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Intérprete de Libras e alunos surdos: formação e atuação no espaço escolar

2. A Interpretação em Língua de Sinais

Ser exato, iel, neutro e atuar como retransmissor de informações são noções que in luenciaram o início do trabalho de interpretação em língua de sinais no Brasil, conforme registrado na primeira publicação da FENEIS.4 Nela se a irma que a presença do intérprete de línguas de sinais

é fundamental e que ele deve atuar “como intermediário na transmissão de informações” (1988, p.13). Em publicação recente da SEESP/MEC, citam-se requisitos como: con iabilidade, imparcialidade, discrição, distanciamento pro issional e idelidade, colocados como preceitos éticos que devem ser observados durante a interpretação da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa (MEC/SEESP, 2002, p.28).

Essa mesma publicação apresenta o Código de Ética dos intérpretes de Libras no Brasil, o qual enfatiza em sua introdução que “[o] intérprete tem a responsabilidade pela idelidade das informações”. Dessa maneira, é possível observar que as literaturas o iciais apresentadas – MEC e FENEIS – estabelecem e validam para o Brasil um saber que permanece no imaginário das pessoas, sendo tomado como regras a serem seguidas pelos intérpretes durante as interações em que mediam conversas face a face entre participantes surdos e ouvintes.

Isto pode ser constatado nas palavras de Sander (2003) que, na qualidade de intérprete de Libras, com muitos anos de exercício pro issional, registra sua própria experiência em artigo, recentemente publicado, onde diz o seguinte:

Um pro issional intérprete (embora, não exista uma neutralidade total em sua função e por isso o uso de aspas), deverá sempre usar de “neutralidade” em suas atuações, atitudes corporais e entonações de voz (DA MANEIRA MAIS NEUTRA POSSÍVEL), para que o discurso do apresentador não seja deturpado, mal interpretado, ou pior, seja o contrário daquilo que é da intenção do apresentador. (Sander, 2003, p.131).

No presente relato ica clara a consciência do autor com relação às suas responsabilidades durante o ato de interpretar, mas também parece demonstrar um con lito entre aquilo que acredita ser a ato interpretativo, dentro dos princípios éticos da neutralidade e o que realmente acontece em sua prática. Esse con lito evidencia-se pela necessidade da utilização de aspas para a palavra neutralidade, mais a expressão em letras maiúsculas apresentada entre parênteses, o que parece revelar sua necessidade de justi icar a que tipo de neutralidade está se referindo.

Sander (2003) parece contraditório ao dizer que, “embora não exista neutralidade total”, ela deve estar presente “[e]m suas atuações, atitudes corporais e entonação de voz do intérprete”. O autor demonstra a sua preocupação com uma interpretação que zele pela imparcialidade, mesmo que para ele não exista neutralidade total. Entretanto, não deseja que o produto de sua interpretação sofra interferências pessoais.

Considerando que a proposta deste trabalho é uma pesquisa que tem como foco a interpretação em Libras, é fundamental apresentar algumas das principais questões já observadas sobre os aspectos que envolvem a interpretação em línguas de sinais. Metzger (1999a), por exemplo, ao considerar a importância de se fazer uma distinção entre tradução e interpretação, traz à re lexão a necessidade de se distinguir, também, a interpretação entre línguas faladas e línguas sinalizadas. No tocante à interpretação em língua de sinais, um aspecto importante registrado pela autora é o impacto que a língua sinalizada causa na interpretação.

Os pré-requisitos para a realização da tarefa são os mesmos, diz Metzger, tanto para a tradução como para a interpretação: ambas as línguas requerem o entendimento do sentido do enunciado original e suas relações com o contexto em que ocorrem; todavia, a língua de sinais causa um grande impacto na interpretação, devido às especi icidades próprias dessas línguas.

Muitas pesquisas e discussões sobre o tema têm sido in luenciadas pelo modelo de processamento de informação que tem perpetuado a noção de intérpretes como máquinas ou condutores. Frequentemente, intérpretes são interpelados por seus próprios colegas ao usarem de lexibilidade em seus serviços, alertando-os para

Língua Brasileira de Sinais – Libras: a formação continuada de professores: discussões teóricas... 65 a necessidade de seguir padrões de práticas éticas que enumeram o que os intérpretes não podem fazer. Mas raramente explicam o que eles podem ou devem fazer, ou onde e como podem usar de lexibilidade. Em conversas privadas, intérpretes confessam que transgridam essas regras da ética, admitindo que na prática as regras inter iram no sucesso do seu trabalho.

De fato, os estudos sobre interpretação têm se baseado em outros pressupostos teóricos para a sua compreensão, pressupostos estes que passam, necessariamente, pela observação e análise da fala de todos os participantes interagindo em uma situação real de fala. É observando a interação, que poderemos tirar conclusões sobre uma série de questões relativas ao evento interpretado, especialmente a que motiva este trabalho: a relação do intérprete de Libras ou papel do intérprete com o educando surdo em sala de aula, em contexto de educação inclusiva.

A década de 1990 trouxe importantes mudanças para a teoria e a pesquisa na tradução e interpretação no cenário internacional, com o advento de uma abordagem discursiva para a tradução e aplicação da sociolinguística interacional na análise da interpretação. Como relata Roy (2000), esses estudos obtiveram resultados similares, a saber:

1. O intérprete faz mais do que transferir o conteúdo linguístico das mensagens;

2. É necessário estudar a interação entre todos os participantes; 3. O estudo da interpretação requer efetivamente gravação e

transcrição da fala;

4. Encontros só podem ser entendidos quando considerados à luz das relações entre os participantes, suas intenções, seus objetivos, sequências discursivas, e outros elementos do discurso;

5. Intérpretes negociam o sentido das mensagens que estão implícitas nas mensagens dos outros, não exatamente o sentido das palavras (Roy, 2000, p.26-27).

Uma nova dimensão sobre aquilo que o intérprete faz quando interpreta, a observação necessária de todos os elementos possíveis do discurso entre os participantes da interação, a negociação realizada pelo intérprete do sentido das mensagens, implícitas e explícitas, todos esses fatores são pontos de partida para se entender aspectos

da interação durante uma interpretação. Roy (2000) enfatiza que a formação do intérprete deve ser um esforço interdisciplinar, centrado no domínio de conhecimentos e habilidades como a base para a comunicação. Os alunos, diz a autora, devem aprender os signi icados daquilo que as pessoas comunicam umas com as outras, conhecendo as variações dos sentidos das palavras nas línguas que interpretam.

As discussões, análises e re lexões apresentadas por estudiosos sobre a presença do intérprete em sala de aula, dão suporte para a realização de outras pesquisas que preencham as lacunas existentes em relação ao tema. Assim, este trabalho pretende cumprir, em parte, tal objetivo a partir da análise, na prática, da atuação do intérprete de Libras em uma sala de aula inclusiva. Portanto, a interpretação é um ato comunicativo, linguístico e social; e o papel do intérprete nesse processo está no engajar-se, inteiramente, no conhecimento e compreensão do todo dessa situação comunicativa, inclusive em relação à luência nas línguas, bem como na competência e uso apropriado de cada uma, além do manejo do luxo cultural que atravessa a fala.

Abordando a interpretação na perspectiva da sociolinguística interacional, procuro identi icar os papéis que o intérprete assume, através do discurso, diante de si mesmo, dos alunos surdos, professores e alunos ouvintes no desempenho de sua função, que é interpretar, numa sala de aula inclusiva.