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Publicidade e o mercado queer: representação e estereótipos

2. PUBLICIDADE

2.2 Publicidade e o mercado queer: representação e estereótipos

Conforme foi levantado, a publicidade, tomando forma através de seu discurso simbólico de (re)construção da realidade, é uma ferramenta e prática social que representa identidades culturais inseridas no mundo globalizado, sendo parte de uma relação de poder entre anunciantes e consumidores, estes que por sua vez, não são apenas meros receptores do texto publicitário, como trabalham também na própria construção desse discurso. Rodrigues (2008) parte do pressuposto que tal discurso publicitário não interage ideologicamente com a temática das identidades queer, visto que tal discurso não possui uma perspectiva de afirmação ou de inclusão social mas sim mercadológica; e que o rito da publicidade ao reproduzir tais relações e identidades, pode seguir um padrão de reprodução de práticas excludentes e preconceituosas.

Para o autor, é importante fugir da idealização de que o discurso publicitário, muito embora atenda ao anunciante em ditas práticas mercadológicas, possa entrar em um “curto-circuito” por considerar os ideais de inclusão social e a harmonização das diferenças, mesmo que para isso se comprometa ideológica e economicamente; de maneira que se possa refletir sobre a inserção da publicidade no conceito de responsabilidade social, para entender as possibilidades de uso do discurso publicitário como forma de sintonizar o respeito à diversidade e à cidadania, para enfim avaliar a quantas anda o regime de representação nesse aspecto, ponto chave neste trabalho aqui retratado. (RODRIGUES, 2008, p.38)

Rodrigues (2008) propõe a reflexão sobre a inserção da publicidade dentro do conceito de responsabilidade social, prática que vem sendo amplamente discutida nos últimos anos, visto que as marcas procuram cada vez mais se inserirem no âmbito do Marketing Social. Conforme Kotler (2017) explica, a inclusão tornou-se nova tendência, isso por quê as próprias estruturas de poder estão mudando. Em nível macro, o mundo avança em direção a uma estrutura de poder multilateral, não-hegemônica; em nível micro, as pessoas estão adotando a inclusão social, enquanto que as mídias sociais redefinem o modo como as pessoas interagem entre si. (KOTLER, 2017, p.21-24)

Dessa forma, é preciso haver um discernimento crítico das intenções do discurso publicitário, visto que não basta apenas que exista a representação midiática de minorias, anteriormente excluídas, mas também é necessário compreender como e porque tais representações são retratadas, de forma que se possa construir um discurso simbólico que fuja

aos estereótipos e aos preconceitos. De acordo com Hoff (2012, apud NUNES; HECK 2017), a diversidade de representações retratadas nas peças publicitárias, cada vez mais tem posto em cheque a ebulição de temas que estão no cerne da formação sociocultural brasileira, antes apagados desse gênero midiático. A publicidade tem então promovido deslocamentos significativos dessas visibilidades, o que traz à tona os questionamentos sobre quais significações são realmente produzidas, a partir destas representações publicizadas. (NUNES;

HECK, 2017. p.2)

Em uma investigação realizada por Nunes e Heck (2017), por meio de um levantamento de pesquisas realizadas no Brasil, criou-se um aporte sobre o Estado da Arte da temática aqui debatida (Gênero, Identidade, Sexualidade, Corpo, Feminismo, Queer), o que retornou, conforme as autoras definiram, um corpus teórico composto de 61 pesquisas, divididas nas seguintes palavras-chave, dentro do universo publicitário: Publicidade, Propaganda, Publicização, Embalagem, Ponto de venda, Consumo e Anúncio. Destas 61 pesquisas, apenas uma retratou a temática Queer. (NUNES; HECK, 2017. p.8)

A importância desse levantamento para a pesquisa aqui presente, se dá no sentido de entender a que altura anda a exploração dessa temática, compreendendo a urgência de um corpus mais abrangente sobre estas questões emergentes no nosso cenário social, sendo o meio acadêmico uma das formas de disseminação de saberes e de acesso a informação, embora ainda, de certa maneira, elitizado, mas que de alguma forma estabelece um ponto de partida para a compreensão e assimilação de novas maneiras de se compreender as identidades culturais, tomando como exemplo as identidades queer em questão.

Portanto, se o aporte teórico sobre essa temática é de tal maneira reduzido, é imprescindível que se tenha mais olhares críticos sobre o discurso publicitário que é produzido atualmente, levando em consideração o peso simbólico que a publicidade carrega em nossa sociedade e a capacidade transformadora de sua pedagogia e currículo culturais.

