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Gênero: dos estudos feministas a uma teoria queer

3. GÊNERO E SEXUALIDADE

3.2 Gênero: dos estudos feministas a uma teoria queer

O conceito de gênero, ao que diversos autores concordam, é estabelecido de maneira a suplantar a carga simbólica do sexo dos corpos, ao se pensar nas relações para além dos aspectos biológicos ou reprodutivos, mas alinhando-se a uma construção histórica e social, partindo para uma definição que vai além do determinismo biológico, visto que o corpo é uma representação discursiva, que define significados para diferenças corporais e que é interpretado por meio de signos e significações. (RODRIGUES, 2008. p.108) Assim como os estudos feministas impulsionaram as questões relacionadas às homossexualidades, também os estudos sobre gênero datam da mesma época, obtendo diversas abordagens a partir de várias perspectivas, desde a teoria marxista até a perspectiva pós-estruturalista. Tal qual Sabat (2001), esta pesquisa perseguirá a perspectiva pós-estruturalista.

“Como categoria de análise na perspectiva pós-estruturalista, gênero surge como um conceito para se referir a masculinos e femininos de forma diferente do que se compreendia como sexo. Aqui é enfatizado o aspecto relacional entre mulheres e homens, rejeitando o sentido de determinismo biológico e passando a envolver valores construídos socialmente que não dizem respeito unicamente às mulheres, mas a femininos e masculinos.”

(SABAT, 2001. p.15)

Para Martino (2014), a perspectiva estruturalista, inserida na crítica da pós-modernidade, é expressa na definição de “perda do centro”. Ou seja, é a descentralização ou o deslocamento de contextos, poderes, conhecimentos e até mesmo da própria razão.

“Fragmentação, indefinição e flutuações caracterizam o pós-moderno”. (MARTINO, 2014.

p.222) Estes deslocamentos de sentido seguem o mesmo caminho que as representações de gênero e sexualidade desviantes tomam por esta época. A descentralização nas relações de poder, significa uma possibilidade de liberdade das identidades antes reconhecidas como minoritárias, escanteadas pela normatividade da sociedade moderna.

Butler (2018), concomitante a estas ideias, explica ao citar Foucault, que os sistemas de poder que produzem os sujeitos são os mesmos que passam a representá-los, “por meio da limitação, proibição, regulamentação, controle e mesmo proteção dos indivíduos”. (BUTLER, 2018. p.18) Para a autora, é essa compreensão que as teorias feministas devem alcançar, de que a categoria das “mulheres”, como sujeito do feminismo, é produzida e regulamentada pelas mesmas estruturas de poder cujas busca-se emancipar. Além disso, é necessário haver uma noção mais ampla sobre o sujeito do feminismo, a mulher, e o que ela representa, visto

que o termo mulheres não denota uma categoria de identidade comum, como uma entidade única de representação onde todas as mulheres podem se encaixar na mesma perspectiva.

Como explica a autora,

“Se alguém ‘é’ uma mulher, isso certamente não é tudo que esse alguém é; o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero da ‘pessoa’ transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece intersecções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas.” (BUTLER, 2018. p.21)

Para Rodrigues (2008), o conceito de gênero, ao pressupor relações sociais estratificadas numa economia de poderes e dentro de uma construção histórica, amparadas pelos corpos, é o espaço onde se constrói a identidade. (RODRIGUES, 2008. p.109) Mas estes estudos vão além disso; assim como Butler, outras personas envolvidas na investigação das questões de gênero vão trabalhar para desconstruir as concepções já existentes em estudos tradicionais, desfazendo o argumento clássico da predeterminação dos papéis sociais adquiridos com base no gênero e justificados pelas diferenças biológicas que definem o quê e qual é o papel do homem e da mulher na sociedade.

Sabat (2001) fala também que as diferenças biológicas naturalizavam uma estrutura inscrita em mecanismos de poder, mas não considerava o campo histórico-social, que essa nova análise do gênero vai considerar, ao descartar o caráter exclusivamente biológico do sexo, visto que essa característica também é uma categoria socialmente imposta sobre os indivíduos; (SABAT, 2001, p.16) este que o ponto central trazido pela Teoria Queer.

