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O DISCURSO PUBLICITÁRIO E A REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADES QUEER

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Academic year: 2022

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CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTE – CCHLA DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – DECOM

BACHARELADO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

CAMILA FERREIRA CHAVES

O DISCURSO PUBLICITÁRIO E A REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADES QUEER

NATAL/RN DEZEMBRO, 2020

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O DISCURSO PUBLICITÁRIO E A REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADES QUEER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito às exigências da disciplina Projeto Experimental em Publicidade e Propaganda (PUB0001), do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Prof. Me. John Willian Lopes

NATAL/RN DEZEMBRO, 2020

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O DISCURSO PUBLICITÁRIO E A REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADES QUEER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, com habilitação Publicidade e Propaganda, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Trabalho apresentado em 03/12/2020.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

Prof. Me. John Willian Lopes (Orientador)

_____________________________________

Prof. Dr. Prof. Dr. Breno da Silva Carvalho (Interno)

_____________________________________

Profa. Dra. Denise Carvalho dos Santos Rodrigues (Externa)

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Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Chaves, Camila Ferreira.

O discurso publicitário e a representação de identidades queer / Camila Ferreira Chaves. - Natal, 2020.

63f.: il. color.

Monografia (Graduação em Comunicação Social) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Arte, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020.

Orientador: Prof. Me. John Willian Lopes.

1. Discurso publicitário - Monografia. 2. Representação - Monografia. 3. Diversidade - Monografia. 4. Identidade queer - Monografia. I. Lopes, John Willian. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 659.1

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710

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A toda comunidade queer, desviada e transviada, que desde sempre me acolhe, ensina e problematiza minhas ideias e comportamentos, na procura de construirmos uma sociedade igualitária, livre de amarras e preconceitos.

À minha mãe e ao meu pai, pela interminável dedicação, suporte e paciência.

Aos meus irmãos, pela força de vontade e pela coragem de tentar lutar por um mundo melhor.

Aos meus amigos e amigas, que sempre estiveram presentes quando pensei em desistir, para palavras de apoio e puxões de orelha.

Ao meu querido orientador, por não ter desistido dessa jornada junto a mim.

Aos que compõem essa banca avaliadora, que fazem parte de um processo importante de crescimento pessoal meu e se dedicam tanto pela educação, mesmo em tempos de pandemia.

Por fim, agradeço a minha resiliência, depois de quase desistir incontáveis vezes, enfim consegui vencer a autossabotagem.

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história única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso.”

Chimamanda Ngozi Adichie

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O presente estudo tem como foco abordar o discurso publicitário na representação de identidades culturais queer (desviantes de sexualidade e gênero). O objetivo geral é analisar de que forma se dá essa representação de gênero e sexualidade, investigando a publicidade brasileira e qual a importância que ela exerce na representatividade dessas identidades queer, no Brasil dos dias atuais. Essa abordagem se justifica na necessidade de compreender e debater os processos culturais que perpassam a construção de identidades culturais, de grupos marginalizados como “minorias” de gênero e sexualidade, para entender qual representatividade lhes é dada pela publicidade brasileira contemporânea. O estudo consiste em uma pesquisa de caráter exploratório, a partir da coleta de dados e do levantamento bibliográfico. Por meio de uma análise do discurso, empregando algumas categorias e critérios apresentados por Magalhães (2005), na representação dos corpos/sujeitos desviantes, pode-se perceber a qualidade representativa da linguagem publicitária dessas identidades, ainda que de forma segmentada, comprovando que ainda há espaço para essas representações midiáticas.

Palavras-chave: discurso publicitário; representação; diversidade; identidade queer.

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This study focuses on addressing the advertising discourse in the representation of queer cultural identities (deviants of sexuality and gender). The general objective is to analyze how this representation of gender and sexuality occurs, investigating brazilian advertising and what importance it plays in the representation of these queer identities in Brazil today. This approach is justified by the need to understand and debate the cultural processes that permeate the construction of cultural identities, of marginalized groups such as “minorities” of gender and sexuality, to understand what kind of representativeness is given to them by contemporary brazilian advertising. The study consists of an exploratory research, based on data collection and bibliographic survey. Through a discourse analysis, employing some categories and criteria presented by Magalhães (2005), in the representation of deviant bodies / subjects, one can perceive the representative quality of the advertising language of these identities, even if in a segmented way, proving that there is still space for these media representations.

Keywords: advertising discourse; representation; diversity; queer identity.

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Figura 1 – Categorias para estudo do gênero discursivo publicitário…...…...…..…37

Figura 2 – #AVONPRIDE……….…………...………..…41

Figura 3 – #ÉpraOlharMesmo………..…….…………...………..…43

Figura 4 – Natura Faces apresenta………..…….…..45

Figura 5 – Coleção do amor de Natura Faces………..…..48

Figura 6 – Dia dos Namorados, cena inicial………..…..…..49

Figura 7 – Revelação dos casais reais………..…..51

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1. INTRODUÇÃO………...…………10

2. PUBLICIDADE………...…16

2.1 Publicidade: currículo cultural e discurso simbólico ………16

2.2 Publicidade e o mercado queer: representação e estereótipos.……….………21

3. GÊNERO E SEXUALIDADE……….……….…………....…..27

3.1 Sexualidade: origem e construção identitária..……….…….27

3.2 Gênero: dos estudos feministas a uma teoria queer………...………32

4. ANÁLISE DE DISCURSO……….………36

4.1 Avon………39

4.2 Natura……….………....…44

4.3 O Boticário………...……….……….……48

CONSIDERAÇÕES FINAIS………..………...………52

REFERÊNCIAS………..54

ANEXO A..………..………56

ANEXO B………..………..………60

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1. INTRODUÇÃO

A visibilidade de questões que tratam sobre a diversidade de gênero e sexualidade, nos dias atuais, trazem em seu mais íntimo, questões e relações de poder. Judith Butler discorre, em Problemas de Gênero, sobre como tal poder parece ser mais do que uma troca substancial entre sujeitos, ou uma relação de inversão constante entre um sujeito e um Outro, parecendo operar na própria produção dessa estruturação binária, que constrói o ser masculino e o Outro feminino. Questiona-se a autora,

“o que acontece ao sujeito e à estabilidade das categorias de gênero quando o regime epistemológico da presunção da heterossexualidade é desmascarado, explicitando-se como produtor e reificador dessas categorias ostensivamente ontológicas?” (BUTLER, 20018. p.8)

Para Butler (2018, p.13), “a complexidade do conceito de gênero exige um estudo interdisciplinar e pós-disciplinar de discursos”, que envolve principalmente os campos de Estudos Culturais, conforme explica Sabat (2001, p.9), já que as representações de gênero e sexualidade são operadas por meio de determinadas pedagogias e de um determinado currículo cultural, que existe em diversas instâncias sociais e se dá por meio de diferentes artefatos culturais, dentre os quais se encontra a publicidade.

Considerando-se a publicidade como um artefato cultural da nossa sociedade e que, portanto, é formulado e interpretado pelas pessoas que compõem tal sociedade — independente da classe social, etnia, gênero ou sexualidade do indivíduo —, a publicidade opera como um mecanismo de representação das identidades que a constroem enquanto artefato cultural, ao mesmo tempo em que atua na construção de um certo tipo de ideal do que se deve ou não consumir ou de que forma se deve agir, vestir, comportar, ser. Assim sendo, a publicidade, na representação de seus valores, atua na determinação ou na reiteração de um padrão de identidade hegemônico, um valor de ser centrado no corpo heterossexual, cisgênero e caucasiano.