Como explica Rodrigues (2008),

“a representação do estereótipo no discurso midiático reproduz e potencializa o caráter reducionista, facilitando a recepção, porém dificultando o esclarecimento e a qualificação sobre o que está sendo tratado, já que vem delimitado em julgamentos morais prévios, em preconceitos.

Essa representação na mídia reforça o caráter normativo da sociedade, o que é percebido nos estereótipos.” (RODRIGUES, 2008. p. 39)

O autor explica que o tratamento despendido aos homossexuais pela mídia, se divide em dois aspectos: o primeiro, voltado para a mídia comercial, não segmentada no nicho gay friendly3, que explora a temática das minorias, delimitada em dois estereótipos: o “bobo da corte”, de um caráter humorístico, como a figura do homem homossexual que é sempre tratado em tom jocoso e serve de apoio para uma figura feminina heterocentrada, geralmente sem nenhuma outra identidade além do melhor amigo gay que eleva o humor da protagonista;

ou toma forma do estereótipo “marginal”, no sentido de ser o vilão de uma trama, que rompe ao padrão normativo de condutas sociais. O segundo aspecto, retrata um discurso sobre as minorias enquanto protagonistas da história, no sentido afirmativo, o que tem se tornado mais recorrente. (RODRIGUES, 2008. p. 39) Estas questões entram em pauta de maneira tímida ao atender as homossexualidades, como indica Rodrigues (2008), se tornando presente na mídia em geral na virada para o século XXI, ao se compreender que estas identidades também são, dentre outras práticas, de consumidores. Daí a segmentação de mercado encontra mais um público a ser explorado, como o autor indica, “à medida que este consumidor se insere socialmente via mercado GLS, a classe média das minorias sexuais expande suas práticas", essas identidades se unem nessa subcultura de atitudes e de consumo de produtos e serviços que parecem demarcar a diferença e a alteridade. (RODRIGUES, 2008. p.42)

A visibilidade dos homossexuais é maior hoje do que em qualquer outro período da história moderna; desde o ano de 1969, que pode ser considerado como um marco na história do movimento LGBTQIA+ (embora à época o acrônimo utilizado refletisse apenas Gays, Lésbicas e Simpatizantes – GLS), já que na noite de 28 de junho de 1969, um bar frequentado por homossexuais, travestis e drag queens em Nova Iorque, chamado Stonewall Inn, foi invadido pela polícia, um ato corriqueiro onde prendiam e agrediam aleatoriamente seus frequentadores, porém neste dia, os frequentadores do bar reagiam aos ataques, atingindo policiais com garrafas e pedras e gritando palavras de ordem. A batalha que se tornou um marco da luta gay, foi finalizada depois de cinco dias com o apelo do prefeito da cidade pelo fim da violência policial. O ato foi amplamente divulgado na mídia e desde então, o dia 28 de junho é comemorado por mais 140 países, não apenas como dia do Orgulho Gay, mas como Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. (NUNAN, 2015, p. 60)

Por essa época, em meados da década de 1970, há os primeiros resquícios de uma

3 Alternativo: LGBT friendly, diz-se de empresas/marcas que aceitam, apoiam e lutam em favor da diversidade e das causas respectivas ao movimento LGBTQIA+.

publicidade norte-americana voltada para gays e lésbicas, em conformidade com o avanço dos Estudos Culturais e de temáticas pós-estruturalistas – como a própria Teoria Queer, fortemente influenciada pelas obras de Michel Foucault, que era homossexual, e em seguida protagonizada pela pesquisadora Judith Butler, que é uma mulher lésbica. Enquanto essa visibilidade midiática propiciava um cenário onde essas identidades culturais marginalizadas podiam ser apresentadas em imagens da mídia, o cenário onde elas ocorriam, demarcado por uma efervescência cultural desses nichos marginalizados, era também um forte antro conservador e repressivo, não apenas nos Estados Unidos, como também no Brasil, que nessa época vivia sua fase de Ditadura Militar, onde, não é necessário descrever, as identidades queer não eram sequer concebidas.

