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Durante as longas e ociosas horas da viagem, o doutor ministrava verdadeiros cursos de geografia na sala dos oficiais. Estes rapazes empolgavam-se com as descobertas realizadas nos últimos quarenta anos na África. Relatou-lhes as explorações de Barth, de Burton, de Speke e de Grant. Descreveu-lhes aquela misteriosa região aberta por todos os lados às pesquisas da ciência. No norte, o jovem Duveyrier explorara o Saara e na sua volta a Paris trouxera consigo os chefes tuaregues. Por sugestão do governo francês, organizaram-se duas expedições, as quais, descendo do norte em direção ao oeste, cruzar-se-iam em Tombuctu. Ao sul, o incansável Livingstone avançava constantemente na direção do equador e, depois de março de 1861, subia, em companhia de Mackenzie, o rio Rovoonia. Sem dúvida, o século dezenove não terminaria sem que a África revelasse os segredos que vinha ocultando por seis mil anos.

Júlio Verne, em Cinco semanas em um balão (1862)

Era, porém, necessário, para nossa salvação, que deslumbrássemos e inteiramente nos apoderássemos daquelas almas ferozes e simples. E para isso, na África (como noutras partes) o mais pronto instrumento é o sobrenatural. Não hesitei, portanto (com vergonha o confesso), em me atribuir, a mim e os meus companheiros, uma origem divina! De resto, com o negro da África Central, que pela primeira vez vê o branco, e assiste a alguns dos milagres que o branco pode realizar com os pequenos recursos da sua pequena civilização, este procedimento é o mais seguro e o mais humano. O selvagem fica desde logo (pelo menos por algum tempo) contido dentro do respeito, absolutamente razoável e tratável; e assim, poupando ao negro as traições, os brancos poupam a si próprios as represálias.

Henry Rider Haggard, em As minas do rei Salomão (1885)

Bem, quando eu era pequeno, tinha paixão por mapas. Eu ficava horas olhando a América do Sul, ou a África, ou a Austrália, e abandonava-me às glórias da exploração. Naquela época, havia muitos espaços em branco no mundo, e, quando enxergava um que parecia particularmente convidativo no mapa (mas todos pareciam assim) colocava o dedo ali e dizia: „Quando crescer vou para lá‟. (...) Havia um, no entanto – o maior, o mais branco, por assim dizer –, que me atraía especialmente. É verdade que, nessa época, já não era mais um espaço em branco. Tinha sido preenchido, desde minha adolescência, por rios, lagos e nomes. Cessara de ser um espaço em branco ou um delicioso mistério (...). Tornara-se um lugar tenebroso.

Joseph Conrad, em O coração das trevas (1902)

Moveu-se para a entrada do abrigo, em busca de Tarzan. Ele tinha-se afastado, mas desta vez Jane não teve medo porque sabia que havia de voltar. Na erva, à entrada do abrigo, viu a marca do corpo de Tarzan, no

lugar onde estivera estendido toda a noite, para velar por ela. O fato de o saber ali era o que lhe havia permitido dormir em tão profunda paz e segurança. Perto dele, quem poderia ter medo? Jane pensou se haveria no mundo algum outro homem junto do qual uma moça pudesse sentir-se tão segura no coração da selva africana. Nem mesmo os leões e as panteras a assustavam agora. (...) Compreendeu que se sentia completamente satisfeita, sentada ali, ao lado daquele gigante sorridente, a comer deliciosos frutos, naquele paraíso silvestre, nas profundezas da selva africana – que se sentia satisfeita e muito feliz. Não conseguia entender isto. A razão dizia-lhe que devia sentir-se torturada pela ansiedade, acabrunhada pelo medo, dilacerada por ideias sombrias. Mas, em vez disso, o seu coração parecia cantar, e ela sorria em face do sorriso do homem junto dela.