No entanto, mudanças efetivas vêm ocorrendo no imaginário coletivo e no meio acadêmico, da sociedade pós-moderna, no que diz respeito aos questionamentos sobre o que é ser; o que é a sexualidade; e mais recentemente, o que é o gênero. Durante as últimas décadas,

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o movimento LGBTQIA+1 vem se tornando uma temática importante na perspectiva da inclusão social, tomando um grande impulso do que era marginalizado a nichos culturais para o mainstream, que principalmente as mídias sociais digitais possibilitam. Desde meados da década de setenta — que foi marcada pela efervescência cultural e inovações estéticas —, as demandas sociais e políticas desse movimento alimentam os processos de luta por igualdade de direitos sociais e políticos, em todo o mundo, embora se encontrem em estágios muito diferentes. É possível encontrar países nos quais a igualdade de direitos foi atingida enquanto que em outros, não há abertura, de maneira que é uma questão subterrânea, sem poder vir à tona (TEIXEIRA, 2010). No Brasil, o aumento gradual de visibilidade das questões de gênero e sexualidade, vem acompanhado também, em contrapartida, de um aumento de ideais e discursos conservadores e LGBTfóbicos. Isso é demonstrado, na prática, pelos números de violência contra a vida das pessoas LGBTQIA+, sendo o Brasil o país que mais mata essas pessoas no mundo, conforme indica o levantamento2 do Grupo Gay da Bahia, registrou-se 445 casos de assassinatos de homossexuais em 2017, e entre 2008 e junho de 2016, 868 travestis e transexuais perderam a vida de forma violenta.

Assim, a justificativa desta pesquisa se dá através da necessidade de compreender e de debater os processos culturais que permeiam a problemática em questão, sendo eles, a construção de identidades culturais de gênero e sexualidade e a sua representação através da publicidade, ou mais especificamente, se existe a representatividade de identidades subversivas de gênero e sexualidade no discurso da publicidade brasileira contemporânea e como se dá a representação midiática dessas identidades, aqui tratadas como identidades queer. Sendo queer um termo guarda-chuva de origem anglo-saxônica, que inicialmente significava uma ofensa, justamente contra pessoas que não se designavam ou não assumiam comportamentos socialmente determinados como masculinos, para homens, ou femininos, para mulheres.

A palavra queer foi reapropriada a partir do surgimento da Teoria Queer, que visa dar voz e espaço para as identidades de gênero e sexualidades fora de um padrão normativo socialmente imposto; a explicação para a escolha desse termo, nesta pesquisa, se dá portanto, na intenção de reapropriar e deslocar esses significados que implicam na equação de que para

1 LGBTQIA+ significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Travestis, Queer, Interssex, Assexual e demais identidades fora da definição cis-heterossexual.

2 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-homossexuais- no-mundo> Acesso em: 20 out . 2020.

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ser diferente, uma coisa precisa ser ruim, o que absolutamente se considera uma inverdade neste trabalho; então, deslocando este significado para a inclusão do diferente como algo único, subversivo e igualmente importante ao que se enquadra como padrão socialmente aceitável.

Com base em teorias pós-estruturalistas, de onde nasce a Teoria Queer — protagonizada pela pesquisadora Judith Butler —, criou-se precedentes nos estudos sobre a representatividade e a diversidade de gênero e sexualidades. Dessa forma, essa pesquisa surge também como um acréscimo sutil ao aporte teórico e acadêmico dos estudos de gênero e da teoria queer, ao tratar sobre o discurso publicitário na representação dessas identidades divergentes do padrão socialmente reificado, a subversão do gênero e as mais diversas sexualidades.

Portanto, o objetivo geral desta pesquisa é o de analisar como se dá a representação de gênero e sexualidade na publicidade brasileira e qual a importância que ela exerce na representatividade dessas identidades queer, no Brasil dos dias atuais.

Como objetivos específicos apontam-se os seguintes:

- Conceituar o conjunto de métodos que a publicidade se utiliza na construção do seu discurso, na representação de identidades culturais;

- Identificar os processos históricos e culturais que culminam nos atuais estudos sobre as diversidades de gênero e sexualidade, no campo da comunicação;

- Realizar um levantamento de peças publicitárias que trazem a representação de gênero e sexualidades subversivas ao padrão heteronormativo e de binarismo de gênero, a fim de obter uma amostra de casos que sirvam para a análise neste trabalho.

Para a construção do referencial teórico, este trabalho divide-se em três etapas, separadas da seguinte maneira: Publicidade; Gênero e Sexualidade; Estudos de caso. A primeira etapa, sobre a publicidade enquanto artefato cultural na construção de um discurso simbólico de representação midiática, aqui tratado como “pegadogia da publicidade”. Além de realizar um levantamento histórico sobre o papel da publicidade na representação dessas identidades culturais, busca-se também entender os elementos que compõem o discurso publicitário na reprodução das representações culturais, diferenciando a publicidade enquanto

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ferramenta e estratégia para segmentação de mercado, nesse caso, especificamente, voltando- se para o público LGBTQIA+, ou conforme trataremos nesta pesquisa o público queer.

A tratativa do gênero e da sexualidade parte do princípio histórico de causas sociais e da ascensão de questões das “minorias” LGBTQIA+, numa perspectiva de retomar o percurso histórico onde surgiram e ressurgiram as identidades lésbicas, homossexuais, bissexuais, transgênero, queer; para que se entenda como essas identidades culturais constituídas se relacionam com os mecanismos de representação, tal qual a publicidade, nos mais diferentes âmbitos e instâncias culturais.

Os antecedentes dos estudos da sexualidade partem desde a Antiguidade, mas a subversão desses estudos é um campo bem mais atual; da mesma forma, o gênero nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente, a depender do contexto histórico. Além disso, os estudos de sexualidade e gênero devem sempre estabelecer intersecções com outras modalidades e instâncias culturais a ver, como questões étnicas, regionais, de classe, etc.

Por fim, a análise do corpus se dará através de um exame crítico do discurso publicitário, por meio de um levantamento de peças veiculadas no Brasil, que servirão como casos para o estudo sobre a representatividade de gêneros e sexualidades divergentes. Estas peças foram selecionadas de acordo com o estudo Oldiversity (2017), que realizou uma pesquisa exploratória de levantamento e análise de informações em conjunto a uma entrevista que reuniu 1.814 respostas em um formulário online, para investigar como as marcas estão ligadas à longevidade e diversidade de orientação sexual, gênero, raça e pessoas com deficiência. Na lembrança espontânea do Top of Mind das marcas que atendem o propósito Oldiversity, as mais citadas foram O Boticário, Natura e Avon, sendo este segmento de mercado, de cosméticos e beleza, de longe o mais citado nesta mesma pesquisa, o que também será levado em consideração ao decorrer desta análise.

Esta pesquisa buscará sua abordagem metodológica nos conformes de uma pesquisa qualitativa, pois essa, para Minayo (2001, apud GERHARDT & SILVEIRA 2009), trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Com base nos objetivos, de acordo Gil (2007, apud GERHARDT & SILVEIRA 2009), a pesquisa exploratória visa proporcionar maior familiaridade com o problema (tema),

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com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Sendo o ponto principal deste projeto, uma análise objetiva do diálogo entre a publicidade e o audiovisual na representação das identidades culturais, nesse caso, as identidades queer; por meio de um levantamento bibliográfico e pela análise de exemplos que estimulem a compreensão. Essas pesquisas podem ser classificadas como: pesquisa bibliográfica e estudo de caso.

A coleta de dados se dará através de uma pesquisa bibliográfica, de acordo com GERHARDT & SILVEIRA (2009), considerada mãe de toda pesquisa, onde obtêm-se dados através de fontes escritas, impressas em editoras, comercializadas em livrarias e classificadas em bibliotecas. Além da pesquisa bibliográfica, será realizada uma pesquisa documental, conforme GERHARDT & SILVEIRA (2009, p. 69), realizada a partir de documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente autênticos, como documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, filmes, gravações, gravuras, etc.

