus moldáveis,

divergindo da concepção fixa e cristalizada de habitus proposta por Bourdieu (1994), para quem o sistema de disposições subjetivas que constitui esse sujeito é durável no tempo, sendo transponível de campo social para campo social. Vide: Ferreira (2008).

Retomando o internato como espaço de redefinição identitária, destaco aqui a impossibilidade de pensá-lo a partir da ideia de fixidez ou imutabilidade dos sujeitos internos. Do mesmo modo que as trajetórias das jovens sentenciadas ao internato, não podem ser pensadas sob essa ideia, consubstanciada pelo argumento de que é preciso um “renascer”, quem sabe num outro lar, cordial e seguro, sem o medo de serem abandonadas após o envolvimento infracional. A segurança aqui referida não deve exigir que seja desconstruída a trajetória pessoal das adolescentes. Como diz Hall (1996, p. 70), “Seu passado continua a lhe falar”. Em verdade, ele é reconstruído sempre, mesmo com as marcas e lembranças de um percurso doloroso, com o qual é possível renegociar, reinventando-se continuamente, ao longo dos percursos e trajetórias de vida.

É nesta perspectiva de possibilidade de renegociação com trajetos e rotas que construo um entendimento diferenciado acerca do internato, percebendo-o como um momento marcante na vida das minhas protagonistas, uma fronteira que demarca e/ou delimita redefinições em seus percursos. Um espaço onde as jovens começam a compreender, com mais clareza, o poder da sentença imposta pelo Juizado, percebendo-a como algo concreto em seus percursos. De fato, antes do encaminhamento ao internato, as jovens parecem naturalizar a prática de atos infracionais. Furtos, roubos e lesões corporais são visualizados por elas como “infrações leves”. Nesta perspectiva, as medidas alternativas de socioeducação passam a ser entendidas como uma “nova chance”, um tipo de advertência ou conselho dado pelo Juiz. Fato perceptível em vários relatos e depoimentos das adolescentes.

Eu tive a minha chance, mas desperdicei. Foi assim: o juiz lá de Iguatu se convenceu a me dar uma chance, porque eu era primária, ele falou assim: D.P.D.L, vamos fazer o seguinte: O que você fez foi muito grave, mas eu vou lhe dar outra chance, já que você tá colaborando com a justiça. Eu não vou lhe encaminhar para a FEBEMCE de Fortaleza não, (refere-se ao internato, extinta Fundação do Bem-Estar do menor em Fortaleza), eu vou lhe deixar aqui no município mesmo em Iguatu, na semiliberdade. Aí eu fiquei em Iguatu cumprindo sentença de semiliberdade, mas parece que a pessoa não valoriza a chance dada, parece que não foi castigada, né? Aí não valorizei, pois pra mim funciona assim. Só vai se tiver castigo, sofrimento. E aí vim prá cá, pagar todos meus pecados. (D.P.D.L., 17 anos).

Enquanto você não é punida de verdade, parece que tudo é de brincadeira. Você só se aquieta quando alguém te dá um basta. Foi o que aconteceu comigo, precisei vim prá cá. Agora tudo o que quero é ir prá casa. (D.F.S., 17 anos).

Atenta a esse jogo de poder, punição e negociação vivenciado no internato, estive atenta a alguns aspectos relacionados à experiência de privação de liberdade, os quais abrem vias para compreender os percursos trilhados por meninas envolvidas na prática de homicídio.

1. Um destes aspectos é a profunda sensação de deslocamento vivida por estas adolescentes. Após o encaminhamento para cumprir sentença no internato, as jovens internas, principalmente as primárias na Unidade ou aquelas encaminhadas do interior do Estado para cumprir sentença em Fortaleza, parecem sentir-se deslocadas, necessitando fazer novos vínculos e processos de adaptações. Estas jovens, portanto, experienciam em seus percursos múltiplos processos de redefinição identitária, os quais são vivenciados, desde o deslocamento das suas comunidades de origem, até o momento de internação, quando o internato se torna o domicílio provisório em suas trajetórias. Em verdade, as minhas protagonistas parecem experimentar um contexto similar ao da diáspora, no entanto, tal experiência se dá de forma forçada, ou seja, pela imposição de uma sentença judicial. Portanto, se comparadas aos sujeitos diaspóricos estudados por Stuart Hall (2003), estas adolescentes também vivem grande parte de suas trajetórias longe das terras natais. Contudo, suas origens ainda se mostram enraizadas em seus estilos de vida, em suas formas de ser e conviver no mundo, bem como na religião escolhida ou herdada por suas famílias e no conjunto de valores assimilados ao longo de seus trajetos;

2. No internato, também experimentam um processo de adaptação, identificação

ou evitação com as demais internas, tendo em vista que são obrigadas a conviver e interagir com as inimigas das tramas da delinquência, encontradas também cumprindo medida socioeducativa. Desse modo, essas meninas tornam-se companheiras de sentença prisional, tendo como produto comum de suas negociações identitárias a prática de homicídio em plena adolescência. O desafio, neste momento, encarna a necessidade de convivência com as demais internas, bem como o cumprimento dos chamados acordos de sociabilidade e interação pacífica, a serem firmados no espaço do Centro Educacional. Assim, a vigilância, o controle institucional, a disciplina e a obediência às regras da instituição também são considerados como desafios para as jovens internas.

Mesmo diferenciando-se do ar de prisão que cerca as unidades de internação masculina, o internato feminino revela-se como um lugar desafiador em múltiplos aspectos. É, sobretudo, um espaço peculiar de negociações, onde as jovens internas, considerando-se o estigma prisional vivenciado, convivem com a situação de apartheid social, levando uma vida fechada e rigidamente administrada. Consequentemente, todas as áreas de suas vidas – escola, trabalho, religião, esporte e lazer – passam a ser desenvolvidas neste espaço. É, sobretudo, um “mundo normativo”, circunscrito pela lógica do “proibir, vigiar e punir”, que parece querer ocultar sutilezas e ambiguidades da vida em reclusão, de modo a mantê-las obscurecidas e sob

penumbra. Por outro lado, é sob rígida vigilância que se gestam processos de identificação, acordos e negociações afetivas entre as jovens internas, bem como formas criativas de sobrevivência e válvulas de escape.

Envolta ao ar de mistério que cerca o internato feminino, fui percebendo olhares em forma de códigos e novas percepções. Assim, tive a convicção de que estou a elaborar um trabalho de incompletude. Usando os termos de Hall, entendo que também vivencio a insegurança do “tornar-se”, no sentido de continuar com a viagem do olhar sobre percursos e rotas trilhadas por meninas envolvidas na prática de homicídio. Espero manter o estímulo necessário para entender os processos de redefinições identitárias vividos por estas adolescentes, personagens imersas na lógica do movimento, da descontinuidade, do trânsito e da fragmentação identitária.