Edgar Rice Burroughs, em Tarzan dos macacos (1912)

A investigação histórica sobre a imagem da África nos filmes produzidos pela indústria cinematográfica hegemônica do século XXI não pode começar olhando para o século XXI. Essa imagem não se formou subitamente, nem existe em um vácuo informacional. Tal investigação precisa começar olhando para um período bem anterior, anterior inclusive ao surgimento de tal indústria. Precisa remeter à época em que se formou a imagem dos povos do mundo que é hoje aceita como natural. Os tipos de comportamento humano, organização político-social, vestuário, arquitetura e tudo o mais que tem a ver com a atuação do homem no mundo, hoje, têm como padrão os modelos que emanam dos assim chamados „paìses desenvolvidos‟, que em termos simples compreendem a Europa ocidental e algumas de suas ex-colônias, que seguem o seu padrão de desenvolvimento econômico. Por isso, elementos corporais claros (pele, cabelos, olhos) são considerados o padrão de beleza; possuir conhecimento ou habilidade em determinadas manifestações artísticas oriundas do universo cultural europeu é considerado sinônimo de erudição; religiosidades ligadas ao cristianismo europeu são consideradas as „normais‟; o modelo de gestão nacional chamado de democrático, organizado em Estados-Nação, é inclusive considerado digno de ser imposto por vias militares a povos que não se „adequem‟ a ele; investir em uma carreira profissional que possibilite condições econômicas de manter um modo de vida consumista é considerado o „caminho certo‟ a ser seguido pelas populações jovens na maior parte do mundo. Tais referenciais foram objeto de um longo processo de naturalização, que compreende no mínimo os últimos quatro séculos, até o atual estado de sedimentação e virtual ausência de um amplo questionamento. É a perspectiva eurocêntrica, já referida no capìtulo anterior, “que vê a Europa como a origem única dos significados, como o centro de gravidade do mundo, como “realidade” ontológica em comparação com a sombra do resto do planeta” (SHOHAT e

STAM, 2006, p. 20). Qual a razão dessa imagem do mundo, que considera a Europa – de modo consciente ou não – inerentemente superior, ser hoje considerada natural?

O escritor britânico Neil Gaiman, em uma de suas mais conhecidas criações, o romance gráfico Sandman, descreve da seguinte maneira a atuação do Destino:

Percorra qualquer caminho no jardim de Destino, e você terá de escolher não uma, mas muitas vezes. As trilhas se bifurcam e se dividem. A cada passo que você dá nesse jardim, você faz uma escolha; e cada escolha determina rumos futuros. Contudo, ao final de toda uma vida caminhando, você poderia olhar pra trás e ver apenas um caminho (GAIMAN, 2011, p. 13). Trazendo a lição da frase de Gaiman para o campo da história, o fato é que esta é entendida a partir do ponto em que se está nela. Sobre o assunto em pauta, olhando-se do ponto onde estamos para a história do mundo desde o fim do período que se convencionou (na Europa) chamar de Idade Média, a dominação europeia28 aparenta ser um fato inevitável, em função do „atraso‟ do resto do mundo. Parece que a história traçou um caminho reto e sem percalços no jardim do destino em direção a nós, adquirindo, nessa maneira de se interpretar, uma aura de inexorabilidade29. O atual triunfo do projeto burguês eurocêntrico, de expansão capitalista global, faz com que os valores de um grupo específico de pessoas beneficiadas com essa expansão sejam alçados à categoria de “universais” e sua versão da história seja a história oficial. Mas essa percepção anacrônica do mundo pode e deve ser nuançada, e é nessas nuances que se encontram as respostas para muitas das questões contemporâneas, inclusive a que norteia esse estudo: a imagem da África nos filmes.

28 Para fins de precisão no que diz respeito à nomenclatura adotada na dissertação, quero ressaltar o

entendimento em que o termo „europeia‟ é aqui empregado, tomando o pressuposto de Mary Louise Pratt: ““europeia”, nesta acepção, se refere antes de tudo a uma rede de europeus alfabetizados do norte, principalmente homens dos níveis mais baixos da aristocracia e da média e alta burguesia” (PRATT, 1999, p. 78). Também utilizo o termo em algumas ocasiões como sinônimo de „eurocêntrica‟, ou seja, fazendo referência à visão de mundo nascida na Europa mas que não se restringe apenas a europeus.