Além da coleta de dados já existentes, pretende-se realizar a análise dos estudos de caso, selecionados conforme o descrito sobre o estudo Oldiversity (2017); utilizando para tal de uma análise crítica do discurso publicitário, que se utiliza de todo o processo desenvolvido no projeto, desde o levantamento bibliográfico sobre a publicidade enquanto artefato cultural de representações, seguindo pelo levantamento histórico da ascensão das identidades culturais subversivas de sexualidade e gênero, até a curadoria das peças publicitárias que servirão então como ponto de partida para a síntese da análise crítica.

Trazemos uma abordagem da Análise de Discurso através das ideias de Magalhães (2005) e Knoll (2019), que utilizam das ideias de Fairclough no que diz respeito as dimensões do discurso (textual, prática discursiva e prática social); além disso, também utilizamos das ideias de Souza (1997) e Silva et al (2019), que tratam do texto para a formação discursiva e da materialidade da imagem, para, por fim, compreender o processo de construção do discurso em sua formação ideológica.

Ao decorrer desta pesquisa, serão considerados diversos termos e alcunhas que fazem parte da dialética e do discurso da diversidade sexual e de gênero, para tanto, notas foram tomadas ao longo do corpo do texto, mas também trazemos, de maneira didática, um Manual de Comunicação LGBT (2015), em forma de anexo ao fim da pesquisa, este que foi desenvolvido pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e

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Transexuais (ABGLT), para que sirva também como forma de agregar os assuntos que pretendem aqui ser discutidos e, quem sabe, como um aporte teórico para futuras leituras.

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2. PUBLICIDADE

Nesta etapa, buscou-se compreender a publicidade enquanto artefacto cultural, a sua produção de sentidos na construção de um discurso simbólico de representação midiática, aqui tratado como “pedagogia da publicidade”. Utilizando das ideias propostas por Sabat (2001) e Rodrigues (2008), bem como alguns conceitos trazidos por Martino (2014) e Rocha (1995), sobre o poder simbólico da publicidade na representação das identidades culturais, procurando entender de que maneira se dá esse processo de representação, principalmente no âmbito da Comunicação de Massa.

Procurou-se também determinar, por meio das ideias de Trindade (2012) e Magalhães (2005), o significado do discurso publicitário nesse cenário da Indústria Cultural, para então podermos definir a publicidade enquanto ferramenta e estratégia para segmentação de mercado, utilizando alguns conceitos vistos em Kotler (2017), mais especificamente nesse caso, a publicidade voltada para o público LGBTQIA+, conforme tratam Rodrigues (2008) e Nunan (2015), na representação e representatividade de identidades subversivas de gênero e sexualidade, que aqui são tratadas como identidades queer, para entender, junto a Nunes e Heck (2017), quais significações são produzidas a partir das representações publicizadas.

2.1 Publicidade: currículo cultural e discurso simbólico

O papel da publicidade nos dias atuais vai além de apenas influenciar o consumo ou produzir o desejo de compra, ela está inserida em um sistema social, em que influencia ao mesmo tempo que é influenciada por este. Segundo Sabat (2001), a publicidade se coloca enquanto agente e artefacto cultural, que se constitui da representação da sociedade em que se insere, enquanto produz, ao mesmo tempo, identidades e valores almejados pela própria sociedade, ela comporta um tipo de pedagogia e de currículo cultural que

“produzem valores e saberes; regulam condutas e modos de ser;

(re)produzem identidades e representações; constituem certas relações de poder e ensinam modos de ser mulher e de ser homem, formas de feminilidade e de masculinidade”. (SABAT, Ruth. 2001)

Dessa forma, para a autora, a publicidade (re)afirma valores e hábitos, não inventando discursos, mas se apropriando deles para seus determinados propósitos. Por meio

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do discurso publicitário, que então se apropria destes significados que circulam nas relações sociais, a publicidade estabelece relações de pessoalidade entre as marcas e os consumidores, agregando valores simbólicos nessa relação, que culminam no desejo de consumo, ao mesmo tempo em que naturaliza esses mesmos valores e significados representados em seu discurso.

Como afirma Sabat (2001), a publicidade trabalha a partir de um currículo cultural que é constituído e constitui das mesmas trocas e relações sociais; tal currículo faz parte de uma pedagogia específica, que possui um vasto repertório de significados, estes que constituem as identidades culturais hegemônicas, inclusive nas relações de gênero e sexualidade existentes na sociedade. Acima de tudo, a publicidade busca ainda criar um sentimento positivo no consumidor, esse sentimento pode não estar necessariamente inscrito em sua mensagem, mas sim em sua intenção.

Rodrigues (2008) concorda com essas ideias, ao dizer que a publicidade por si só já sugere um potencial consumidor e, assim sendo, se insere no contexto da sociedade de consumo. Para ele, o entendimento de consumo perpassa por estudos interdisciplinares, que levam em consideração não apenas a área de estudo como a época em que se investiga. O autor cita que os estudos brasileiros sobre a temática do consumo, centrados principalmente na Antropologia, demarcam o seu foco principalmente em grupos marginalizados, que aqui importam principalmente nas questões de gênero e sexualidade.

Em sua intenção de gerar o desejo de consumo, seja de um produto ou de uma ideia, a publicidade se utiliza dessa pedagogia que narra os sujeitos como seres livres e, portanto, capazes de constituírem suas próprias identidades e criarem seus próprios valores, mesmo que culturalmente adquiridos, ao mesmo tempo em que “opera com mecanismos de (auto) controle e (auto) regulação, normatizando as relações sociais através da materialização de imagens.” (SABAT, 2001, p.14)

A publicidade se ancora como uma das práticas mais abrangentes da nossa sociedade de consumo, sendo, conforme explica Martino (2014), a forma mais visível dessa ligação entre a imagem constituída na mídia e o produto específico que se quer vender. Conforme Baudrillard (1995, apud MARTINO 2014), a publicidade opera na transformação desse objeto em um signo, melhora suas qualidades, tornando-o necessário para o consumo, eliminando quaisquer resquícios de imperfeição, transformando o produto em uma versão aperfeiçoada de si mesmo.

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Para Rodrigues (2008), porém, a realidade que se mostra tem chamado atenção para muito além do controle da publicidade sobre o consumo, “o ato da compra e o uso de produtos (bens e serviços) permitem que sejam revelados fenômenos do cotidiano”

(RODRIGUES, 2008, p.16). Nesse sentido, os Estudos Culturais se tornam referência para captar, para além da estrutura de produção da publicidade, o sentido que os meios de comunicação e a indústria da cultura produzem nos consumidores, como isso muda com o passar do tempo, ao passo em que a publicidade se adequa às mudanças estruturais na sociedade e na cultura.

Conforme Trindade (2012) explica, os padrões encontrados na produção do discurso publicitário seguem as transformações do mundo globalizado,

“da mesma forma que o inglês é atualmente a língua universal do sistema global, entendemos que o discurso da publicidade, enquanto linguagem, é uma espécie de língua universal do sistema global, que ajuda a construir modelos e padrões de comportamento junto às sociedades[…]. Esse padrão universal/global se mistura ao nacional/regional/local, ou seja, negando-se enquanto universal/global, para se afirmar como nacional/regional ou local, mas que em um nível profundo procura se afirmar como universal/global”.

(TRINDADE, 2012, p. 15)

Para o autor, as diferenças socioeconômicas, políticas e culturais nesses âmbitos global/nacional/local, levam à confrontação entre valores universais de mercado versus valores de mercados nacionais, regionais ou locais, o que acaba por provocar tensões entre valores culturais universais versus valores culturais nacionais, regionais ou locais.

