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Publicidade: currículo cultural e discurso simbólico

2. PUBLICIDADE

2.1 Publicidade: currículo cultural e discurso simbólico

O papel da publicidade nos dias atuais vai além de apenas influenciar o consumo ou produzir o desejo de compra, ela está inserida em um sistema social, em que influencia ao mesmo tempo que é influenciada por este. Segundo Sabat (2001), a publicidade se coloca enquanto agente e artefacto cultural, que se constitui da representação da sociedade em que se insere, enquanto produz, ao mesmo tempo, identidades e valores almejados pela própria sociedade, ela comporta um tipo de pedagogia e de currículo cultural que

“produzem valores e saberes; regulam condutas e modos de ser;

(re)produzem identidades e representações; constituem certas relações de poder e ensinam modos de ser mulher e de ser homem, formas de feminilidade e de masculinidade”. (SABAT, Ruth. 2001)

Dessa forma, para a autora, a publicidade (re)afirma valores e hábitos, não inventando discursos, mas se apropriando deles para seus determinados propósitos. Por meio

do discurso publicitário, que então se apropria destes significados que circulam nas relações sociais, a publicidade estabelece relações de pessoalidade entre as marcas e os consumidores, agregando valores simbólicos nessa relação, que culminam no desejo de consumo, ao mesmo tempo em que naturaliza esses mesmos valores e significados representados em seu discurso.

Como afirma Sabat (2001), a publicidade trabalha a partir de um currículo cultural que é constituído e constitui das mesmas trocas e relações sociais; tal currículo faz parte de uma pedagogia específica, que possui um vasto repertório de significados, estes que constituem as identidades culturais hegemônicas, inclusive nas relações de gênero e sexualidade existentes na sociedade. Acima de tudo, a publicidade busca ainda criar um sentimento positivo no consumidor, esse sentimento pode não estar necessariamente inscrito em sua mensagem, mas sim em sua intenção.

Rodrigues (2008) concorda com essas ideias, ao dizer que a publicidade por si só já sugere um potencial consumidor e, assim sendo, se insere no contexto da sociedade de consumo. Para ele, o entendimento de consumo perpassa por estudos interdisciplinares, que levam em consideração não apenas a área de estudo como a época em que se investiga. O autor cita que os estudos brasileiros sobre a temática do consumo, centrados principalmente na Antropologia, demarcam o seu foco principalmente em grupos marginalizados, que aqui importam principalmente nas questões de gênero e sexualidade.

Em sua intenção de gerar o desejo de consumo, seja de um produto ou de uma ideia, a publicidade se utiliza dessa pedagogia que narra os sujeitos como seres livres e, portanto, capazes de constituírem suas próprias identidades e criarem seus próprios valores, mesmo que culturalmente adquiridos, ao mesmo tempo em que “opera com mecanismos de (auto) controle e (auto) regulação, normatizando as relações sociais através da materialização de imagens.” (SABAT, 2001, p.14)

A publicidade se ancora como uma das práticas mais abrangentes da nossa sociedade de consumo, sendo, conforme explica Martino (2014), a forma mais visível dessa ligação entre a imagem constituída na mídia e o produto específico que se quer vender. Conforme Baudrillard (1995, apud MARTINO 2014), a publicidade opera na transformação desse objeto em um signo, melhora suas qualidades, tornando-o necessário para o consumo, eliminando quaisquer resquícios de imperfeição, transformando o produto em uma versão aperfeiçoada de si mesmo.

Para Rodrigues (2008), porém, a realidade que se mostra tem chamado atenção para muito além do controle da publicidade sobre o consumo, “o ato da compra e o uso de produtos (bens e serviços) permitem que sejam revelados fenômenos do cotidiano”

(RODRIGUES, 2008, p.16). Nesse sentido, os Estudos Culturais se tornam referência para captar, para além da estrutura de produção da publicidade, o sentido que os meios de comunicação e a indústria da cultura produzem nos consumidores, como isso muda com o passar do tempo, ao passo em que a publicidade se adequa às mudanças estruturais na sociedade e na cultura.

Conforme Trindade (2012) explica, os padrões encontrados na produção do discurso publicitário seguem as transformações do mundo globalizado,

“da mesma forma que o inglês é atualmente a língua universal do sistema global, entendemos que o discurso da publicidade, enquanto linguagem, é uma espécie de língua universal do sistema global, que ajuda a construir modelos e padrões de comportamento junto às sociedades[…]. Esse padrão universal/global se mistura ao nacional/regional/local, ou seja, negando-se enquanto universal/global, para se afirmar como nacional/regional ou local, mas que em um nível profundo procura se afirmar como universal/global”.

(TRINDADE, 2012, p. 15)

Para o autor, as diferenças socioeconômicas, políticas e culturais nesses âmbitos global/nacional/local, levam à confrontação entre valores universais de mercado versus valores de mercados nacionais, regionais ou locais, o que acaba por provocar tensões entre valores culturais universais versus valores culturais nacionais, regionais ou locais.

