• Nenhum resultado encontrado

4.5 CONFLITOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS NA DECISÃO

5.1.1 Internet na democracia participativa

Para completar este debate sobre democracia e participação nos dias atuais resta atualizar o tema com o percurso das tecnologias da informação e comunicação (TICs). Essas ferramentas têm sido discutidas, em geral, nos estudos da governança, ainda que seja uma questão convergente com a democracia participativa. As TICs tem sido abordadas na teoria política119 mais relacionadas com os estudos de alcance e efeito das Redes nas campanhas eleitorais e da Internet como ferramenta para a prestação de contas de governos, vinculada à lei de responsabilidade fiscal dos Estados, que obriga a accountability pública.

Vale destacar que a lei de responsabilidade fiscal quer evitar a malversação dos recursos públicos e oferecer condições para o maior controle social sobre as ações de governos. Esses motivos e as possibilidades de autonomia comunicativa e transacional da Internet têm representado uma grande promessa para revigorar a democracia, de modo particular no que tange à relação governo-sociedade, em tornar as ações do Estado mais transparentes e efetivas (AMORIM, 2012). No caso Brasileiro, essa obrigatoriedade dá-se com a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Os artigos 48 e 49, preveem que:

“a União, os Estados e os Municípios estão obrigados a dar ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público, a seus

119 O debate em torno das possibilidades democráticas da internet não é uma novidade na ideia da democracia

impulsionada por invenções impactantes na área da comunicação humana; estas invenções tem sido associadas com a redenção da democracia em renovadas esperanças de transformações sociais e políticas, pelas possibilidades oferecidas. Foi assim com a imprensa na realidade do século XV e a propulsão do comércio e do intercâmbio de culturas; com o rádio no último quarto do século XIX, bastante utilizado como forma de persuasão no discurso político que mobilizou inclusive o nazismo e o fascismo; com a televisão no período entre guerras (anos 1930) em que os grandes feitos eram disputados como sendo o melhor modelo de progresso; e, desde os anos 1960, com a internet, a invenção do Pentágono nessa disputa de poder com o socialismo.

planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; suas prestações de contas e respectivo parecer prévio; relatório resumido da execução orçamentária e do relatório de gestão fiscal” (AMORIM, 2012: 16).

Os estudos de Amorim (2012) sobre as possibilidades democráticas da Internet nas relações Estado e Sociedade confirmam que essa ferramenta tornou grandioso o desafio para os governos explorarem as múltiplas formas de comunicação por meios dos portais eletrônicos, diante das vantagens que estes oferecem: comunicação em larga escala; custo relativamente baixo; funcionalidades que permitem diálogos horizontais; alta capacidade de armazenamento de informações; e acesso aberto ao público de qualquer lugar e a qualquer tempo. “(...) essas inovações oferecem possibilidades aos governos de tornar pública uma gama de informações de interesse público, antes enclausuradas fisicamente e distantes do olhar e do conhecimento público” (AMORIM, 2012: 189).

A Internet como instrumento de democratização tem sido associada à sua capacidade em potencializar o acesso à informação e comunicação multidirecional (BORGES, 2011). O argumento se sustenta na afirmação de Dahlberg (2001) e Nunes (2007). Para Nunes, “se a informação somente flui em um só sentido, estamos criando e reproduzindo cidadãos passivos que só se contentam em estar informados e não em participar ativamente dos assuntos políticos” (2007: 4 apud BORGES, 2011: 108). Os estudos de Dahlberg (2001) mostram que a emergência da internet levou os três principais modelos de democracia a se voltarem para suas potencialidades. Assim, o modelo liberal viu na Rede um meio do cidadão acessar informações atualizadas e fazer escolhas, ou seja, qualificar a competição de interesses; o que Dahlberg chama de modelo comunitarista, que parece corresponder ao modelo participativo, adota a internet como meio ideal de conexão em torno do comum, como forças que se agregam; enquanto o modelo deliberativo adota o diálogo online para permite aos participantes entender e discutir as diferenças (apud BORGES, 2011). Vale ressaltar que esse uso político é recente; a princípio o uso da Internet esteve como monopólio de governos e empresas para fins administrativos, quando ainda na fase de transmissão de dados. O uso pessoal deu-se por iniciativa do mercado e pressão e defesa dos movimentos sociais desde fins dos anos 1980, com o uso da internet como espaço de encontro, compartilhamento e criatividade coletiva, depois aprofundada nos anos 1990,

com a criação da web. A interconexão entre indivíduos – seja para interações sociais, trocas de documentos textuais, imagens ou sonoras - tornou-se parte das opções coletivas e culturais com possibilidades múltiplas:

