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a renovação política. Não se identificou estudo específico sobre o impacto no uso de ferramentas eletrônicas nas IPs, ainda que as mesmas favoreçam diferentes formas de interface social, a exemplo do diálogo em rede.

Ainda que a adoção de mecanismos de comunicação eletrônica seja uma solução possível para sociedades complexas lidarem com a democracia, essa possibilidade se mostra distante de benefícios reais no espaço público de diálogo das IPs. A experiência informa que o campo de mediação do interesse geral institucionalizado para a participação dos indivíduos - ou o que restou dela, a representação cidadã – em geral reflete o uso limitado das tecnologias. As IPs adotam ferramentas eletrônicas na construção de redes de suporte administrativo interno, limitada a grupos fechados de e-mails e WhatsApp. No âmbito externo limita-se a blogs de conteúdo informativo básico, a informação em mão única e passível de ser enviesada.

1.3 LIMITAÇÕES DA PESQUISA

A ação política que qualifica o espaço público como procedimento operacional de democracia alargada está posta como um desafio na busca de explicações mais coesas ao fenômeno da efetividade das instituições participativas. A opção pelo rastreio dos processos se mostrou bastante produtiva nos desdobramentos do trabalho, possibilitando identificar pontos soltos e possibilidades de unificação. Ter algum conhecimento empírico prévio no tema da participação foi outro ponto favorável. A experiência com a participação possibilitou um olhar crítico sobre o problema da efetividade das IPs posto na literatura, assim confrontado com a realidade.

As questões deixadas em aberto na literatura, elevadas ao campo teórico, sinalizaram o deslocamento do problema da efetividade para a qualidade da própria ação política, em sua pretensão de justificação legitimação e pedagogia de democracia. No que se buscou identificar divergências e convergências empíricas e teóricas que pudessem oferecer algum eixo central de análise, de percepção sistêmica, o olhar resultou na distinção para a qualidade da ação política no espaço público vinculada à construção democrática, à

formação de cultura política de democracia; a democracia como solução para dificuldades reais - desencanto social e níveis cada vez menores de mobilização e participação cívica. No aspecto teórico, a diversidade da bibliografia em torno da agenda participativa se mostrou um problema, conduzindo à escolha por privilegiar autores que mais se destacaram no debate até então, com atenção a diferentes abordagens. Essa mesma dificuldade deu-se com o trabalho empírico. Assim, diante dos percalços e estratégias adotadas para os arranjos da coleta de dados, este trabalho abre um debate e não significa que foram esgotadas todas as possibilidades de análise do fenômeno. Também os testes empíricos se mostraram passíveis de informações enviesadas, em especial o questionário auto-avaliativo, que a priori considera as respostas como verídicas e factuais, até porque tentou evitar o controle dos respondentes com estratégias estruturais no questionário.

Buscou-se verificar contradições nas respostas auto-avaliativas porque no teste realizado informou que alguns dos respondentes se mostraram arredios e, ao mesmo tempo, desejosos do tanto que eles próprios poderiam interferir nos resultados da pesquisa. Essa tendência apareceu também nos diálogos em momentos de interação, de entrevistas ou mesmo no ato de devolução do questionário; as questões levantadas pelos entrevistados por vezes inverteram os papéis. A pesquisadora chegou a ser interrogada sobre vinculações trabalhistas e histórico cívico e foi impedida pelo presidente do Concidades-Ba, de participar de uma reunião de “ajuste de conduta” com o Conselho.

A desconfiança exacerbada apenas salientou as disputas internas e um sentido de resistência administrativa do Concidades-Ba em expor as próprias fragilidades. Outro fato é que, no começo da pesquisa a maior parte das atas não estava disponível no site e somente foi disponibilizada em meados de 2014, numa relação de total dependência da vontade e condições administrativas do órgão gestor. A desconfiança tornou-se perceptível no apego a detalhes burocráticos que apenas dificultavam o acesso às informações e espaços que deveriam ser públicos, ou no mínimo acessíveis à pesquisa acadêmica com fins de avaliar questões democráticas do próprio Conselho e dos processos em curso.