29 Essa interpretação anacrônica perde de vista caminhos que poderiam ter sido tomados no „jardim de Destino‟;

um exemplo suficientemente forte é o caso chinês: no século XV o Império Chinês possuía condições técnicas e econômicas para „mundializar‟ o planeta a seu gosto e mesmo „descobrir‟ e conquistar a Europa, o que poderia ter acontecido caso não se tivesse voluntariamente desistido do projeto do imperador Yung Lo (século XV, dinastia Ming), que enviou 60 juncos (navios de grande porte que a tecnologia europeia à altura nem de longe possuía) com uma tripulação estimada em 30 mil homens, que exploraram o oceano índico, a costa oriental da África e chegou a dobrar o Cabo da Boa Esperança no sentido contrário ao de Vasco da Gama, quase cem anos antes do navegador português (SERRANO & WALDMAN, 2007, p. 185). Immanuel Wallerstein analisa detidamente o caso chinês, inclusive elaborando algumas possíveis explicações para a retração voluntária da expansão chinesa (WALLERSTEIN, 1990, pp. 58-68).

IMPERIALISMO

O período essencial para o entendimento dessa questão é o Imperialismo, que compreende de modo geral as duas últimas décadas do século XIX e as quatro primeiras do século XX. Sentencia Hanna Arendt: “Poucas vezes o começo de um perìodo histórico pôde ser datado com tanta precisão, e raramente os observadores contemporâneos tiveram tanta possibilidade de presenciar o seu fim definitivo, como no caso da era imperialista” (ARENDT, 1989, p. 147). A “era dos impérios”, como chamou Eric Hobsbawn, tem inìcio na década de 1880 e dura até o final da Segunda Guerra Mundial, com algumas pequenas mudanças em tais marcos cronológicos dependendo do critério utilizado. A quantidade de eminentes intelectuais que dedicaram considerável esforço a teorizar e a analisar esse momento histórico, no decorrer do século XX, denuncia a sua importância seminal para a formação da sociedade contemporânea: John Hobson, Joseph Schumpeter, Lênin, Rosa Luxemburgo, Hanna Arendt, Harry Magdoff, Norman Angell, Rudolf Hilderferding, Nikolai Bukhárin, Paul Kennedy, Immanuel Wallerstein, Edward Said, estudaram esse período cada um a seu modo, sob as óticas da economia, política e cultura. Uma série de especialistas tem analisado as repercussões desse período no decorrer do século XX e no início do século XXI, tais como Kwame Nkrumah, Gabriel Kolko, Domenico Losurdo, Noam Chomsky, Jan Pianervese, Nialls Fergusson Aijaz Ahmad e Samir Amin. A importância desse período passou, segundo muitos desses autores, a ser negligenciada após os eventos catastróficos da Segunda Guerra Mundial, cobrindo com o pó do esquecimento o fato de que tais eventos estão diretamente ligados ao período imperialista.

Nos meios de comunicação se veem frequentes referências à palavra imperialismo, e talvez exatamente por esse motivo ela seja um termo um tanto controverso. Sem dúvida, carrega múltiplos significados. Afinal, o que é o Imperialismo? Ao falar em império, certamente vem à lembrança manifestações culturais que retratam movimentos históricos como o Império Romano, o Império de Alexandre Magno ou o Império de Gêngis Khan, e suas respectivas guerras de conquista. Ou então se pense nos impérios ultramarinos português e espanhol da era mercantilista. Porém, a acepção de Império que diz respeito a essas formações estatais é bastante diferente da que surgiu no final do século XIX, como assinala Marc Ferro:

Os imperialismos do final do século XIX e do século XX diferiam tanto do espírito de conquista ou de dominação das épocas passadas quanto da

expansão colonial dos séculos anteriores pela seguinte característica: estavam, mais que os outros, ligados ao capital financeiro, e a colonização ou conquista não eram as únicas expressões de sua existência. É claro que a colonização e a conquista territorial podem ser imperialistas; mas, no século XIX, e até a Primeira Guerra Mundial, o imperialismo dispõe de meios de ação que podem se acomodar com a independência política (FERRO, 1996, p. 34).

A palavra imperialismo “se impôs pela primeira vez na década de 1870, na Inglaterra vitoriana, sendo usada para designar a política de Disraeli, que objetivava robustecer a unidade dos Estados autônomos do império” (BOBBIO, 1986, p. 611). De fato, como assinala Raymond Williams, os termos imperial e imperialist, em inglês, eram usados desde o século XIV na acepção diretamente derivada do latim imperium, no sentido de “partidário de um imperador ou de uma forma imperial de governo”, enquanto que Imperialism se desenvolveu apenas na parte final do século XIX (WILLIAMS, 2007, p. 220). Eric Hobsbawn lança o que podemos chamar de uma luz definitiva sobre essa questão etimológica, chamando de inúteis as referências à antigas formas de império: “Os imperadores e os impérios eram antigos, mas o imperialismo era novíssimo. (...) Em suma, era um termo novo criado para descrever um fenômeno novo” (HOBSBAWN, 2010, p. 103). Para referendar essa análise, podemos invocar um contemporâneo dessa novidade, o líder soviético Vladimir Ilitch Ulianov, Lênin. Ele inicia seu estudo sobre o Imperialismo, publicado em 1916, com as palavras:

