• Nenhum resultado encontrado

Introdução histórica: o Projecto do Novo Código Penal

II. O Código Penal de 1982 e a eliminação da imputabilidade diminuída –

1. Introdução histórica: o Projecto do Novo Código Penal

O Projecto de 1963 (artigo 18.º)

199

e o subsequente Código Penal de 1982 (no

actual art. 20.º, n.º 2) prescindiram da anterior concepção de imputabilidade

diminuída

200

, consagrando, em seu lugar, casos em que pode ainda ser declarada a

inimputabilidade do arguido, alargando este conceito

201

a situações em que a

capacidade de avaliação da ilicitude do facto ou para se determinar de acordo com

essa avaliação está sensivelmente diminuída, por força de uma «anomalia psíquica

grave e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado».

A proposta, aprovada por unanimidade pela Comissão Revisora do Código

Penal

202

, visava, nas palavras do Conselheiro José Osório

203

, contemplar uma

inimputabilidade jurídica (não natural), a qual teria lugar apenas «quando o

imputável diminuído é efectivamente perigoso, em virtude da tendência que o

arrasta para o crime».

Era, assim, eliminada do Código a ideia de imputabilidade diminuída

204

, no

sentido anterior de uma verdadeira terceira via – uma verdadeira semi-

111.º e para o art. 110.º) ou apenas uma causa atenuante geral (será o caso do art. 39.º, circunstância 21.ª)» (Beleza, T. P., 2003, p. 306).

199 Artigo 18.º do Projecto: «É ainda inimputável quem, ao tempo do crime, em virtude de

anomalia psíquica grave e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tem a capacidade para a avaliar a ilicitude do facto e para se determinar de harmonia com essa avaliação sensivelmente diminuída».

A inimputabilidade é consagrada no artigo anterior: «É inimputável quem, ao tempo do facto, em virtude de uma anomalia psíquica é incapaz de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de harmonia com essa avaliação» (art. 17.º).

200 Décadas antes, já Hernani Fernandes reconhecia esta possibilidade: «é curioso notar que

o critério da imputabilidade diminuída tende a abandonar-se; neste sentido, já o Projecto do código

penal alemão estabelece que a pena deve ser integral e não diminuída, porque a tais delinquentes,

tendo alguma noção ou conhecimento dos seus deveres, deve assistir a obrigação de se não colocarem na possibilidade de cometer infracções» (Marques, H., 1936, p. 368).

201 Nas palavras do Autor do Projecto do CP: «para purificar o conceito de culpa, pressuposto

da pena, se alargou (artigo 18.º) o conceito de inimputabilidade fazendo nele caber certos casos de chamada “imputabilidade diminuída”» (Correia, Eduardo, 1963, “Nota informativa sobre o Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963”, in: Boletim do Ministério da Justiça, n.º 127, Coimbra, p. 71).

202 Cf. Actas da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Lisboa: 1979, p. 164. 203 Assim na Acta da 10.ª Sessão (Actas…, 1979, pp. 163-164).

204 Neste sentido: «(…) constata-se que, no título III do Código Penal, dedicado às

“consequências jurídicas do facto”, não se encontra qualquer disposição sobre o tratamento ou reacção criminal à infracção cometida por um semi-imputável» (Carvalho, Américo Taipa de, 2003,

52

imputabilidade, entre a inimputabilidade e a imputabilidade – e substituída por

uma solução que conferia ao julgador «apenas» a possibilidade de optar por uma

de duas hipóteses

205

: a declaração («ficção jurídico-penal»)

206

de inimputabilidade

e respectivas consequências (aplicação de uma medida de segurança, nos termos

gerais)

207

; ou a não declaração de inimputabilidade, sendo, nos termos gerais,

avaliada a culpa do agente, com a resultante graduação da pena

208

.

Procurou-se, desta forma, uma nova solução para os arguidos que

manifestavam uma tendência para o crime, a qual permitisse harmonizar as

necessidades de prevenção reveladas nestes casos e a não censurabilidade que os

pode caracterizar. Com efeito, a dualidade de opções consagrada no CP conduzirá a

uma multiplicidade de soluções práticas. Se, por um lado, a declaração de

inimputabilidade será, quase sempre, acompanhada da aplicação de uma medida

de segurança, as mais das vezes a do internamento, dada a perigosidade que

usualmente caracteriza estes casos

209

; por outro, a não declaração de

inimputabilidade conferirá ao juiz a possibilidade de, com flexibilidade, atender

aos critérios gerais de culpa e de prevenção na decisão sobre a pena, podendo

optar por entre uma pena atenuada, agravada ou, mesmo, condenando numa pena

relativamente indeterminada

210

.

205 «Com o que se realiza, nas palavras de Eduardo Correia, dentro de certos pressupostos

teóricos, um sistema vicariato: o juiz ou considera o agente imputável e remete-o para o domínio das penas; ou inimputável e aplica-lhe uma medida de segurança» (Antunes, Maria João, 1993, O

internamento de imputáveis em estabelecimentos destinados a inimputáveis: os artºs 103º, 104º e 105º do código penal de 1982, Coimbra: Coimbra Editora, p. 34).

206 Cf. Carvalho, A. T., 2003, p. 117.

207 Fundadas numa lógica de prevenção: «e desta forma, através da aplicação de uma medida

de segurança, serem satisfeitas as exigências preventivas, ao mesmo tempo que se constrói um sistema monista de reacções criminais» (Antunes, M. J., 1993, p. 34).

208 Graduação que não corresponderá, automaticamente, à atenuação da pena: «Se o agente

não for declarado inimputável, por ainda ter capacidade para avaliar a ilicitude do facto e para se determinar de acordo com essa avaliação, não sensivelmente diminuída, mas em todo o caso de algum modo diminuída, não diz o Código se essa imputabilidade diminuída deve ou não obrigatoriamente conduzir a uma pena atenuada. E parece que o não deverá, devendo cada caso aqui ser apreciado dentro das determinantes gerais dos fins e da medida da pena.» (Gonçalves, Manuel Maia, 2002, Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, Coimbra: Almedina, p. 113).

209 Cf. Antunes, M. J., 1993, p. 34.

210 Paulo Pinto de Albuquerque recupera a ideia de uma resposta tailor-made: «também no

sentido de uma resposta “feita à medida” (tailor-made response) para os casos “de fronteira (borderline cases), acórdão do TEDH Shtukturov v. Rússia, de 27.3.2008; em parte concordante, Cavaleiro de Ferreira, 1939: 38; e Taipa de Carvalho, 2003 a: 117 a 119, e na jurisprudência, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 21.2.1985, in BMJ, 344, 490, e acórdão do TRE, de 20.12.1984, in CJ, IX, 5, 338» (Albuquerque, Paulo Pinto (2010), Comentário do Código de Processo penal: à luz da

Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade

53