Queer, como explica Louro (2001), “pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordinário.” Também um insulto, reiterado ao longo de muitos anos por grupos heterossexistas, sendo um argumento que conferiu, durante muito tempo, um lugar discriminado e rejeitado àqueles que era direcionado. Como forma de retomada de uma narrativa única, o termo foi reapropriado por estes mesmos sujeitos cujas identidades foram pejoradas, passando a assumir uma perspectiva de oposição e de contestação de poder. Sua retomada de poder, para além da oposição imediata à heterossexualidade compulsória da sociedade, vai também de encontro a normalização e a estabilidade, propostas por aquela política identitária do movimento homossexual dominante, sendo portanto, uma força de ação

muito mais perturbadora e transgressora. (LOURO, 2001. p.546)

Conforme vimos, o queer é uma proposição, ou melhor, uma contestação de um não-lugar, uma transgressão de políticas internas, um deslocamento de poder que consiste em assumir uma forma subjugada e rejeitada, só para superá-la. Da mesma maneira, os teóricos e teóricas queer utilizam e transgridem as mesmas proposições das quais se utilizam, em busca de subverter noções e expectativas. (LOURO, 2001. p.548) Como Butler (2018) faz, com maestria, ao questionar se a própria noção de identidade é ou não coerente. Isso porque, e Louro concorda, as práticas sociais reguladoras dos sujeitos, que definem a “coerência” ou

“incoerência” dos sujeitos, precisam ser constantemente instituídas e reiteradas para que tal materialização se concretize. O mecanismo que designa os corpos “coerentes” é portanto, o mesmo mecanismo que designa os corpos “incoerentes”. (BUTLER, 2018. p.43)

Esse poder descontinuado que regula os corpos e precisa ser constantemente reificado e repetido a fim de produzir aquilo que regula – e assim, reiterando as normas e práticas de gênero do viés heterossexual –, se revela em atos, gestos e atuações, cujos sentidos que pretendem expressar são meras manufaturações, que se sustentam por meios discursivos dos próprios corpos, ao que tanto Butler, quanto Louro, vão chamar de performatividade de gênero. Performatividade porque se o gênero, em verdade, é uma construção inscrita sobre a superfície dos corpos, então não pode ser reconhecido como verdadeiro ou falso, “apenas produzido como efeitos da verdade de um discurso sobre a identidade primária e estável.”

(BUTLER, 2018. p.236)

Essa performatividade é demonstrada em diferentes contextos e apropriações dos significados de masculinidade e feminilidade, como, por exemplo, o travestismo visto na performance drag queen ou na estilização sexual das identidades butch/femme6. Ao que Butler explica, estas identidades têm sido vistas como parodísticas ou, até mesmo, degradantes, por realizar uma espécie de estereotipamento dos papéis sociais da mulher e do homem. No entanto, essa relação entre a “imitação” e o “original” vai além do que esta crítica reducionista busca compreender; e aqui surge um ponto crucial na Teoria Queer, visto que estas representações buscam quebrar a identificação primária, ou seja, os significados originais atribuídos aos gêneros, demonstrando três categorias distintas na dimensão da corporeidade: a do sexo anatômico, a da identidade de gênero e a da performatividade de gênero. “Se a 6 Butch/Femme são designações de performatividades lésbicas, que assumem representações socialmente descritas como masculinas (butch) ou femininas (femme).

anatomia do performista já é distinta de seu gênero, e se os dois se distinguem do gênero da performance, então a performance sugere uma dissonância não só entre sexo e performance, mas entre sexo e gênero, e entre gênero e performance.” (BUTLER, 2018. p.237)

São estes mesmos corpos transgressores, que se fundamentam pelos mesmos mecanismos de reiteração dos sujeitos “normais” ou “anormais”, que surgem do rechaçamento da sua própria existência e servem de base para a contraposição do estilo de vida heterossexual, a ser considerado “normal”, que assumem o papel de subverter a lógica heteronormativa que os desqualifica como pessoas. É uma luta estética, uma expressão de um modo de vida que não pretende ser alternativo, mas pretende apenas existir, de maneira pública e abertamente, como os demais. (SCHMIDT; RECH, 2017. p.6) Continuamente, estas diferenças são (re)formuladas, por políticas e saberes legitimados socialmente, reiterados por práticas sociais e por pedagogias culturais e mesmo assim, as atuais classificações binárias de gênero e as sexualidades falham em considerar o espectro de possibilidades de identidades e de práticas, o que não significa que estes sujeitos transitem livremente entre esses territórios, tampouco que sejam igualmente considerados. (LOURO, 2008. p.22)

4. ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

A análise do discurso tem sua origem na Linguística, e tal como os conceitos discutidos aqui em momentos posteriores, tem seu surgimento na década de 1970, conforme Harvey (2000, apud MAGALHÃES 2005), centrada na crítica do pós-modernismo e voltada para uma crítica social, que se direciona principalmente para o debate de questões ligadas ao racismo, à discriminação de gênero e sexualidade, ao controle institucional, à violência e à exclusão de identidades. (MAGALHÃES, 2005. p.232)

Conforme diversas fontes vão elucidar, a análise de discurso não é uma mera ferramenta da língua ou da gramática, mas sim do discurso, no sentido de que é uma prática que busca compreender o movimento da linguagem, os sentidos que são produzidos pelo discurso nos e através dos sujeitos aos quais se relaciona. (SILVA; MEIRELES; BEZERRA, 2019. p.97) O olhar crítico que se volta para um objeto serve para compreender as estruturas de poder que operam por meio dos discursos, estes que visam legitimar seu funcionamento e sua hegemonia, mas que também denotam um poder transformador da natureza social reafirmada por meio dos mesmos discursos. (KNOLL, 2019. p.88)

Silva et al (2019) define ainda o conceito de embodiment ou corporificação, isto é, a materialidade dos meios de comunicação, e principalmente da publicidade, através de corpos/sujeitos como mídia primária, para se comunicar e se aproximar de um determinado nicho ou público consumidor, compreendendo então, a necessidade de perceber o corpo como um objeto privilegiado no campo da comunicação, principalmente pelas dinâmicas e deslocamentos possibilitados pelas novas tecnologias e modificados pelas mesmas, explica:

“uma vez que se materializa e se constitui enquanto mídia, o corpo pode portanto atuar como agente determinante nas práticas culturais e sociais, afetando ou representando modos de pensar, de agir ou de ser. Isto leva a pensar os sujeitos LGBTs como mecanismos de representação midiática, que através dos seus corpos, informam e comunicam práticas sociais pertencentes ao seu próprio movimento político.” (SILVA; MEIRELES;

BEZERRA, 2019. p.96)

Fazendo uma retomada sobre o discurso simbólico publicitário, conforme Magalhães (2005), na corporificação do discurso através dos corpos/sujeitos, é mediada por certos aspectos na representação do “eu” e do “outro”, sendo estabelecidas categorias para o estudo

discursivo da linguagem publicitária, conforme a figura a seguir.

Figura 1 - Categorias para estudo do gênero discursivo publicitário

(MAGALHÃES, 2005. p.242)

A análise aqui apresentada, portanto, será definida através destas categorias, procurando compreender a composição dos aspectos semióticos na produção de um sentido, o tipo de vocabulário utilizado, sua coesão com a proposta do discurso na modalidade em que é veiculado, além das possíveis intertextualidades e a interpretação dos múltiplos discursos produzidos.

Para Magalhães (2005) os textos publicitários, que representam os estilos de ser das mulheres e dos homens por meio da escolha de roupas, calçados e acessórios, e também da postura corporal; são formados também de um aporte textual, portanto, para se alcançar a compreensão de um texto, é necessário compreender os aspectos semióticos visuais que juntam esses elementos heterogêneos para conferir coesão ao texto. Ainda conforme a autora, o vocabulário utilizado é de interesse na análise, pelas escolhas lexicais e sua atribuição de sentidos ou novos significados por meio de palavras já existentes ou pela criação de palavras.

(MAGALHÃES, 2005. p.242) Já a modalidade,

“tem como propósito definir os graus de afinidade relacionados à representação discursiva das relações (sentido relacional) e das identidades sociais (sentido identificacional) e ao controle das formas de construção da realidade (doutrinação) nos textos publicitários.” (MAGALHÃES, 2005.

p.242)

Por fim, a intertextualidade e a interdiscursividade são dois aspectos conjuntos que vão apontar uma inter-relação entre discursos, (por exemplo, entre o discurso publicitário e o discurso feminista), como também entre gêneros discursivos, inseridos por meio de textos verbais, não-verbais, etc. Esta análise intertextual e interdiscursiva, visa compreender a dialética das vozes de diferentes grupos e identidades sociais, que são representadas aqui por meio das peças publicitárias, divididas em três unidades distintas, na forma de peças audiovisuais publicitárias de marcas brasileiras, veiculadas na Internet nos últimos cinco anos;

as categorias selecionadas para realizar a análise estão descritas ao longo do texto de cada peça, desde o levantamento do material bruto até a identificação dos discursos e ideologias que encontramos no material descrito, com base nas teorias previamente discutidas.