(TRINDADE, 2012, p. 15) A maneira com que a indústria cultural se utiliza dessas apropriações permite então visualizar o lado oposto da emissão, centrado no sujeito que recebe a mensagem, entendendo o sentido e a reprodução que as mensagens e os objetos têm no cotidiano de tais sujeitos. (RODRIGUES, 2008) De fato, o mundo refletido de dentro da Indústria Cultural é fascinante: são inúmeras as possibilidades que circulam diante de nossos sentidos; o universo de especulação simbólica que a Comunicação de Massa projeta é, provavelmente, a mais formidável máquina de criação do imaginário coletivo contemporâneo.

Por isso que esta questão desafia estudiosos das mais diversas áreas de conhecimento, desde as primeiras décadas do século XXI. (ROCHA, 1995, p.24)

A publicidade é um elemento central nesse cenário de Comunicação de Massa que vivemos atualmente. Aliás, este cenário é o mais propício até então para a produção e

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reprodução de valores que se ancoram na publicidade; graças ao alcance midiático proporcionado principalmente pela Internet, mas também devido as mudanças na própria maneira com que se consome e se produz a publicidade atualmente; centrando os significados nos próprios consumidores cujos busca alcançar, visto que o discurso publicitário não é autônomo, mas sim simbólico. Ao que Rocha (1995) coaduna, ao dizer que a publicidade, enquanto narrativa de consumo, estabelece um elo entre a esfera da produção, materialidade do produto (anti-humano) e a emotividade, significação e humanidade dos atores sociais (fortemente humanizados); “ela [a publicidade] é do território ‘simbólico' encravado no reino da razão prática." (ROCHA, 1995, p.154)

Acima de tudo, quando a publicidade fala, somos nós mesmos que estamos falando, ou melhor, ela se refere ao cenário em que se insere, mesmo que de maneira idealizada e ainda que construa simulacros onde a imperfeição não existe, o seu discurso é posto em prática de forma a atingir com perfeição o seu público, utilizando para isso de qualidades humanas, que são também mutáveis e intercambiáveis. É neste âmbito, portanto, que as questões relacionadas às minorias sociais passam a ser pontos cruciais no que diz respeito à produção da Comunicação de Massa, principalmente por meio do discurso publicitário. Isso porquê, se tomamos a publicidade como o artefacto de produção de sentidos, podemos então compreender todo o aparato social de uma determinada cultura, através simplesmente da apreciação das imagens publicitárias veiculadas naquela sociedade ou naquela cultura.

Como indica Magalhães (2005), o discurso publicitário é simbólico pois é desenvolvido, reproduzido e transformado pelas práticas sociais da mídia: na busca por consumidores em potencial, o discurso publicitário direciona os valores e a própria imagem do ‘eu’ e do ‘Outro’, provocando alterações nas relações entre as identidades de gênero. A autora explica que as ‘vozes’ femininas e masculinas “são mediadas por aspectos semióticos, por vocabulário, por coesão, gramática, intertextualidade e interdiscursividade”.

(MAGALHÃES, 2005, p. 242)

Sabat (2001) concorda, ao definir que podemos observar como se dão as relações de poder dentro de uma determinada sociedade, quais os significados são relacionados ao papel das mulheres e quais são relacionados ao papel dos homens, ou como são representados as identidades e comportamentos masculinos e femininos ideais, ancorados socialmente.

Segundo a autora,

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“a teoria social contemporânea tem discutido a identidade em termos culturais, o que significa dizer que sua constituição é compreendida a partir de uma perspectiva na qual importam momentos determinados historica e culturalmente, que constituem identidades não definitivas, nem universais.

As identidades culturais são constituídas a partir das diferentes formas como grupos sociais se reconhecem entre si. Ou seja, as identidades culturais não são dadas a priori, não são preexistentes aos sujeitos, elas se constituem no processo de representação de um grupo, sempre em relação a outros grupos, que carregam características diferentes daquele que está sendo representado.” (SABAT, 2001)

No entanto, ao tratarmos de minorias sociais, obviamente, o discurso publicitário adotado não representa a maneira hegemônica com que determinada sociedade se comporta, ou seja, as identidades culturais (re)produzidas pelo discurso simbólico da publicidade subvertem os próprios princípios do ideal de sujeito e de valores que a publicidade busca representar, ao mesmo tempo em que se abre precedentes para a (re)produção de outras identidades culturais que, por si só, fogem da normatividade da mesma sociedade que se inserem. Para isso, a publicidade direciona o seu discurso, dividindo os seus nichos, como forma de criar uma atmosfera de representações e de representatividades de identidades outrora esquecidas ou apagadas.

É como se a publicidade, em sua inesgotável sabedoria persuasiva, pudesse finalmente enxergar o Outro, que não se conforma nem nunca se conformou às normas hegemônicas ou aos padrões normativos, seja no que diz respeito à classe social, etnia, ideologia, gênero, sexualidade, etc. Não apenas a publicidade passa a enxergar essas diferentes identidades, como também, e principalmente, passa a reproduzi-las, expondo suas imagens midiáticas, criando novos padrões ideais e novos valores, que já existiam mas não tinham o alcance que lhes é permitido agora.

Segundo Rodrigues (2008), esses segmentos são utilizados como parte da estratégia do discurso publicitário, a mercê da venda de produtos ou serviços, seja por meio de um processo de identificação dessas identidades queer com o discurso retratado, ou até mesmo através da inserção do público heterossexual cisgênero, por meio da polêmica causada pela construção de estereótipos e preconceitos voltados contra essas minorias.

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2.2 Publicidade e o mercado queer: representação e estereótipos

Conforme foi levantado, a publicidade, tomando forma através de seu discurso simbólico de (re)construção da realidade, é uma ferramenta e prática social que representa identidades culturais inseridas no mundo globalizado, sendo parte de uma relação de poder entre anunciantes e consumidores, estes que por sua vez, não são apenas meros receptores do texto publicitário, como trabalham também na própria construção desse discurso. Rodrigues (2008) parte do pressuposto que tal discurso publicitário não interage ideologicamente com a temática das identidades queer, visto que tal discurso não possui uma perspectiva de afirmação ou de inclusão social mas sim mercadológica; e que o rito da publicidade ao reproduzir tais relações e identidades, pode seguir um padrão de reprodução de práticas excludentes e preconceituosas.

Para o autor, é importante fugir da idealização de que o discurso publicitário, muito embora atenda ao anunciante em ditas práticas mercadológicas, possa entrar em um “curto- circuito” por considerar os ideais de inclusão social e a harmonização das diferenças, mesmo que para isso se comprometa ideológica e economicamente; de maneira que se possa refletir sobre a inserção da publicidade no conceito de responsabilidade social, para entender as possibilidades de uso do discurso publicitário como forma de sintonizar o respeito à diversidade e à cidadania, para enfim avaliar a quantas anda o regime de representação nesse aspecto, ponto chave neste trabalho aqui retratado. (RODRIGUES, 2008, p.38)

Rodrigues (2008) propõe a reflexão sobre a inserção da publicidade dentro do conceito de responsabilidade social, prática que vem sendo amplamente discutida nos últimos anos, visto que as marcas procuram cada vez mais se inserirem no âmbito do Marketing Social. Conforme Kotler (2017) explica, a inclusão tornou-se nova tendência, isso por quê as próprias estruturas de poder estão mudando. Em nível macro, o mundo avança em direção a uma estrutura de poder multilateral, não-hegemônica; em nível micro, as pessoas estão adotando a inclusão social, enquanto que as mídias sociais redefinem o modo como as pessoas interagem entre si. (KOTLER, 2017, p.21-24)