“O espaço construído (ciberespaço) permite práticas de comunicação interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária. Esse horizonte cultural é vivo, heterogêneo e intotalizável, embora admita o desenvolvimento de uma ética do respeito e do reconhecimento” (SILVA, 2011: 19).

O potencial da Internet – dados, livre acesso e expressão - a elevou ao status de meio ideal para atender às demandas por mais democracia que passaram a predominar no ambiente social120. Conforme destacado por Lévy (1999), a interconexão que origina a

cultura digital é apenas uma das peças do quebra-cabeça composto pela criação de comunidades virtuais e da inteligência coletiva. Juntos – interconexão, comunidades virtuais e inteligência coletiva – foram pensados como desdobramentos dos valores mais tradicionais do iluminismo, da autonomia e da abertura para a alteridade121 (LÉVY, 1999

apud SILVA, 2011).

O poder de mobilização da internet pôde ser observado com o movimento inédito, em termos de magnitude, que as ruas passaram a mobilizar nos últimos anos. A internet se mostrou peça fundamental na articulação das manifestações porque conseguiu reunir velocidade, alcance e interatividade nas e das redes sociais: “as condições materiais e tecnológicas dão a todos a sensação de uma ruptura do tempo histórico – vive-se uma revolução sem os revolucionários de antanho -, um turbilhão de possibilidades se abre em cada momento, e essas parecem estar ao alcance da mão” (AGGIO, 2013: 17). Outro exemplo desse poder está na emergência e consolidação do partido espanhol Podemos, fundado em 2014; com apenas quatro meses de articulação política, estruturada a partir da Internet, o Podemos conseguiu ocupar cinco cadeiras (no total de 54) com 7,98 por 120 A mesma possibilidade foi acenada com a emergência do Rádio e depois com a TV. 121 Comunidades virtuais são criadas a partir de interações reais na rede e em muitos casos são desdobradas em outros laços sociais; a inteligência coletiva é a capacidade de aprender e inventar de forma mais rápida e intensa a partir das interações e do patrimônio de questões e respostas compartilhadas. Deste modo, a comunidade virtual é uma inteligência coletiva em potencial e a cultura digital refere-se a tipos particulares de ligações entre pessoas (SILVA, 2011).

cento dos votos, a quarta candidatura mais votada na Espanha para o parlamento europeu. Nas eleições seguintes o partido ocupou 65 das 350 cadeiras no congresso; 23 das 266 cadeiras no Senado e 134 de 1.248 cadeiras nos parlamentos regionais.

Da mesma forma que confirmou-se o poder da Internet, as últimas manifestações de rua não deixaram dúvidas sobre a crise de representatividade persistente nos Estados ocidentais – para além da Europa, Estados Unidos e mesmo o Brasil. No caso brasileiro, as manifestações foram associadas a “um rachaço e, no limite, uma ira e um ódio contidos em relação aos representantes políticos em geral e aos partidos políticos, em particular, embora não se tenha expressado o desejo de colocar abaixo a democracia fundada na Carta de 1988” (AGGIO, 2013: 14). Ainda que reúnam um conjunto de reivindicações, por vezes individuais e subjetivas, essas manifestações carregam um sentido coletivo de demandas concretas frente ao governo e ao Estado, na defesa de uma melhoria na qualidade de vida de todos (AGGIO, 2013).

As manifestações de rua foram percebidas também como “fruto de uma revolta sufocada pela agenda política e econômica do país e pela corrupção. E as suas lideranças coletivas conduzem as discussões sem as estúpidas disputas por hegemonias partidárias” (JORDY, 2013: 25). Nas análises de Resende (2013), as manifestações, de modo geral, vislumbram uma nova forma de exercício de democracia, uma mudança profunda de rumo, “caminho para um novo desenvolvimento, não mais baseado exclusivamente no crescimento do consumo material, mas na qualidade de vida” (RESENDE, 2013: 37).