(TRINDADE, 2012, p. 15) A maneira com que a indústria cultural se utiliza dessas apropriações permite então visualizar o lado oposto da emissão, centrado no sujeito que recebe a mensagem, entendendo o sentido e a reprodução que as mensagens e os objetos têm no cotidiano de tais sujeitos. (RODRIGUES, 2008) De fato, o mundo refletido de dentro da Indústria Cultural é fascinante: são inúmeras as possibilidades que circulam diante de nossos sentidos; o universo de especulação simbólica que a Comunicação de Massa projeta é, provavelmente, a mais formidável máquina de criação do imaginário coletivo contemporâneo.

Por isso que esta questão desafia estudiosos das mais diversas áreas de conhecimento, desde as primeiras décadas do século XXI. (ROCHA, 1995, p.24)

A publicidade é um elemento central nesse cenário de Comunicação de Massa que vivemos atualmente. Aliás, este cenário é o mais propício até então para a produção e

reprodução de valores que se ancoram na publicidade; graças ao alcance midiático proporcionado principalmente pela Internet, mas também devido as mudanças na própria maneira com que se consome e se produz a publicidade atualmente; centrando os significados nos próprios consumidores cujos busca alcançar, visto que o discurso publicitário não é autônomo, mas sim simbólico. Ao que Rocha (1995) coaduna, ao dizer que a publicidade, enquanto narrativa de consumo, estabelece um elo entre a esfera da produção, materialidade do produto (anti-humano) e a emotividade, significação e humanidade dos atores sociais (fortemente humanizados); “ela [a publicidade] é do território ‘simbólico' encravado no reino da razão prática." (ROCHA, 1995, p.154)

Acima de tudo, quando a publicidade fala, somos nós mesmos que estamos falando, ou melhor, ela se refere ao cenário em que se insere, mesmo que de maneira idealizada e ainda que construa simulacros onde a imperfeição não existe, o seu discurso é posto em prática de forma a atingir com perfeição o seu público, utilizando para isso de qualidades humanas, que são também mutáveis e intercambiáveis. É neste âmbito, portanto, que as questões relacionadas às minorias sociais passam a ser pontos cruciais no que diz respeito à produção da Comunicação de Massa, principalmente por meio do discurso publicitário. Isso porquê, se tomamos a publicidade como o artefacto de produção de sentidos, podemos então compreender todo o aparato social de uma determinada cultura, através simplesmente da apreciação das imagens publicitárias veiculadas naquela sociedade ou naquela cultura.

Como indica Magalhães (2005), o discurso publicitário é simbólico pois é desenvolvido, reproduzido e transformado pelas práticas sociais da mídia: na busca por consumidores em potencial, o discurso publicitário direciona os valores e a própria imagem do ‘eu’ e do ‘Outro’, provocando alterações nas relações entre as identidades de gênero. A autora explica que as ‘vozes’ femininas e masculinas “são mediadas por aspectos semióticos, por vocabulário, por coesão, gramática, intertextualidade e interdiscursividade”.

(MAGALHÃES, 2005, p. 242)

Sabat (2001) concorda, ao definir que podemos observar como se dão as relações de poder dentro de uma determinada sociedade, quais os significados são relacionados ao papel das mulheres e quais são relacionados ao papel dos homens, ou como são representados as identidades e comportamentos masculinos e femininos ideais, ancorados socialmente.

Segundo a autora,

“a teoria social contemporânea tem discutido a identidade em termos culturais, o que significa dizer que sua constituição é compreendida a partir de uma perspectiva na qual importam momentos determinados historica e culturalmente, que constituem identidades não definitivas, nem universais.

As identidades culturais são constituídas a partir das diferentes formas como grupos sociais se reconhecem entre si. Ou seja, as identidades culturais não são dadas a priori, não são preexistentes aos sujeitos, elas se constituem no processo de representação de um grupo, sempre em relação a outros grupos, que carregam características diferentes daquele que está sendo representado.” (SABAT, 2001)

No entanto, ao tratarmos de minorias sociais, obviamente, o discurso publicitário adotado não representa a maneira hegemônica com que determinada sociedade se comporta, ou seja, as identidades culturais (re)produzidas pelo discurso simbólico da publicidade subvertem os próprios princípios do ideal de sujeito e de valores que a publicidade busca representar, ao mesmo tempo em que se abre precedentes para a (re)produção de outras identidades culturais que, por si só, fogem da normatividade da mesma sociedade que se inserem. Para isso, a publicidade direciona o seu discurso, dividindo os seus nichos, como forma de criar uma atmosfera de representações e de representatividades de identidades diferentes identidades, como também, e principalmente, passa a reproduzi-las, expondo suas imagens midiáticas, criando novos padrões ideais e novos valores, que já existiam mas não tinham o alcance que lhes é permitido agora.

Segundo Rodrigues (2008), esses segmentos são utilizados como parte da estratégia do discurso publicitário, a mercê da venda de produtos ou serviços, seja por meio de um processo de identificação dessas identidades queer com o discurso retratado, ou até mesmo através da inserção do público heterossexual cisgênero, por meio da polêmica causada pela construção de estereótipos e preconceitos voltados contra essas minorias.

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