Dessa forma, é preciso haver um discernimento crítico das intenções do discurso publicitário, visto que não basta apenas que exista a representação midiática de minorias, anteriormente excluídas, mas também é necessário compreender como e porque tais representações são retratadas, de forma que se possa construir um discurso simbólico que fuja

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aos estereótipos e aos preconceitos. De acordo com Hoff (2012, apud NUNES; HECK 2017), a diversidade de representações retratadas nas peças publicitárias, cada vez mais tem posto em cheque a ebulição de temas que estão no cerne da formação sociocultural brasileira, antes apagados desse gênero midiático. A publicidade tem então promovido deslocamentos significativos dessas visibilidades, o que traz à tona os questionamentos sobre quais significações são realmente produzidas, a partir destas representações publicizadas. (NUNES;

HECK, 2017. p.2)

Em uma investigação realizada por Nunes e Heck (2017), por meio de um levantamento de pesquisas realizadas no Brasil, criou-se um aporte sobre o Estado da Arte da temática aqui debatida (Gênero, Identidade, Sexualidade, Corpo, Feminismo, Queer), o que retornou, conforme as autoras definiram, um corpus teórico composto de 61 pesquisas, divididas nas seguintes palavras-chave, dentro do universo publicitário: Publicidade, Propaganda, Publicização, Embalagem, Ponto de venda, Consumo e Anúncio. Destas 61 pesquisas, apenas uma retratou a temática Queer. (NUNES; HECK, 2017. p.8)

A importância desse levantamento para a pesquisa aqui presente, se dá no sentido de entender a que altura anda a exploração dessa temática, compreendendo a urgência de um corpus mais abrangente sobre estas questões emergentes no nosso cenário social, sendo o meio acadêmico uma das formas de disseminação de saberes e de acesso a informação, embora ainda, de certa maneira, elitizado, mas que de alguma forma estabelece um ponto de partida para a compreensão e assimilação de novas maneiras de se compreender as identidades culturais, tomando como exemplo as identidades queer em questão.

Portanto, se o aporte teórico sobre essa temática é de tal maneira reduzido, é imprescindível que se tenha mais olhares críticos sobre o discurso publicitário que é produzido atualmente, levando em consideração o peso simbólico que a publicidade carrega em nossa sociedade e a capacidade transformadora de sua pedagogia e currículo culturais.

Como explica Rodrigues (2008),

“a representação do estereótipo no discurso midiático reproduz e potencializa o caráter reducionista, facilitando a recepção, porém dificultando o esclarecimento e a qualificação sobre o que está sendo tratado, já que vem delimitado em julgamentos morais prévios, em preconceitos.

Essa representação na mídia reforça o caráter normativo da sociedade, o que é percebido nos estereótipos.” (RODRIGUES, 2008. p. 39)

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O autor explica que o tratamento despendido aos homossexuais pela mídia, se divide em dois aspectos: o primeiro, voltado para a mídia comercial, não segmentada no nicho gay friendly3, que explora a temática das minorias, delimitada em dois estereótipos: o “bobo da corte”, de um caráter humorístico, como a figura do homem homossexual que é sempre tratado em tom jocoso e serve de apoio para uma figura feminina heterocentrada, geralmente sem nenhuma outra identidade além do melhor amigo gay que eleva o humor da protagonista;

ou toma forma do estereótipo “marginal”, no sentido de ser o vilão de uma trama, que rompe ao padrão normativo de condutas sociais. O segundo aspecto, retrata um discurso sobre as minorias enquanto protagonistas da história, no sentido afirmativo, o que tem se tornado mais recorrente. (RODRIGUES, 2008. p. 39) Estas questões entram em pauta de maneira tímida ao atender as homossexualidades, como indica Rodrigues (2008), se tornando presente na mídia em geral na virada para o século XXI, ao se compreender que estas identidades também são, dentre outras práticas, de consumidores. Daí a segmentação de mercado encontra mais um público a ser explorado, como o autor indica, “à medida que este consumidor se insere socialmente via mercado GLS, a classe média das minorias sexuais expande suas práticas", essas identidades se unem nessa subcultura de atitudes e de consumo de produtos e serviços que parecem demarcar a diferença e a alteridade. (RODRIGUES, 2008. p.42)

A visibilidade dos homossexuais é maior hoje do que em qualquer outro período da história moderna; desde o ano de 1969, que pode ser considerado como um marco na história do movimento LGBTQIA+ (embora à época o acrônimo utilizado refletisse apenas Gays, Lésbicas e Simpatizantes – GLS), já que na noite de 28 de junho de 1969, um bar frequentado por homossexuais, travestis e drag queens em Nova Iorque, chamado Stonewall Inn, foi invadido pela polícia, um ato corriqueiro onde prendiam e agrediam aleatoriamente seus frequentadores, porém neste dia, os frequentadores do bar reagiam aos ataques, atingindo policiais com garrafas e pedras e gritando palavras de ordem. A batalha que se tornou um marco da luta gay, foi finalizada depois de cinco dias com o apelo do prefeito da cidade pelo fim da violência policial. O ato foi amplamente divulgado na mídia e desde então, o dia 28 de junho é comemorado por mais 140 países, não apenas como dia do Orgulho Gay, mas como Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. (NUNAN, 2015, p. 60)

Por essa época, em meados da década de 1970, há os primeiros resquícios de uma

3 Alternativo: LGBT friendly, diz-se de empresas/marcas que aceitam, apoiam e lutam em favor da diversidade e das causas respectivas ao movimento LGBTQIA+.

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publicidade norte-americana voltada para gays e lésbicas, em conformidade com o avanço dos Estudos Culturais e de temáticas pós-estruturalistas – como a própria Teoria Queer, fortemente influenciada pelas obras de Michel Foucault, que era homossexual, e em seguida protagonizada pela pesquisadora Judith Butler, que é uma mulher lésbica. Enquanto essa visibilidade midiática propiciava um cenário onde essas identidades culturais marginalizadas podiam ser apresentadas em imagens da mídia, o cenário onde elas ocorriam, demarcado por uma efervescência cultural desses nichos marginalizados, era também um forte antro conservador e repressivo, não apenas nos Estados Unidos, como também no Brasil, que nessa época vivia sua fase de Ditadura Militar, onde, não é necessário descrever, as identidades queer não eram sequer concebidas.

Nesse período também a publicidade sofreu com a censura do discurso midiático, sendo ela mais uma regulação moral do que política, conforme Petrônio (2001, apud RODRIGUES 2008). É nesse cenário onde surgem as primeiras referências de uma produção publicitária voltada para a representação dessas identidades queer, que perdura, na verdade, até os dias atuais, embora algumas empresas tenham superado o receio de serem discriminadas pelos seus consumidores heterossexuais mais conservadores, como explica Rodrigues (2008), “a rejeição de marcas que assimilem as minorias em seus discursos e suas estratégias mercadológicas é fato". (RODRIGUES, 2008, p.43)

Temos aqui, portanto, o histórico da representação simbólica da imagem do homossexual na mídia, que em seguida se desvencilha na representação de outras identidades queer, sendo tais representações carregadas de preconceitos e estereótipos da visão heterocentrada de uma identidade diferente do padrão. De acordo com Nunan (2015), o preconceito sendo definido como uma postura hostil ou negativa direcionada a determinado grupo, que se baseia em generalizações nem corretas nem completas, estas generalizações, ou representações mentais, são chamadas de estereótipos.