Ainda que admitam que as manifestações são um protesto objetivo contra o modelo de decisão representativa, as análises de forma geral sugerem a necessidade de “lideranças que sejam capazes de exprimir, formular e executar o novo desenvolvimento” (2013: 37). Ou seja, as manifestações nas ruas do Brasil foram bastante simbólicas para demonstrar o poder da interatividade que a Internet é capaz de mobilizar; porém não geraram poder político para sustentar a pauta de reivindicações. Neste sentido, os resultados das manifestações nas ruas sugerem que tanto a agenda fragmentada quanto as leituras contraditórias da mídia - também dividida - informam que o “racha” não significa nem produz democracia.

Observa-se, por um lado, que as análises não consideram a possibilidade da sociedade civil constituir algum tipo de poder que possa afetar o núcleo das instituições políticas por conta de uma divisão como um “racha”, basicamente criado e incentivado pelo

modelo de disputas eleitorais; por outro lado, a fragmentação das agendas também foi identificada com diferentes valores sociais, conforme os níveis de renda, o que significa uma sociedade constituída em mundos paralelos que não dialogam e apenas favorecem a cultura política de classes, da disputa eleitoral e da escolha do governo de maioria. Os diferentes valores são observados por Resende (2013).

Para ele, as manifestações no Brasil estão associadas ao projeto nacional de desenvolvimento que combina o consumismo das economias capitalistas avançadas com o produtivismo soviético. Ambas pressupõem o crescimento material como objetivo final da atividade humana e estariam em desacordo com as demandas sociais. Conforme argumenta, os avanços da informática permitiram reunir evidências sobre a psicologia social; os componentes renda e bem-estar só são claramente positivos até um nível relativamente baixo de renda, para atender às necessidades básicas da vida. “A partir daí o aumento do bem-estar está associado ao que se pode chamar de qualidade de vida, cujos elementos fundamentais são o tempo com a família e os amigos, o sentido de comunidade e confiança nos concidadãos, a saúde e a ausência de estresse emocional” (RESENDE, 2013: 36).

A internet se mostra em multiuso, seja como ferramenta de pressão social ou de transparência dos processos políticos, para aumentar a participação dos cidadãos, simplificar processos de tomada de decisão, ou torná-los mais claros: “estas tecnologias podem ajudar a visualizar os argumentos e os impactos das decisões propostas, monitorar os processos de decisão e permitir aos cidadãos descobrir quais decisões estão sendo tomadas e quando é apropriado agir.” (CHRISSAFTIS; ROHEN, 2009:91 apud BORGES, 2011: 109).

“A internet está em condições de prover poderosos instrumentos

self-service (ou autônomos, isto é, produzidos pela sociedade civil

para o consumo dos próprios cidadãos) de formação da opinião e da vontade políticas e fantásticas oportunidades de participação e engajamento por parte da sociedade civil” (GOMES, 2007: 4). Ainda que, em termos práticos, a Internet tenha alcançado resultados significativos, estes se mostram pontuais no grandioso quadro das promessas, seja no uso pelo cidadão ou pelas instituições, em diferentes fins. No que concerne à participação política, os estudos de Borges (2011) concluem que há uma tendência das organizações da sociedade civil ao uso da Internet com fins de participação (81,8%) de forma a alcançar seus objetivos – sejam estes

estimulados (no caso dos conselhos previstos em lei) ou forçados (necessidade de competição por recursos financiados por meio de editais).

Isso significa que as organizações adotam a Internet principalmente para interações com os parceiros; com o público de interesse o contato permanece valorizando a interação presencial, até por conta da exclusão digital ainda persistente122. Borges identifica que as

competências infocomunicacionais dessas organizações para a participação política se mostraram ineficientes; porém, avalia fundamental o uso da Internet para consolidar democracias jovens como a brasileira, na constituição de uma cidadania mais forte (BORGES, 2011). Não se pode discordar dessa avaliação. Mesmo sem questionar a vontade e o desejo de participação política, a teoria democrática deve pensar em remover as condições negativas (ou seja, o que impede) ao acesso de todos os interessados, em especial na realidade das distâncias territoriais - o caso brasileiro.