Para romper com uma possível resistência optou-se pela apresentação da pesquisa em seus objetivos em Sessão Plenária. Buscou-se desta forma demonstrar a importância do apoio dos atores envolvidos para se alcançar resultados que refletissem a realidade e, desse modo, possibilitasse análises mais objetivas e respostas possíveis que trouxessem alguma

reflexão e avanços no debate. A apresentação da pesquisa no pleno se mostrou produtiva no que a pesquisadora foi desafiada a acompanhar algumas ações de mobilização do órgão gestor17, em apoio ao Conselho, a exemplo do incentivo à formação e incremento dos

conselhos municipais, aqui narrado como um dos casos exemplares.

É importante destacar que a pesquisa sugeriu, desde o começo, uma escuta social mais larga, para compreender as implicações da ação política das IPs na sociedade de um modo geral. Pretendia-se confrontar questões diversas de auto avaliação dos atores envolvidos com respostas da sociedade como fonte de demandas e afirmação de autonomia coletiva. Essa a ação investigativa planejada envolveu tempo e energia, em busca de recursos que pudessem financiar uma survey, com esforços mobilizados para a contratação de uma empresa de pesquisa de opinião. A survey não logrou êxito por falta de recursos financeiros para os custos da pesquisa.

O tempo disponível e os compromissos envolvidos no projeto e no doutorado se mostrou outro fator limitante diante do desafio estabelecido. O foco nas questões da efetividade na perspectiva da ação política incorreu na necessidade de uma tipologia de análise para qualificar o espaço público de debate em sua dimensão operacional de democracia e vínculos com a pedagogia envolvida na ação, a aprendizagem política no quadro real. Ainda que os resultados se mostrem promissores, os testes não estão imunes a críticas que possam contribuir para avançar o debate da construção democrática como um processo político vinculado a princípios democráticos operados em processos de interface social que qualificam o debate no espaço público - o loci das IPs. De todo modo fica o alento dos limites e avanços que parecem fazer parte de todo empreendimento científico, conforme sugere Capra: “Na ciência, sempre lidamos com descrições limitadas e aproximadas da realidade. Isso pode parecer frustrante, mas, para pensadores sistêmicos o fato de que podemos obter um conhecimento aproximado a respeito de uma teia infinita de padrões interconexos é uma fonte de confiança e de força” (CAPRA, 2003: 50).

17 O Concidades-Ba é a instituição participativa que trata das políticas urbanas, portanto vinculadas à Secretaria de Desenvolvimento Urbano.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS Esta pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso18, centrado no rastreio crítico de processo de natureza interpretativa (VENNESSON, 2008) e na dialética como método científico (MARX, apud ARENDT, 2010); analisa a qualidade da ação política em sua pretensão de legitimidade política, justificação moral e implicações pedagógicas do deliberado, um qualitativo de espaço público da democracia. A pergunta que norteia a análise quer saber se a democracia renovou-se nos conselhos ou se tornou-se um mecanismo burocrático e formal e em que isso implica para suas dimensões pedagógica, moral e política; de forma mais específica quer saber se a ação política nas IPs implica em

aprendizagem política com valor democrático capaz de lidar com os problemas atuais da

democracia, ao que se atribui a dificuldade de sua efetividade.

Com base em conclusões preliminares, considerou-se que a dimensão democrática da ação política qualifica o espaço público de debate em processos dialéticos de

aprendizagem política - certo valor pedagógico; e que esse valor educativo responde pela

cultura política, seja na cristalização de práticas viciosas ou na transformação das mesmas. Significa que a prática política, igual a qualquer prática pedagógica, carrega sentidos diferentes que oscilam entre o positivo e o negativo; a experiência pode, portanto, ser “deseducativa” (DEWEY, 2011). Assim, a participação envolve princípios de uma comunicação essencial (estratégica?) relacionada aos fins da participação da Sociedade na gestão da coisa pública, o telos democrático que resulta em certo nível de legitimação política, justificação moral e pedagogia de democracia.