Durante os últimos quinze ou vinte anos, sobretudo depois das guerras hispano-americana (1898) e anglo-boer (1899-1902), as publicações econômicas, bem como as politicas, do velho e do novo Mundo utilizam cada vez mais o conceito de “imperialismo” para caracterizar a época que atravessamos (LÊNIN, 1975, p. 21).

Que havia de novidade nesse fenômeno, afinal? Até o começo do século XIX, o padrão de vida dos cidadãos europeus não diferia em praticamente nada do que era usufruído por pessoas de qualquer outra parte do mundo, seja do ponto de vista da produção de riqueza, seja do ponto de vista cultural. Nesse século fatídico acentuou-se o processo que nos anos 1970 tornou a renda per capita dos habitantes dos países desenvolvidos sete vezes maior que a dos moradores do Terceiro Mundo (HOBSBAWN, 2010, p. 34). Tal processo tivera início séculos antes, com o surgimento de uma classe social que não se adequava ao status quo europeu medieval.

Como baliza Jacques Le Goff em A bolsa e a vida, as origens do capitalismo e da burguesia europeia podem ser encontradas no surgimento da prática da usura no distante século XII (LE GOFF, 2004, p. 13). O grupo de pessoas que, nos séculos seguintes, empreendeu a tarefa de desafiar a autoridade eclesiástica, a fim de obter lucro em transações

econômicas, conseguiu ao longo do tempo um poder cada vez maior sobre os outros setores da sociedade europeia. Tomaram a dianteira no processo de formação das monarquias nacionais (século XIV), a fim de livrarem-se dos entraves impostos às suas atividades pela forma de organização polìtica fragmentária, feudal. Patrocinaram um „renascimento‟ cultural e uma „reforma‟ religiosa a fim de obter legitimidade. Financiaram essas monarquias e as atividades expansionistas de seus impérios ultramarinos nos séculos XV e XVI, fiéis à sua política do lucro – com essa expansão, é inaugurado o que Immanuel Wallerstein chama de “economia-mundo moderna”, da qual se falará mais adiante. Foram protagonistas de várias revoluções que visaram acabar com as monarquias por eles mesmos financiadas, no momento em que imaginaram ter condições de assumir o controle político de seus países. Até que, em finais do século XVIII e no correr do XIX, a Revolução Industrial, que inaugura e “depois acentua a ruptura em relação a milênios de produções predominantemente agrícolas de sociedades predominantemente rurais” (BEAUD, 2004, p. 140), proporciona uma riqueza até então desconhecida pela burguesia europeia, – riqueza que faz dela uma nova classe dirigente, proporcionando definitivamente a sua emancipação política, considerada por Hanna Arendt condição sine qua non para o surgimento do fenômeno novo apontado por Hobsbawn, o Imperialismo. Nas palavras de M. Żerro, “a diferença fundamental entre a expansão colonial dos séculos XVI-XVII e o imperialismo que se segue é que a Revolução Industrial dá a este meios de ação que transformam de cabo a cabo a relação entre metrópoles e colônias” (FERRO, 1996, p. 36).

O primeiro grande estudo desse fenômeno, intitulado Imperialism: a Study30, foi publicado pelo inglês John Atkins Hobson no ano de 1902, iniciando o debate que perdura até nossos dias sobre o tema. Todos os estudos posteriores tomam esse trabalho de Hobson como referencial. De modo sucinto, o que esse economista social-liberal faz é uma análise dos problemas socioeconômicos da Grã-Bretanha, apontando o „excesso‟ de capital dos empresários (acúmulo proporcionado pela industrialização) combinado aos baixos salários dos trabalhadores, que se traduzia obviamente num escasso poder de consumo, na principal razão para que esses empresários se interessassem em fazer investimentos no exterior. Assim, surge o que na concepção de Hobson é o âmago do Imperialismo: “a força motriz do imperialismo “moderno” repousava na progressiva necessidade de algumas economias exportarem capitais de forma segura” (MARIUTTI, 2009, p. 169). Lênin corrobora essa percepção, e a coloca também como marca distintiva do Imperialismo, diferenciando-o do

Mercantilismo em voga até então: “O que caracterizava o velho capitalismo, no qual dominava a livre-concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capitais” (LÊNIN, 1975, p. 78).