A definição destas marcas se deu por meio de um levantamento posterior a esta análise, contido no estudo Oldiversity (2017), ver “Anexo B”, que consiste em um levantamento exploratório e análise de informações obtidas por meio de entrevistas com 1.814 respostas individuais, sobre questões relacionadas a consumo ligado a diversidade de orientação sexual, gênero, raça e pessoas com deficiência, conforme explica seu manifesto,

“Oldiversity® representa, além de um novo ethos a ser compreendido, estudado e trabalhado junto à comunicação das empresas, uma sensibilidade emergente que leva o consumidor além de um novo ethos a ser compreendido, estudado e trabalhado junto à comunicação das empresas, uma sensibilidade emergente que leva o consumidor a ‘cobrar’ das marcas que estas desenvolvam uma ética em relação à diversidade que não seja apenas ‘fachada’, mas que esteja presente de dentro para fora das organizações, permeando a cultura empresarial e que se desenvolva em toda a cadeia de ponto de contato com pessoas e com a biosfera. Esperam que isso seja realizado desde a forma como empresas contratam colaboradores, passando pelas melhores práticas nas relações de produção, até a forma como desenvolvem produtos e os veiculam na mídia, incorporando a diversidade.” (BRANDINI, 2017. p.17)

Os resultados obtidos apontam para uma alta segmentação, ao menos no imaginário coletivo do público de coleta de dados, em que o segmento que mais surge na lembrança das pessoas, em relação à diversidade, é o do mercado de cosméticos e beleza. Na lembrança espontânea do Top of Mind, as marcas que mais foram citadas no propósito da pesquisa foram Avon, Natura e O Boticário. Os resultados cujos foram utilizados como pontapé inicial deste projeto se encontram anexados, ao fim do corpo de trabalho.

4.1 Avon: É Pra Olhar Mesmo | #AvonPride

A peça selecionada da marca Avon, é intitulada “É Pra Olhar Mesmo | #AvonPride”, produzida em formato de vídeo, veiculado na plataforma YouTube. Segundo a descrição do mesmo,

“Pessoas LGBTQ+ recebem olhares em todo lugar, o tempo inteiro. Já que chamamos tanto sua atenção, por que não dá mais atenção à nossa voz?

Somos muito mais do que você imagina. #AvonPride

Olha de verdade, mas olha direito! Eu tô em todo lugar. Quando me encontrar no seu andar, na sua mesa de trabalho, no seu fone de ouvido, ou dobrando a sua esquina, pode olhar de cima a baixo. E não tira o olho. Eu existo.” (Avon, 20187)

Partindo da descrição da peça, já podemos reaver alguns ideais anteriormente discutidos nesta pesquisa, a afirmação sobre os olhares recebidos pelas pessoas LGBTQIA+, em todo lugar, o tempo inteiro, é aqui compreendida pela carga do preconceito que este olhar carrega, pelo estranhamento causado por este corpo fora do padrão heterossexista, portanto, não é um olhar positivo, possuindo sua conotação de ultraje pelo corpo desviante da normatividade padrão.

A descrição segue com um questionamento: “por que não dá mais atenção à nossa voz?”, o que se ancora no silenciamento histórico que estes corpos foram e são até hoje sujeitados, pelos seus direitos negados, pelas suas liberdades cerceadas e pelo escanteamento de suas existências para as margens da sociedade. O manifesto continua com a afirmação

“Olha de verdade, mas olha direito! Eu tô em todo lugar” e “E não tira o olho. Eu existo.”, ambas frases sendo afirmações de um deslocamento nas relações de poder, daqueles olhos julgadores que pretendem silenciar as existências desses corpos para a aceitação de que mesmo com tantos olhares negativos, tais corpos se negam a ser novamente invisibilizados.

Partindo para a reprodução da peça em si, conforme Silva et al (2019) explica ao citar Orlandi, precisamos compreender, antes de se pensar o discurso publicitário, que a sua inserção em determinadas formações discursivas leva em consideração toda uma carga ideológica preexistente, que se dá através de aspectos da memória, do imaginário coletivo e do mundo social, levando em consideração não apenas a estética, mas toda uma relação histórica e social do que é dito ou não dito nessas (re)produções de sentidos. (SILVA;

7 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1SbSANxv5DQ> Acesso em: 20 nov. 2020.