18 O estudo de caso é uma estratégia de pesquisa baseada na investigação empírica aprofundada de um, ou um pequeno número de fenômenos. Ele explora uma configuração determinada da realidade, ou elucida características de uma classe maior de fenômenos semelhantes, com o desenvolvimento e avaliação de explicações teóricas (RAGIN, 2000: 64-87 apud VENNESSON, 2008: 226).

De forma ideal, o espaço público qualificado é mais que o loci de uma IP: se constitui a própria instituição, a força viva de interação (mediação) entre o Estado e o soberano na medida em que assegura pensar a vida com base na fala recíproca; a aprendizagem política que nega ou positiva a democracia se constitui como processo pedagógico informado nos valores ou princípios democráticos adotados (ou não) no processo participativo; tem-se, assim, o espaço público de debate coletivo como ponto de origem e fim da ação política, ao que corresponde uma espiral ascendente; o nível de justificação moral implica o nível de legitimação política e ambos resultam no sentido (negativo ou positivo) de cultura política de democracia. Desse modo, cultura política pode significar também cultura antidemocrática ou cultura política elitista, p. ex.

Na perspectiva da cultura de democracia, ideal da democracia participativa, considera-se os termos do contrato social vigente, em que a cidadania tornou-se autonomia de escolha dos indivíduos, passando a demandar a escolha racional do coletivo na definição do que seja o bem comum. Com esta abordagem o presente trabalho lida com o problema da efetividade das IPs que ganhou centralidade na literatura teórica e empírica. O foca na condição da ação política das IPs em operar a democracia participativa em sua finalidade de afirmar a autonomia dos indivíduos na deliberação do melhor para todos lida com uma distinção no contexto de uma polissemia conceitual; com uma tipologia de análise e com um estudo de caso - o Concidades-Ba -, um loci onde a ação política é analisada em suas dimensões de democracia participativa.

A pesquisa caracteriza-se como um estudo interdisciplinar. Em sua natureza qualitativa aproxima os campos - comunicação, democracia/política e educação/pedagogia – e está centrado na historicidade crítica a partir de duas propostas convergentes: o que Vennesson (2008) denomina de rastreio de processo - um procedimento desenhado para identificar os processos que ligam um grupo de condições iniciais a um resultado particular; e a dialética como método (MARX, apud ARENDT, 2008), que possibilita avaliar as condições das práticas atuais em transformar o problema da efetividade da ação política. Os estudos teóricos são assim entrelaçados com testes empíricos ou seja, associa-se métodos quantitativos como forma de verificação empírica das questões de pesquisa.

O conceito de rastreio, como o próprio termo sugere, permitiu identificar uma vasta literatura na agenda, o que valorizou as condições contextuais e abordagens explicitadas na

teoria e empiria e levou à busca de uma explicação unificadora. Essa explicação se constituiu gradualmente; no que o rastreio crítico permeou toda a investigação, auxiliou a identificar divergências e convergências teóricas e empíricas relacionadas com o tema. Os estudos na agenda orientaram a observação do problema da efetividade da participação para a qualidade do espaço público de debate - o operacional de democracia no contrato social vigente.

Nesse sentido, demandaram a aproximação teórica entre os campos – comunicação, democracia e educação/pedagogia, implicando na delimitação da ação política como autonomia de escolha que dá-se em nome de um coletivo. A leitura do quadro real como história construída favoreceu observar a materialidade da ação política enquanto construção política coletiva que qualifica o espaço público; a ação no presente em sua capacidade para mudar a realidade como uma escolha atribuída ao coletivo.

