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Os dire it os da cidadania, embora inter lig ados com os direit os hum an os, nã o se po dem confundir. Dalm o Dallari d eixa clar o es ta dif erenciação a o analisar com profundida de a pr ob lem át ica dos dire itos hum an os no mun do at ua l, afirma ndo que os direitos da cidada nia dizem respeit o aos direit os públicos subjet ivos consagrados por um deter min ado orde nam ento jurí d ico, concreto e es pecífico.

P or s ua vez, os dire itos hum anos s intet iz am uma e xpres s ão muit o mais abrangent e, a partir d o mome nto em que se referem à pró pria pessoa hum ana, que, n a expr essão de Mig uel R ea le a ent en de como v alor-fonte de todos os dir eit os s oc ia is , sign ific and o qu e os dir eitos hum an os em si ( dir eito à vida, d ireit o a não ser escraviz ado, dir eito a u ma n acionalidade, dire it o a não ser submet id o à tort u ra) se colocam no p lan o universal , g lobal, num a persp ectiva jusna turalis ta e nã o soment e num a persp ectiv a d o dire ito positivo e t ópico (Dalmo Da lla ri).

Com efe ito, podemos dize r que a cida da nia é a fr uição de tod os os dir eit os fundam entais e sociais do in divíd uo, neces s ários par a a e xpansão d a p ersonalidade h umana.

Roussea u, a po nt ando p ara a dimens ã o educativa da p olis gre ga, lugar on de se des envo lv eu o s er p olít ico por exc elênc ia, recon hece que o h omem não nasce cidadão, mas apre nd e a sê-lo.

Nilda Teves Ferr eira sintet iza

a e d u c a ç ã o p a r a a c i d a d a n i a p a s s a p o r a j u d a r o a l u n o a n ã o t e r m e d o d o p o d e r d o E s t a d o , a a p r e n d e r a e x i g i r d e l e a s c o n d i ç õ e s d e t r o c a s l i v r e s e p r o p r i e d a d e , e f i n a l m e n t e a n ã o a m b i c i o n a r o p o d e r c o m o a fo r m a d e s u b o r d i n a r s e u s s e m e l h a n t e s . E s t a p o d e s e r a c i d a d a n i a c r í t i c a q u e t a n t o a l m e j a m o s . A q u e l e q u e e s q u e c e u s u a s u to p i a s , s u fo c o u s u a s p a i x õ e s e p e r d e u a c a p a c i d a d e d e s e i n d i g n a r d i a n t e d e t o d a e q u a l q u e r i n j u s ti ç a s o c i a l n ã o é u m c i d a d ã o , m a s t a m b é m n ã o é u m m a r g i n a l . É a p e n a s u m N A D A q u e a tu d o n u l i fi c a ” . 58

Em obra da qu al va liosas lições retir amos, Octavi o Iann i es c reve: o s E s ta d o s e s t ã o s e n d o i n te r n a c i o n a l i z a d o s e m s u a s e s tr u t u r a s i n t e r n a s e f u n ç õ e s . P o r t o d a a m a i o r p a r t e d e s t e s é c u l o , o p a p e l d o s E s t a d o s e r a c o n c e b i d o c o m o o d e u m a p a r a to p r o te t o r d a s e c o n o m i a s n a c i o n a i s , e m f a c e d a s f o r ç a s e x t e r n a s p e r t u r b a d o r a s , d e m o d o a g a r a n t i r a d e q u a d o s n ív e i s d e e m p r e g o e b e m - e s ta r n a c i o n a i s . A p r i o r i d a d e d o E s t a d o e r a o b e m - e s ta r . N a s ú l ti m a s d é c a d a s , a p r i o r i d a d e m o d i f i c o u - s e , n o s e n ti d o d e a d a p t a r a s e c o n o m i a s n a c i o n a i s à s e x i g ê n c i a s d a e c o n o m i a m u n d i a l . O E s t a d o e s tá s e to r n a n d o u m a c o r r e i a d e t r a n s m i s s ã o d a e c o n o m i a m u n d i a l à e c o n o m i a n a c i o n a l . 59

Nesse sentido, adverte M ário Lúcio Quintão Soares q ue, dada a des vir tua liz aç ão q ue rapid ame nte tra ns forma os Es tados e m membros de blocos econô mic os , a noção d e sobera nia, enq ua nt o

58 Nilda Teves FERREIRA. Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993,

p.229.

po der indivisível, inaliená vel e incontr astáv el, d eterminant e par a a consolid ação da noção de Estado, constitui agora “ um obstác ul o a s er trans pos to”, c uja tr ansp os iç ão “e xige c omo pres s upos to a consolid ação d o Estado Democrát ico d e Dire ito e implic ando a part ic ipa ção da sociedade civil nas decisõ es pertin entes à de le gação de competê ncias p ara instituição de órg ãos supra nacionais”.60

Esse fenôm eno de tot al inter nacionalização do s Estados ac arreta, entre outros ef eitos, “a lt eraç ões prof unda s nas id éi as de s ober an ia e c id ad an ia v ig ent es no mun do oc ide ntal, desde a Revolução Francesa”, na observaç ão d e José Aug usto Li ndgr en Alves.