As análises de Amorim (2012) que abordam a questão do ponto de vista da

accountability pública também informam problemas com o uso das ferramentas digitais com

fins democráticos pelos governos. Amorim constata que a totalidade das capitais brasileiras aderiu ao projeto do governo eletrônico e democracia digital, através dos chamados “portais da transparência” como mecanismo exclusivo para a prestação de contas. Todavia, essa adesão “não representa algo a ser comemorado, haja vista que a constituição desses portais se deu por força da Lei de Responsabilidade Fiscal” (AMORIM, 2012: 191).

As tecnologias possibilitam o uso amigável e intuitivo de navegação nesses sites oficiais, porém os projetos não fundamentam concepções democráticas, mas apenas burocráticas que, na grande maioria dos casos, restringem a Internet como ferramenta unilateral. A participação da sociedade fica limitada ao registro de demandas, sem interlocução ou mesmo resposta às demandas.

“Os processos internos, com exceção das práticas noticiosas, são insuficientes para permitir o controle social, seja pela inexistência de informações e serviços, seja pela qualidade destes, o que torna mais

122 Com base da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), os estudos do Ipea informam que

em 2008, a posse de computador domiciliar no Brasil é de 31,65 % da população, enquanto na Bahia é de 17,37% da população. O acesso à internet alcançava 23,92% da população brasileira e 13,59% da população baiana. Estes números aumentam quando se avalia a posse de celular: 77,76% no Brasil e 61,03% na Bahia. Estes números dispares estão associados à condições de renda e se mostram fatores decisivos para se pensar no acesso de todos ao debate das agendas públicas.

difícil o trabalho dos agentes intermediários que poderiam converter as informações em “estado bruto” em informações didáticas e explicativas” (AMORIM, 2012: 192).

Para Amorim (2012), as possibilidades tecnológicas convertem em referências para uma nova comunicação política do Estado brasileiro. Borges (2011) defende a necessidade de habilitar os cidadãos para empregar os recursos digitais na participação política com mais propriedade. Portanto, de modo geral a Internet se apresenta como uma solução ainda incipiente à necessidade democrática das trocas comunicativas entre Estado e Sociedade. A condição de redenção da democracia, posta na participação como princípio orientador de toda a política e estratégia constitucional se mostra sem o lastro das tecnologias da informação e da comunicação.

Conforme sugere a teoria democrática, desde a edição do relatório McBride nos anos 1980, ao avaliar o problema dos fluxos de informação e cultura de sentido único (Norte-Sul), as políticas constitucionais – portanto, cada Estado nação - devem favorecer espaços abertos para permitir acesso aos meios de comunicação e sistemas de informação, ao direito de resposta, à articulação dialógica da comunicação local e ao pluralismo político. No caso brasileiro, esta iniciativa pode ser associada e avaliada com a criação dos Pontos de Cultura, idealizados desde 2003. Os Pontos de Cultura sustentariam a ação do Estado como oferta de recursos para estabelecer e fomentar uma agenda de diálogo e participação da sociedade nas políticas; todavia, a criação dos mesmos depende de uma demanda da sociedade - produzida ou provocada localmente. A comunidade precisa se organizar para solicitar o recurso - o cão quer pegar a salsicha presa no próprio rabo.

A política cultural dos Pontos de Cultura propõe ganhar escala e articulação com programas sociais do governo na área de abrangência das Secretarias da Cidadania e da Diversidade Cultural, além de outros ministérios, na ideia de que pode tornar-se o ponto de origem das disputas simbólica e econômica na base da sociedade. Em 2010, o plano era fomentar 15 mil pontos de cultura até 2020123. O site oficial do governo federal não

disponibiliza, até então, dados de avaliação de resultados da política desde a criação da mesma.

123 O site do Ministério da Cultura não apresenta dados sobre o número de pontos existentes ou qualquer tipo

de avaliação sobre o funcionamento dos mesmos. Mais em: < http://www.cultura.gov.br/pontos-de-cultura1> Acessado em maio de 2016.