A ação política é analisada no que “é”, no que “deve ser” e no que “pode ser” (ARENDT, 2007), como uma distinção entre o factual, o normativo e o hipotético. Assim, a dimensão operativa lida com o conceito de “Cenário de Representação”, CR19, bastante usado nos estudos da comunicação (LIMA, 2004). Nesse trabalho, o CR tem a ver menos com o sentido de agenda e mais com o framework da ação enquanto operacional de democracia, ou seja, como a ação política lida com telos democrático.

Em sua articulação conceitual Lima adota o Cenário de Representação Política (CR-P) para o estudo do discurso hegemônico na televisão; ele quer compreender as representações da realidade na mídia (diferentes dimensões da política, raça, gênero, nações, religião, entre outras). Mas, em especial ele ambiciona indicar eventuais caminhos para a ação deliberada em criar cenários alternativos e, para formular estratégias de comunicação de interesse público ou comercial (LIMA 2004). É em busca de cenários alternativos da comunicação como interface social (estratégica) que o conceito é apropriado nesta investigação – a estratégia adotada na ação política para dialogar com a sociedade.

19 Segundo o próprio autor, o conceito de representação da realidade na mídia (media representations) foi consolidado no estudo na Comunicação a partir das contribuições dos Estudos Culturais ingleses na década de 1960. A expressão CR tem origem em Stuart Hall (1973), que utilizou-a no contexto de mudanças identificadas na política cultural negra na Inglaterra (1988). Na mudança, as questões sobre cultura e ideologia tinham lugar formativo e não simplesmente expressivo, na constituição da vida social e política. Hall usou a expressão “cenários de representação” para denominar a subjetividade, a identidade e a política. Porém não articulou a expressão com as diversas representações da realidade na mídia, nem com o conceito de hegemonia, como faz Lima. No presente estudo o conceito é associado à comunicação em seus fins democráticos.

O termo representação no CR-P é retomado por Lima enquanto realidade refletida, mimética, mas também enquanto constituição da realidade, no sentido da dialética como método, convergente com o sentido que Gramsci dá ao termo hegemonia: “um sistema vivido – “constituído e constituidor” – de significados e valores que parecem confirmar-se reciprocamente” como um complexo sistema de relações e mediações, como uma completa capacidade de direção20. Assim, “(...) representação significa não só representar a realidade, mas também constituí-la” (LIMA: 2004:13). Como se verá nas conclusões, a ação política em tela, na perspectiva da construção democrática, informa uma deterioração do espaço público de debate das IPs de um modo geral; as experiências brasileiras se assemelham ao que Habermas constatou em seus estudos das transformações na esfera pública, nos anos 1960. Nos termos de Habermas dos anos 1980, ver-se-á que houve, nos Conselhos, um fenômeno de colonização do mundo da vida pelo sistema. Todavia, o presente não é um fato consumado e inelutável. Esta experiência pôde comprovar que a reflexão sobre a própria realidade torna a esperança de democracia uma força viva produtiva, o que fortalece a defesa da democracia como prática política mais adequada aos dias atuais.

O caminho metodológico aqui adotado conduz essa explicação científica no processo da ação política e assim busca identificar na convergência teórica os princípios de democracia reclamados capazes de qualificar o espaço público que discute a res publica. No que os conceitos adotados se configuram em paralelo com as incursões teóricas e observações do objeto empírico, pode-se dizer que a escrita desta tese dá-se a partir de sua linha de chegada. O próprio percurso de construção do conhecimento se apresenta como um exercício de rastreio crítico dos processos percorridos - tanto para lidar com o alargamento dos parâmetros de análises quanto para buscar expor a experiência investigativa de forma acessível também a não-especialistas.

Assim a investigação é aqui apresentada em módulos dialogados: primeiro (2.1), como revisão teórica e empírica, atualizada durante todo o percurso e, segundo (2.2), como pesquisa empírica; ambas são operacionalizadas como processo investigativo de forma complementar e, por vezes, de maneira simultânea.