Enten de o a utor qu e a aç ão dos agentes e conôm ic os trans- es tadu ais e as n ovas tecnologias da com unicação invia bilizam o exercício da sobe rania pelos Estados e, nesse contexto, t orna-s e ho je ma is necessário do q ue n unca resgat ar a cidada ni a, “ainda q ue mod ifica da, par a que a convivê ncia h umana n ão ret orne aos mod elos hobbesia nos, ou seja, o “d a lei da selva”, do h omem como lo bo do h omem.

Refere D alm o Dallari;

A c i d a d a n i a e x p r e s s a u m c o n j u n t o d e d i r e i to s q u e d á à p e s s o a a p o s s i b i l i d a d e d e p a r ti c i p a r a ti v a m e n t e d a v i d a e d o g o v e r n o d e s e u p o v o . Q u e m n ã o te m c i d a d a n i a e s t á m a r g i n a l i z a d o o u e x c l u í d o d a v i d a s o c i a l e d a t o m a d a d e d e c i s õ e s , fi c a n d o n u m a p o s i ç ã o d e i n f e r i o r i d a d e d e n t r o d o g r u p o s o c i a l .61

60 Mário Lúcio Quintão SOARES. A metamorfose da soberania em face da mundialização, In: Flávia

PIOVESAN.(coord.) Direitos Humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional internacional. São Paulo:Max Limonad, 2002,p.564.

Segu ndo o d icionár io Au rélio, “cidadan ia é a q ualidade ou es tado d o cida dã o”. Entende-se po r cidadã o “o ind ivídu o no goz o dos dire itos civis e p olítico s de um Estado, ou no d esempenho de seus deveres par a com este”.62

Etimolo gicamente a p ala vra cidadão ou cidadã, tem or ig em na pa la vra c iv it as , que em lat im sig nifica cidade, e q ue t em s eu c orrelato gr eg o na palavr a po litikos – como sen do a qu ele que hab it a na cid ad e. A pa lavra cidadania era us ada na R oma a nt ig a par a in dicar a situaç ão polít ica de uma pessoa e os d ireitos que essa pessoa tinha ou podia exer cer.

No sent ido at en iense d o termo, cida dan ia pode ser definida como o dir eito d a pessoa de part icipar d as decisões nos d estinos da C idade através da Ekklesia (reu niã o dos cham ados de dentr o par a for a) na Á gor a (praça pública, ond e se a gonizava par a de lib erar s obre dec is ões d e c o mum ac ord o). Dentr o d es ta concepção surge a d emocrac ia grega, em que soment e 1 0% da po pu lação determinava os destinos de tod a a Cid ad e (era m excluídos os escravos, mulheres e ar tesãos )63.

O conceito d os dir eitos hum an os é antigo, mas tem sido desenvo lvido ao longo d a his tória. Os dir eit os natura is ou int rí n s ec os dos ser es hu m an o s j á hav i a m s id o a n t er ior m e nt e mencion ados de f orma e xplícit a e m te xt os re lig ios os (como por exem plo os dez m an dam entos, que recon hec em o d ireit o a vida, a ho nra, et c), literários (como a peç a de teatro Antigone de Sófo cles ), ou pura ment e filosóficos (como os da escola de pensadores de es toic is tas).

62 - HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. Ed. Positivo. 3 ed. São Paulo 63 DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo. Moderna, 1998 p. 14

Um eve nto m arc ante n es s a ev oluç ão foi a C a rta Mag na in glesa, prom ulga da em 1 21 5, consider ada no mundo anglo-saxão c omo a base do conc eit o atu al d os diret os do Home m. A primeir a declaraç ão dos direit os dos home ns da ép oca moderna é aq uela do E s tado d a V irgí nia (EU A ), es c rita por Geor ge Mas on e ad otad a pe la C onv enç ão de V irgín ia em 12 de junh o d e 17 76. E la foi exte ns am ent e cop iad a por Thomas Jefferson para a Declaração dos Direitos do H ome m, contida na Declar aç ã o de Ind ep en dên cia dos Estados Unidos d a Amér ic a (4 de ju lho de 1 77 6), pelas outras c olônias par a red aç ão dos dire it os do Homem, e pe la A s semblé ia Francesa par a a D eclaração Dos Direit os do Homem e do Cidad ão.