O estereótipo, portanto, é atribuir características ou motivos idênticos a qualquer pessoa de um grupo, independente de qualquer variação individual existente entre aquelas pessoas que compõem dito grupo. Os estereótipos são causa e consequência do preconceito e ambos (estereótipo e preconceito), são fatores que geram a discriminação. O preconceito, como indica Nunan, é uma atitude que envolve três componentes: o afeto (sentimentos direcionados a um grupo de indivíduos), a cognição (os estereótipos) e o comportamento (a

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discriminação). (NUNAN, 2015. p.37) A autora segue ao dizer que,

“as causas sociais do preconceito (aprendizagem, conformidade e categorização) sugerem que este fenômeno é criado e mantido por forças sociais e culturais. Assim, de acordo com a teoria da aprendizagem social, preconceitos e estereótipos seriam parte de um conjunto de normas sociais, isto é, as crenças de uma sociedade acerca dos comportamentos que são corretos e permitidos. Visto que estas crenças não são universais, o que é aceitável para uma cultura pode não o ser para outra.” (NUNAN, 2015. p.43)

Assim, a representação de identidades queer por meio do discurso publicitário podem e devem influenciar a maneira pela qual estas mesmas identidades são visualizadas e inseridas no imaginário coletivo da sociedade mesma na qual vivem. Pode-se criar um caminho para a legitimidade dessas identidades, ao mesmo tempo em que uma representação estereotipada tem sérias implicações, porque não afeta apenas a visão que a sociedade heterossexual possui dessas identidades queer, mas também afeta a imagem que essas pessoas têm de si próprias. Tal como mencionado por Nunan (2015), “os meios de comunicação de massa têm um enorme poder em alterar crenças arraigadas, estimulando o debate e um diálogo mais franco sobre a sexualidade”.

No entanto, como Rodrigues indica, existe o tabu de se utilizar da temática da diversidade de gênero e sexualidade ou do direcionamento de comunicação para este público, embora algumas marcas tenham superado esse tabu; como é o caso das marcas que terão suas peças analisadas nesta pesquisa, Avon, Natura e O Boticário, sendo estas três, partes do mesmo mercado, o de produtos de beleza e cosméticos, pois, como vimos, fazem parte do mercado de consumo desse público queer. Ainda assim, existem protestos por parte de grupos da sociedade que são contrários a inclusão das minorias contra essas marcas que se inserem no “mercado gay”; entretanto, como Rodrigues explica, o receio de encarar esses boicotes não inibe algumas empresas, que se utilizam principalmente de sites como o YouTube para veicular anúncios com a temática da diversidade de gênero e sexualidade. (RODRIGUES, 2008. p.43)

O segmento de mercado de consumo gay tem se mostrado atuante o suficiente para que empresas cada vez mais esbocem um aceno para as questões minoritárias, ao que se discute amplamente no meio LGBTQIA+, pelo poder aquisitivo do pink money, que seria

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justamente o poder aquisitivo e a ação de consumo que circulam em meio a essa subcultura das identidades queer como um todo, além disso, como explica o professor Silvio Sato4,

“muito mais do que lucro, elas [as marcas] sabem seu papel [do público LGBTQIA+] como formadoras de opinião e por isso se posicionam a favor do tema”. É necessário entendermos então, qual discurso está sendo veiculado por tais empresas que se apropriam do mercado de consumo queer, procurando observar quais representações estão sendo estabelecidas nesse processo simbólico midiático, para alcançarmos a compreensão de um discurso publicitário livre de preconceitos e que possa realmente participar ativamente na reprodução dessas identidades culturais subversivas, mas que não são mais subalternizadas e encontram suas próprias maneiras de existir e de representar suas identidades em meio as sociedades contemporâneas, cujas existências eram negadas há não muito tempo atrás.

4 Entre erros e acertos, marcas avançam no marketing LGBT. Disponível em:

<https://exame.com/marketing/erros-acertos-marcas-marketing-lgbt/> Acesso em: 15 nov. 2020

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3. GÊNERO E SEXUALIDADE

Neste ponto, retomando alguns conceitos previamente discutidos, por meio de Rodrigues (2008) e Nunan (2015), ao tratarem das representações de identidades culturais, será proposto uma breve retomada histórica sobre o surgimento de alguns conceitos-chave para esta pesquisa, especificamente, as questões de sexualidade; ancorando-se nos textos de Hall (2006) e Nunan (2015) para compreender a formação de uma identidade cultural e a definição dessa identidade nos moldes de uma representação desviante de sexualidade e de gênero.

Para isso, também utilizaremos dos trabalhos de Butler (2018), Louro (2001;2008) e de Rech e Schmidt (2017), ao definirmos as tratativas que implicam num novo deslocamento dos sujeitos pós-modernos, que assumem uma identidade não-binária de gênero e fora dos conformes do socialmente aceito na representação e na performatividade das sexualidades.

Partindo-se de tais conceitos, chegaremos a uma proposta identitária sobre sujeitos queer, compreendendo quais questões queremos tratar na próxima etapa de pesquisa, que será de uma análise crítica do discurso publicitário sobre a representação das identidades queer.

3.1 Sexualidade: origem e construção identitária

Nos últimos dois séculos, a temática da sexualidade passou a ser recorrente objeto de estudo de diversas áreas do saber, seja do ponto de vista da biologia, religião, psicanálise, antropologia, educação, etc. tornando-se uma questão amplamente discutida, através da qual muitas outras problemáticas são originadas, em se tratando de sua explicação, origem, ou até sua normatização através dos anos, tomando forma como parte ativa de uma relação de poder socialmente ratificada. Isso porquê, como explica Louro (2001), instituições tradicionais como o Estado, a igreja ou a ciência reivindicam sobre a temática da sexualidade as suas verdades e a sua ética,

“Foucault certamente diria que, contemporaneamente, proliferam cada vez mais os discursos sobre o sexo e que as sociedades continuam produzindo, avidamente, um ‘saber sobre o prazer’ ao mesmo tempo que experimentam o

‘prazer de saber’.” (LOURO, 2001. p.541)

Ao que Rodrigues (2008) teoriza, ao dizer que a sexualidade foi percebida a partir de

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construções históricas, principalmente de cunho científico e religioso, o que delineou a compreensão que se tem sobre as sexualidades, num âmbito contemporâneo. Os comportamentos sociais amparados nas condições biológicas de representação de papéis socialmente impostos a depender de um sexo biológico são características perpetuadas durante muitos anos e que só nas últimas décadas têm sido, minimamente, questionado.

(RODRIGUES, 2008. p.64)

Como o autor explica, até o século XVII, as diferenças atômicas que definiam o sexo biológico mostravam-se através de elementos míticos e arquetípicos para representar realidades distintas, mais precisamente, duas realidades distintas, que se limitavam aos órgãos reprodutores, ao que Nunan (2015) concorda, explicando que “a concepção científica de sexualidade era a do one-sex model: a mulher era entendida como sendo um homem invertido e inferior.” (NUNAN, 2015. p.16)

Estas noções de representação da sexualidade, dos dois sexos biológicos, ou conforme vimos, o sexo perfeito, do homem, e o Outro sexo, da mulher, eram o que se entendia como norma dentro de um padrão heterossexual; isto porque, como Louro (2001) vai explicar, a homossexualidade e o sujeito homossexual surgem apenas no século XIX, não porque antes disto os sujeitos homossexuais não existiam, mas a própria noção de uma sexualidade desviante do padrão não era aceita, caso existissem relações interpessoais, amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo biológico, antes, era considerado como uma prática de sodomia, um pecado. A autora diz ainda que é na segunda metade daquele século que essa noção vai mudar, visto que essa prática passaria a definir os sujeitos, a serem julgados e categorizados como desviantes da norma, sentenciados a um lugar de segredo ou segregação social. (LOURO, 2001. p.542)

Os sujeitos desviantes que tomavam parte de tais práticas, tomavam a atenção e geravam interesse de uma investigação mais aprofundada, com o intuito de se defender o padrão social e a saúde das famílias, e daí surge o termo homossexual, cunhado pelo médico húngaro Karoly Maria Benkert, em 1869. (RODRIGUES, 2008. p.67) O autor explica que tal nomenclatura viria marcar a divisão da prática sexual com a intenção reprodutiva, para uma prática voltada para o prazer, que iria a definir uma norma erótica moderna, onde o hetero- sexual e o homo-sexual representam dois erotismos, um normal/bom e o outro anormal/ruim.