A concordância entre Hobson e Lênin só vai até a questão da exportação de capitais (entendida como a caracterìstica central do „Imperialismo moderno‟), pois ambos avaliam que, para os investidores, esse deslocamento era vantajoso tanto pela rentabilidade das novas regiões quanto pela manutenção das taxas de juros internas, proporcionada pelo escoamento desse capital „excessivo‟. Para Hobson, isso é um desvirtuamento da democracia liberal e do objetivo do mercado livre, pois esse excesso de capital deveria, através de uma distribuição de renda mais justa, elevar o nível de vida da população em geral. Lênin pondera que a análise de Hobson do fenômeno imperialista é acurada, mas a conclusão a que chega é errônea: para o estudioso inglês, “o impulso capitalista não tem nenhum vìnculo orgânico com o capitalismo, pois ele deriva fundamentalmente de interesses econômicos particulares de um setor capitalista razoavelmente bem delimitado – o setor financeiro” (MARIUTTI, 2009, p. 169). Hobson escreve em um trabalho anterior ao citado, intitulado A evolução do capitalismo moderno, que “foi esse uso ilìcito e desleal da política externa por interesses empresariais privados que transformou o internacionalismo econômico que ele demonstrou ser” (HOBSON, 1996, p. 313), pois, ainda segundo Hobson,

são facilmente perceptíveis, sob a capa das injustiças raciais, nacionais e sentimentais, que vêm-se delineando no primeiro plano do palco da História como causas de guerra, as lutas dos grupos comerciais, manufatureiros e financeiros, que usam a “polìtica externa” de seus respectivos governos para estender seus interesses privados de lucro (HOBSON, 1996, p. 312).

De modo que a avaliação de Hobson é negativa e crítica em relação ao Imperialismo, considerando-o, além de excessivamente custoso e pouco lucrativo, o causador das guerras em que os países europeus estavam engajados por toda parte, por partir do princípio de que este fenômeno não se deve a um impulso intrinsecamente capitalista31. Para Lênin, contrariamente, o Imperialismo é nada mais que uma fase do capitalismo, sendo portanto capitalista em sua essência:

31 J. Schumpeter é outro autor, para citar apenas mais um, que concorda com essa percepção do Imperialismo.

Para ele, “o imperialismo moderno não é parte constitutiva do capitalismo, mas sim fruto de sobrevivências pré- capitalistas, que o capitalismo ainda não conseguiu eliminar” (MARIUTTI, 2009, p. 181). Para os objetivos da dissertação, não interessa um inventário de todos os autores que analisaram o fenômeno imperialista, mas apenas daqueles cujas interpretações são essenciais para a compreensão do debate acerca do tema. Para um aprofundamento na temática do Imperialismo e nas suas diversas correntes interpretativas políticas e econômicas, consultar o verbete Imperialismo em BOBBIO, 1986, p. 611; SILVA, 2010, p. 218; e WILLIAMS, 2007, p. 219.

Enquanto o capitalismo for capitalismo, o excedente do capital não se consagra à elevação do nível de vida das massas do país, pois isto significa a diminuição dos lucros dos capitalistas, mas ao fomento desses lucros através da exportação de capitais para o estrangeiro, para os países atrasados. Nestes países atrasados o lucro é em geral elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra e os salários relativamente baixos e as matérias-primas baratas (LÊNIN, 1975, p. 79).

O Imperialismo, a partir do viés exposto por Lênin, é entendido como uma expressão do capitalismo monopolista originado no século XIX. Essa forma de dominação é peculiar e distinta de outros modelos imperiais anteriores, e no capítulo intitulado precisamente O lugar do imperialismo na história, Lênin enuncia as características básicas do capitalismo monopolista, resumidas por Eduardo Barros Mariutti do seguinte modo:

(...) forte tendência à centralização da produção em trustes e em cartéis, que dão origem a grandes monopólios, que passam a exercer um papel decisivo na vida econômica (...) fusão do capital bancário e do capital industrial gera