Pode-se dizer que os estudos sobre o acesso às tecnologias digitais informam índices baixos no uso e impacto das TICs nos processos participativos, ainda que indiquem um crescimento significativo de consumo das tecnologias. O acesso à Internet se mostra distante de ser produtivo seja para a ação política que debate e delibera o interesse coletivo ou para lidar com alguma aprendizagem política ou formação de cultura de democracia; seja enquanto possibilidade para disponibilizar informações importantes ou canal de expressão da autonomia, as TICs estão longe das condições reais para o cidadão interessado acessar, agendar, debater e deliberar seus interesses em processos democráticos. 5.2 PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONALIZADA NO BRASIL – CONDIÇÕES DIVERSAS A literatura aqui acessada não deixa dúvidas quanto aos múltiplos fins pedagógico- democrático-comunicativo da participação, conforme demonstra a síntese de Maia (2010) no estudo sobre a “redescoberta da sociedade civil” em diferentes autores. A autora identifica que a participação civil se mostra favorável para revitalizar impulsos políticos de cidadania e revigorar o poder das comunidades - Keane, 1998; Bellah, 2002; treinar cidadãos e construir hábitos de respeito e cooperação - Putnam, 1995; 2000; fornecer alternativas para o individualismo e o auto-interesse na política – Cohen, 1997; Habermas, 1997; Lavalle; Acharya; Houtzager, 2005; representar segmentos marginalizados ou excluídos - Young, 2002; Dagnino, 2002; Warren, 1999; 2006; e revitalizar a esfera pública em favor de menos burocracia na vida cotidiana - Habermas, 1997; Avritzer, 2002.

Ao se considerar as múltiplas funções da democracia participativa, as análises aqui empreendidas busca convergências teóricas entre os temas da democracia, educação e comunicação, que associa as funções da participação a questões de legitimidade dos processos: o que torna o deliberado moralmente justificado e politicamente legítimo na representação do discurso geral, capaz de auferir autonomia e estabilidade na governação e resultar em formação de cultura de democracia. A necessidade de “justificação” para os limites do político na escolha racional dos agentes deve tornar a decisão moralmente acatada pela sociedade - promover a coesão social. Assim, o modo de regulação democrática que desde os anos 1970 vem ajustando o significado da democracia - de luta por direitos

passa a lidar com a autonomia de escolha como um direito universal de construção do bem comum – salienta o desafio de construção de uma polis de cidadãos, a sociedade em sua condição para afirmar-se democrática em sua autonomia política.

A agenda participativa tem discutido diferentes dimensões do estatuto político da sociedade civil frente ao potencial da democracia participativa. As divergências situam o que cada abordagem considera dimensões necessárias (os limites do político) desse aumento como uma disputa conflituosa entre forças sociais de resistência aos avanços democráticos que se declaram legítimas. Como visto, a efetividade da participação em suas múltiplas funções de democracia vem sendo problematizada em diferentes aspectos, sem que se forme um consenso sobre as funções das IPs124. Assim, cabe discutir o significado, condições e implicações do potencial da democracia que institucionaliza a participação social.

No conjunto de contradições, limites e dilemas que problematiza a efetividade das IPs, as explicações se multiplicam: seja para constatar o sentido da democracia legitimar a dominação e perder vitalidade como mecanismo de integração social (NOBRE, 2004); para questionar os diferentes significados que as práticas vem adquirindo como disputas ideológicas ou de projetos políticos (DAGNINO, 2004); para identificar “o problema” que a democracia precisa resolver nos dias atuais (ROSANVALLON, 2007; 2010); ou para resolvê-lo em termos do que seriam procedimentos legítimos de deliberação (RAWLS, 1971; HABERMAS, 1984, 1997; OFFE, 1972, 2011; COHEN, 1997; BENHABIB, 1996; 1997; AVRITZER, 2009; DRYZEK, 2004).

Em qualquer das perspectivas a ação política de participação passou a lidar com a autonomia cidadã como uma disputa em torno das questões essenciais identificadas por Held (1996): cada um entende a sua maneira e conveniência o que seja “governo”, “governo pelo” e “povo”, abrindo espaço para discordâncias e concepções tensionadas pelo ideal democrático que deve definir o que seja o bem comum. Para o mal ou para o bem, esse campo de disputas tem forjado um debate político, democrático em teoria, com graves problemas de legitimidade da ação política como prática democrática e implicações