Conforme Nunan (2015),

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“com a utilização dos conceitos de instinto sexual, degeneração e evolucionismo, a ciência médica do século XIX estava pronta para justificar teoricamente a moral burguesa. A partir do século XIX, a influência da linguagem científica sobre a linguagem ordinária teria contribuído decisivamente para o sucesso das ideologias sexuais. De fato, boa parte das ideias atuais que mantemos sobre sexualidade devem-se ao prestígio da ciência no imaginário social.” (NUNAN, 2015. p.19)

Portanto, podemos notar que as questões que envolvem a origem e definição da sexualidade, estão diretamente ligadas a relações de poder e a imposição de uma espécie de normatividade de um sujeito padrão ideal, e daqueles que se originam pela negação desse sujeito ou pela oposição a este, sendo o sujeito ideal predicado no ethos de um homem, branco, masculino, heterossexual. A partir deste momento, a sexualidade se torna uma parte importante da individualidade, o que vem a constituir e explicar a importância que se atribui à sexualidade, como explica Nunan (2015), tal importância atribuída e reforçada pelo seu contínuo esquadrinhamento, acaba por constituir um destino aprisionante, especialmente para aqueles indivíduos cuja sexualidade é considerada “desviante”.

Essa noção binária que designa as condições de homem e de mulher constitui, para além da estrutura de reconhecimento do sujeito, uma especificidade “totalmente descontextualizada, analítica e politicamente separada da constituição de classe, raça, etnia e outros eixos de relação de poder que constituem a identidade”. (BUTLER, 2018. p.22) A representação e aprisionamento dessas existências subjetivas foram o primeiro passo para o declínio das velhas identidades que antes representavam o mundo social, até que se chegue na construção do indivíduo moderno e a “crise de identidade”, como Hall (2006) vai retratar, seja o pontapé inicial de um processo amplo de mudança, que ocorre até os dias de hoje, de um deslocamento de estruturas e descentralização de poder e também dos próprios sujeitos.

(HALL, 2006. p.7)

As identidades homossexuais, e aqui consideramos o sentido de homens ou mulheres que se atraem pelo mesmo gênero, assim como Nunan (2015) explica, são formadas de, pelo menos, duas dimensões: primeiro, a dimensão que considera os valores culturais que diferem daqueles predominantes da sociedade onde o indivíduo se insere e de como esse indivíduo é visto pela sociedade mesma; e segundo, de como o indivíduo se reconhece dentro dessa sociedade e os mecanismos de identificação para com seus semelhantes, dentre outras coisas, o desejo homossexual. (NUNAN, 2015. p.78) Vale ressaltar que estas características apenas

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fazem parte de uma parcela mínima da identidade homossexual, que irá se desconstruir ao passar do tempo, com a própria descentralização dos sujeitos nas sociedades modernas.

Conforme Hall (2006) identificou, a identidade é formada e reformulada ao longo do tempo, por meio de processos inconscientes e conscientes desde o nascimento de um sujeito, portanto sempre está incompleta, ou melhor dizendo, sempre está “em processo”, sendo atualizada.

(HALL, 2006. p.38)

Vemos que o surgimento de uma identidade desviante, em termos de sexualidade, foi e é um processo de deslocamento e de reformulação de individualidades e, como tal, segue tendências das normas sociais as quais se delimita ou, na mesma proporção, se transgride.

Esse processo, que teve seu início na segunda metade do século XIX, carregou estigmas e definições desde o seu princípio representativo, onde a homossexualidade (à época tratada como homossexualismo5) era uma prática condenada e os sujeitos homossexuais eram objetos de estudo por comportamentos desviantes, ultrajantes. Assim também para Louro (2001), que fala sobre a ciência, o Estado, a igreja, grupos conservadores e outros grupos emergentes que atribuirão a estes sujeitos e a estas práticas, significados e sentidos distintos: a questão da homossexualidade produzida discursivamente, vivenciada pelos indivíduos reais e desviantes, torna-se então uma questão social relevante. Enquanto alguns vão assinalar tais características como desviantes, anormais ou, até mesmo, inferiores, também passará a existir o movimento contrário, afirmando sobre os homossexuais e a prática homossexual, uma normalidade e naturalidade. (LOURO, 2001. p.542)

Essas questões perduraram dentro dos próprios grupos desviantes, por sua incansável reiteração, e perduram até os dias atuais, como veremos mais adiante. Diversos autores citam que o processo de politização da sexualidade, que vai a definir as identidades sexuais modernas, tem seu início nas décadas de 1960 e 70, onde as manifestações e possibilidades de novas sexualidades começam a ser reivindicadas. A luta pelo reconhecimento político e identitário de indivíduos homossexuais, está intrinsecamente ligada as lutas feministas, pela ótica de uma contestação da normalidade da heterossexualidade, que é também socialmente

5 “A homossexualidade deixou de ser considerada transtorno mental em 1973 quando a Associação Americana de Psiquiatria decidiu retirá-la do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM). No entanto, continuou na lista de doenças mentais até 1990, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a versão 10 da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Embora isoladamente deixasse de ser definida como doença, esta orientação sexual permaneceu conectada a uma linguagem patologizante por meio de categorias que a associam a distúrbios mentais.”

Disponível em: <http://www.clam.org.br/noticias-clam/conteudo.asp?cod=11863> Acesso em: 15 nov. 2020.

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construída. (RODRIGUES, 2008. p.76)

Ao final dos anos 70, a política gay e lésbica abandona o então modelo de busca pela libertação sexual e identitária através da transformação do sistema, voltando-se para um modelo ou até mesmo uma metodologia que, conforme Louro (2001) define, poderia ser chamado de ‘étnico’. As identidades homossexuais se (auto)representavam como um grupo minoritário, diferente mas igual na perspectiva da igualdade de direitos dentro da sociedade que existiam. Daí, partindo do ano de 1975, surge um grupo denominado como Movimento de Libertação Homossexual no Brasil, que agitou os debates sobre sexualidade e gênero no país, trazendo novos pareceres para a luta política, atravessada não apenas pelas individualidades no montante da sexualidade, mas considerando questões de classe, etnicidade, raça, nacionalidade etc. (LOURO, 2001. p.543)

Assim, aos poucos, dá-se início a uma projeção da comunidade homossexual, que mais para frente se transformará, algumas vezes, até que se alcance a alcunha dos dias atuais, como a comunidade LGBTQIA+. Apesar dos avanços na questão da visibilidade e de direitos para essa comunidade, ainda é necessário um longo caminho de reformulação de conceitos, leis e estigmas sociais que cerceiam tais identidades desviantes, obviamente na relação com a sociedade normativa e conservadora, mas tratamos aqui principalmente de questões internas, ao passo em que se desenham novas formas de vivenciar a sexualidade e subverter o gênero.