MEIRELES; BEZERRA, 2019. p.98)

Como primeira etapa de análise do discurso publicitário veiculado na peça da Avon (2018), temos o material bruto coletado da obra, composto de certos aspectos semióticos que remetem para uma estética construída da comunidade LGBTQIA+, através, por exemplo, do uso das cores do arco-íris, dispostas nas luzes das diferentes cenas em que se apresentam as personagens, como também na própria caracterização das personagens, em suas roupas, apetrechos ou maquiagens.

Além disso, há a produção textual do discurso que se segue:

“Pode reparar a vontade.”

“Olha mais! Olha de novo! Mas repara direito.”

“Pode olhar, torto, esquisito, com curiosidade.”

“Onde quiser, quando quiser, o quanto quiser.”

“Hora ou outra todo mundo percebe.”

“Nem preciso explicar o por quê, eu sei! Tem coisa que a gente já nasce sabendo, né.”

“Mas também, né, difícil ignorar!”

Os elementos que compõem a narrativa da peça são trazidos pelas personagens expostas, sendo cada parte do discurso trazida por uma voz diferente, distribuindo a discursividade em camadas ao longo da duração da peça, responsável, de certa forma, por construir a coletividade de um discurso único apresentado no vídeo, ao mesmo tempo em que, nesta mesma distribuição de sentidos, constroem uma narrativa individual no discurso, ao apresentar alguns sentidos pessoais por meio das frases abrangentes.

Figura 2 – #AVONPRIDE (apresentação da marca)

Fonte: Captura de tela (própria)

Portanto, é necessário haver uma reflexão detalhada para que se chegue na compreensão do objeto discursivo, conforme Silva et al (2019), por meio de frases que irão contrapor o que é dito pela campanha. Conforme Orlandi (2001, apud Silva et al 2019), é importante que se observe as metáforas do texto e os deslizes presentes no discurso analisado, através da interpretação, da historicidade e da ideologia. (SILVA et al, 2019. p.99) Seleciona-se para tal um trecho da narrativa manifestada no vídeo da Avon:

“Pode reparar a vontade.”

“Olha mais! Olha de novo! Mas repara direito.”

Pode-se observar, já no trecho inicial da narrativa, a presença de uma intenção discursiva dos corpos de se fazerem visíveis. Os deslizes de sentido presentes nas frases “pode reparar a vontade” e “mas repara direito” estão carregados de uma negação da invisibilidade pela qual as identidades desviantes aqui retratadas passaram; existe uma vontade desses corpos de serem vistos, de serem reconhecidos, de não mais terem suas existências apagadas ou seus direitos negados.

“Pode olhar, torto, esquisito, com curiosidade.”

“Onde quiser, quando quiser, o quanto quiser.”

Este trecho que se segue remete a uma grande historicidade dessas representações identitárias, como bem vimos, que ao final dos anos 70, as políticas identitárias das homossexualidades abandonavam um modelo de busca da libertação sexual através da transformação do sistema, visto que os mecanismos de poder que reiteravam suas existências eram também os mesmos mecanismos de poder que as marginalizavam, então aceitando essa condição de marginalizados, essas existências passavam a se (auto)validar, como diferentes, mas igualmente merecedoras de seus direitos. “Pode olhar torto” e “o quanto quiser” pois aceitamos nossas condições, mas aceitamos também que estaremos onde bem entendemos.

“Hora ou outra todo mundo percebe.”

“Nem preciso explicar o por quê, eu sei! Tem coisa que a gente já nasce sabendo, né.”

A construção de sentidos nestas duas frases que se seguem, utilizam um mecanismo de reiteração de identidade, no deslize presente na formulação de um sentido de alteridade, de ser percebido por outrem, mas também carregada de um sentido metafórico, visto que o

‘perceber’ também denota um caráter de desmascaramento de uma identidade travestida, uma assimilação recorrentemente carregada de preconceitos, ao se ‘perceber’ alguém como trans

‘perceber’ também denota um caráter de desmascaramento de uma identidade travestida, uma assimilação recorrentemente carregada de preconceitos, ao se ‘perceber’ alguém como trans

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