A consolid aç ão da cidada nia f oi u m proces so lon go, comp lexo e tam bém replet o de tensões sociais. Instaura-se a partir do s proces sos de l ut as qu e c ulminar am n a f amosa D ec laraçã o dos Direitos Humanos, dos Estad os Unidos da Améric a do Nort e, e também na Revolução Francesa.

Esses event os romp eram o Princípio de Legit im idad e64 que vigia até ent ão, baseado nos deve res dos súdit os, e passaram a es truturá -lo a partir dos direit os fundament ais do cida dã o. A partir des se momento ent ão to dos os tipos de luta for am travad os par a qu e se ampliasse o conc eito e a p rátic a d e cidada nia e o mun do oc ident al o estend esse para mu lher es , crian ç as , minorias nac io na is, étn ic as , sexuais, etárias . P ode-s e afirm ar, então, qu e ci da dania é a expressão concret a do exer cício da dem ocrac ia.

64 Princípio da Legitimidade: consistia na crença (ou imposição) de que o poder político total só poderia ser

exercido por membros da nobreza. A Revolução Francesa quebrou este princípio, baseada nos ideais iluministas, sendo que anos depois, no Congresso de Viena, retornaram provisoriamente ao poder os antigos monarcas absolutistas depostos pelos revolucionários franceses.

A Declaraç ão d os Dire itos do Hom em e do Cidad ão foi redigida no dia 2 6 de ag os to de 1789, sintetizand o em ap enas dezessete artigos e um preâmb ulo t od os os ide ais libertár ios e lib erais d a prim e ir a f as e d a Revol u ção Fr ances a. P el a p r i m eir a v ez s ão proclamados as li ber dades e os dire itos fundamentais do Homem (ou do h ome m moder no, o h omem s eg un do a b urguesia) de forma ec umênica, visand o a barcar toda a humanida de.

Reformulada em 17 93, serviu de inspiração par a as Cons titu ições francesas de 1848 (Segun da República Franc esa) e par a a atu al. Também fo i a b as e da D eclar aç ão Univ ersa l do s Direitos Humanos pro mulgada pela ONU. Seg ue a ba ixo o docum en to, na í nt egr a, cujos princípi os básicos eram a lib er dade e ig ua lda de p erante a L ei, def esa inalienável à propriedade privada e o d ireito de res is tênc ia à o pres s ão.

A Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão possuía a iconografia familiar à dos Dez Mandamentos.

J ai me P i ns k y et al ref erem que N o B r a s i l , a i n d a p r e d o m i n a u m a a n ti g a v i s ã o r e d u c i o n i s t a d a c i d a d a n i a . D i r e i t o s e d e v e r e s c o m o v o ta r e p a g a r o s i m p o s to s s ã o o b r i g a tó r i o s , n ã o v i s to s c o m o u m a to c ív i c o . E x i s t e m , a s s i m , m u i t a s b a r r e i r a s c u l t u r a i s e h i s t ó r i c a s p a r a a v i v ê n c i a d a c i d a d a n i a . O s d i r e i t o s q u e p o s s u í m o s f o r a m c o n q u i s t a d o s – e n ã o c o n c e d i d o s , c o m o u m f a v o r d e q u e m e s tá “ e m c i m a ” p a r a q u e m e s t á “ e m b a i x o ” . D e s t a fo r m a , a c i d a d a n i a n ã o n o s é d a d a , e l a é c o n s t r u í d a e c o n q u i s ta d a a p a r ti r d a c a p a c i d a d e d e o r g a n i z a ç ã o , p a r ti c i p a ç ã o e i n te r v e n ç ã o s o c i a l .

Cidad an ia consiste, a nos so ver, em respeit ar a d iversidade rac ia l, c ultur al, etária, es tética, rel igios a e s oc ial. S er cida dão é ter dire ito à vida, à liber da de, à propr ie dade, à igualdade per ante a lei: é, em r esumo, ter direitos civis. É também participar no des tin o da sociedade, vot ar, ser votado, ter direit os po lí ticos. Os dir eitos civis e po lític os nã o as s egur am a dem oc racia sem os dire itos s oc iais , aq ue les que gar ant em a particip ação do ind iví du o na riqu ez a colet iva: o dir eit o à e ducação, ao trab alh o, ao salário justo, à saú de , a uma v el hic e tran qüi la. E xercer a c ida da nia p len a é ter dir eitos civis, po líticos e sociais. Contudo, sonhar com cida da nia plena e m uma sociedad e p obre, em q ue o acesso aos bens e ser viços é restrito, seria utópico.

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