Como Louro (2001) também indica, desde o fim da década de 1970, os ideais políticos cobiçados estavam marcados por valores brancos e de classe média; assumindo padrões e normas dos grupos normativos aos quais haviam sido excluídos, especialmente para os grupos negros, latinos e de menor poder aquisitivo; também para lésbicas, a cultura homossexual – aqui prioritariamente masculina –, seguia os mesmos erros e privilégios masculinos já repercutidos na sociedade geral, delegando as questões lésbicas de maneira secundária; da mesma forma em que bissexuais e transsexuais eram excluídos dessa política de aceitação, mantendo ainda suas condições marginalizadas; como a autora explica, “a comunidade apresentava importantes fraturas internas e seria cada vez mais difícil silenciar as vozes discordantes.” (LOURO, 2001. p.545)

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3.2 Gênero: dos estudos feministas a uma teoria queer

O conceito de gênero, ao que diversos autores concordam, é estabelecido de maneira a suplantar a carga simbólica do sexo dos corpos, ao se pensar nas relações para além dos aspectos biológicos ou reprodutivos, mas alinhando-se a uma construção histórica e social, partindo para uma definição que vai além do determinismo biológico, visto que o corpo é uma representação discursiva, que define significados para diferenças corporais e que é interpretado por meio de signos e significações. (RODRIGUES, 2008. p.108) Assim como os estudos feministas impulsionaram as questões relacionadas às homossexualidades, também os estudos sobre gênero datam da mesma época, obtendo diversas abordagens a partir de várias perspectivas, desde a teoria marxista até a perspectiva pós-estruturalista. Tal qual Sabat (2001), esta pesquisa perseguirá a perspectiva pós-estruturalista.

“Como categoria de análise na perspectiva pós-estruturalista, gênero surge como um conceito para se referir a masculinos e femininos de forma diferente do que se compreendia como sexo. Aqui é enfatizado o aspecto relacional entre mulheres e homens, rejeitando o sentido de determinismo biológico e passando a envolver valores construídos socialmente que não dizem respeito unicamente às mulheres, mas a femininos e masculinos.”

(SABAT, 2001. p.15)

Para Martino (2014), a perspectiva pós-estruturalista, inserida na crítica da pós- modernidade, é expressa na definição de “perda do centro”. Ou seja, é a descentralização ou o deslocamento de contextos, poderes, conhecimentos e até mesmo da própria razão.

“Fragmentação, indefinição e flutuações caracterizam o pós-moderno”. (MARTINO, 2014.

p.222) Estes deslocamentos de sentido seguem o mesmo caminho que as representações de gênero e sexualidade desviantes tomam por esta época. A descentralização nas relações de poder, significa uma possibilidade de liberdade das identidades antes reconhecidas como minoritárias, escanteadas pela normatividade da sociedade moderna.

Butler (2018), concomitante a estas ideias, explica ao citar Foucault, que os sistemas de poder que produzem os sujeitos são os mesmos que passam a representá-los, “por meio da limitação, proibição, regulamentação, controle e mesmo proteção dos indivíduos”. (BUTLER, 2018. p.18) Para a autora, é essa compreensão que as teorias feministas devem alcançar, de que a categoria das “mulheres”, como sujeito do feminismo, é produzida e regulamentada pelas mesmas estruturas de poder cujas busca-se emancipar. Além disso, é necessário haver uma noção mais ampla sobre o sujeito do feminismo, a mulher, e o que ela representa, visto

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que o termo mulheres não denota uma categoria de identidade comum, como uma entidade única de representação onde todas as mulheres podem se encaixar na mesma perspectiva.

Como explica a autora,

“Se alguém ‘é’ uma mulher, isso certamente não é tudo que esse alguém é; o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero da ‘pessoa’ transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece intersecções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas.” (BUTLER, 2018. p.21)

Para Rodrigues (2008), o conceito de gênero, ao pressupor relações sociais estratificadas numa economia de poderes e dentro de uma construção histórica, amparadas pelos corpos, é o espaço onde se constrói a identidade. (RODRIGUES, 2008. p.109) Mas estes estudos vão além disso; assim como Butler, outras personas envolvidas na investigação das questões de gênero vão trabalhar para desconstruir as concepções já existentes em estudos tradicionais, desfazendo o argumento clássico da predeterminação dos papéis sociais adquiridos com base no gênero e justificados pelas diferenças biológicas que definem o quê e qual é o papel do homem e da mulher na sociedade.

Sabat (2001) fala também que as diferenças biológicas naturalizavam uma estrutura inscrita em mecanismos de poder, mas não considerava o campo histórico-social, que essa nova análise do gênero vai considerar, ao descartar o caráter exclusivamente biológico do sexo, visto que essa característica também é uma categoria socialmente imposta sobre os indivíduos; (SABAT, 2001, p.16) este que o ponto central trazido pela Teoria Queer.

Queer, como explica Louro (2001), “pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordinário.” Também um insulto, reiterado ao longo de muitos anos por grupos heterossexistas, sendo um argumento que conferiu, durante muito tempo, um lugar discriminado e rejeitado àqueles que era direcionado. Como forma de retomada de uma narrativa única, o termo foi reapropriado por estes mesmos sujeitos cujas identidades foram pejoradas, passando a assumir uma perspectiva de oposição e de contestação de poder. Sua retomada de poder, para além da oposição imediata à heterossexualidade compulsória da sociedade, vai também de encontro a normalização e a estabilidade, propostas por aquela política identitária do movimento homossexual dominante, sendo portanto, uma força de ação

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muito mais perturbadora e transgressora. (LOURO, 2001. p.546)

Conforme vimos, o queer é uma proposição, ou melhor, uma contestação de um não- lugar, uma transgressão de políticas internas, um deslocamento de poder que consiste em assumir uma forma subjugada e rejeitada, só para superá-la. Da mesma maneira, os teóricos e teóricas queer utilizam e transgridem as mesmas proposições das quais se utilizam, em busca de subverter noções e expectativas. (LOURO, 2001. p.548) Como Butler (2018) faz, com maestria, ao questionar se a própria noção de identidade é ou não coerente. Isso porque, e Louro concorda, as práticas sociais reguladoras dos sujeitos, que definem a “coerência” ou

“incoerência” dos sujeitos, precisam ser constantemente instituídas e reiteradas para que tal materialização se concretize. O mecanismo que designa os corpos “coerentes” é portanto, o mesmo mecanismo que designa os corpos “incoerentes”. (BUTLER, 2018. p.43)

Esse poder descontinuado que regula os corpos e precisa ser constantemente reificado e repetido a fim de produzir aquilo que regula – e assim, reiterando as normas e práticas de gênero do viés heterossexual –, se revela em atos, gestos e atuações, cujos sentidos que pretendem expressar são meras manufaturações, que se sustentam por meios discursivos dos próprios corpos, ao que tanto Butler, quanto Louro, vão chamar de performatividade de gênero. Performatividade porque se o gênero, em verdade, é uma construção inscrita sobre a superfície dos corpos, então não pode ser reconhecido como verdadeiro ou falso, “apenas produzido como efeitos da verdade de um discurso sobre a identidade primária e estável.”

(BUTLER, 2018. p.236)

Essa performatividade é demonstrada em diferentes contextos e apropriações dos significados de masculinidade e feminilidade, como, por exemplo, o travestismo visto na performance drag queen ou na estilização sexual das identidades butch/femme6. Ao que Butler explica, estas identidades têm sido vistas como parodísticas ou, até mesmo, degradantes, por realizar uma espécie de estereotipamento dos papéis sociais da mulher e do homem. No entanto, essa relação entre a “imitação” e o “original” vai além do que esta crítica reducionista busca compreender; e aqui surge um ponto crucial na Teoria Queer, visto que estas representações buscam quebrar a identificação primária, ou seja, os significados originais atribuídos aos gêneros, demonstrando três categorias distintas na dimensão da corporeidade: a do sexo anatômico, a da identidade de gênero e a da performatividade de gênero. “Se a 6 Butch/Femme são designações de performatividades lésbicas, que assumem representações socialmente descritas como masculinas (butch) ou femininas (femme).

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