Nesse período também a publicidade sofreu com a censura do discurso midiático, sendo ela mais uma regulação moral do que política, conforme Petrônio (2001, apud RODRIGUES 2008). É nesse cenário onde surgem as primeiras referências de uma produção publicitária voltada para a representação dessas identidades queer, que perdura, na verdade, até os dias atuais, embora algumas empresas tenham superado o receio de serem discriminadas pelos seus consumidores heterossexuais mais conservadores, como explica Rodrigues (2008), “a rejeição de marcas que assimilem as minorias em seus discursos e suas estratégias mercadológicas é fato". (RODRIGUES, 2008, p.43)

Temos aqui, portanto, o histórico da representação simbólica da imagem do homossexual na mídia, que em seguida se desvencilha na representação de outras identidades queer, sendo tais representações carregadas de preconceitos e estereótipos da visão heterocentrada de uma identidade diferente do padrão. De acordo com Nunan (2015), o preconceito sendo definido como uma postura hostil ou negativa direcionada a determinado grupo, que se baseia em generalizações nem corretas nem completas, estas generalizações, ou representações mentais, são chamadas de estereótipos.

O estereótipo, portanto, é atribuir características ou motivos idênticos a qualquer pessoa de um grupo, independente de qualquer variação individual existente entre aquelas pessoas que compõem dito grupo. Os estereótipos são causa e consequência do preconceito e ambos (estereótipo e preconceito), são fatores que geram a discriminação. O preconceito, como indica Nunan, é uma atitude que envolve três componentes: o afeto (sentimentos direcionados a um grupo de indivíduos), a cognição (os estereótipos) e o comportamento (a

discriminação). (NUNAN, 2015. p.37) A autora segue ao dizer que,

“as causas sociais do preconceito (aprendizagem, conformidade e categorização) sugerem que este fenômeno é criado e mantido por forças sociais e culturais. Assim, de acordo com a teoria da aprendizagem social, preconceitos e estereótipos seriam parte de um conjunto de normas sociais, isto é, as crenças de uma sociedade acerca dos comportamentos que são corretos e permitidos. Visto que estas crenças não são universais, o que é aceitável para uma cultura pode não o ser para outra.” (NUNAN, 2015. p.43)

Assim, a representação de identidades queer por meio do discurso publicitário podem e devem influenciar a maneira pela qual estas mesmas identidades são visualizadas e inseridas no imaginário coletivo da sociedade mesma na qual vivem. Pode-se criar um caminho para a legitimidade dessas identidades, ao mesmo tempo em que uma representação estereotipada tem sérias implicações, porque não afeta apenas a visão que a sociedade heterossexual possui dessas identidades queer, mas também afeta a imagem que essas pessoas têm de si próprias. Tal como mencionado por Nunan (2015), “os meios de comunicação de massa têm um enorme poder em alterar crenças arraigadas, estimulando o debate e um diálogo mais franco sobre a sexualidade”.

No entanto, como Rodrigues indica, existe o tabu de se utilizar da temática da diversidade de gênero e sexualidade ou do direcionamento de comunicação para este público, embora algumas marcas tenham superado esse tabu; como é o caso das marcas que terão suas peças analisadas nesta pesquisa, Avon, Natura e O Boticário, sendo estas três, partes do mesmo mercado, o de produtos de beleza e cosméticos, pois, como vimos, fazem parte do mercado de consumo desse público queer. Ainda assim, existem protestos por parte de grupos da sociedade que são contrários a inclusão das minorias contra essas marcas que se inserem no “mercado gay”; entretanto, como Rodrigues explica, o receio de encarar esses boicotes não inibe algumas empresas, que se utilizam principalmente de sites como o YouTube para veicular anúncios com a temática da diversidade de gênero e sexualidade. (RODRIGUES, 2008. p.43)

O segmento de mercado de consumo gay tem se mostrado atuante o suficiente para que empresas cada vez mais esbocem um aceno para as questões minoritárias, ao que se discute amplamente no meio LGBTQIA+, pelo poder aquisitivo do pink money, que seria

justamente o poder aquisitivo e a ação de consumo que circulam em meio a essa subcultura das identidades queer como um todo, além disso, como explica o professor Silvio Sato4,

“muito mais do que lucro, elas [as marcas] sabem seu papel [do público LGBTQIA+] como formadoras de opinião e por isso se posicionam a favor do tema”. É necessário entendermos então, qual discurso está sendo veiculado por tais empresas que se apropriam do mercado de consumo queer, procurando observar quais representações estão sendo estabelecidas nesse processo simbólico midiático, para alcançarmos a compreensão de um discurso publicitário livre de preconceitos e que possa realmente participar ativamente na reprodução dessas identidades culturais subversivas, mas que não são mais subalternizadas e encontram suas próprias maneiras de existir e de representar suas identidades em meio as sociedades contemporâneas, cujas existências eram negadas há não muito tempo atrás.

4 Entre erros e acertos, marcas avançam no marketing LGBT. Disponível em:

<https://exame.com/marketing/erros-acertos-marcas-marketing-lgbt/> Acesso em: 15 nov. 2020

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