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Itália e França: os primeiros mundiais na Europa na década de 1930

No documento Caminhos da copa (páginas 148-154)

2 O FUTEBOL E O BRASIL

3.3 Itália e França: os primeiros mundiais na Europa na década de 1930

As duas edições seguintes do Campeonato Mundial de Futebol são realizadas no território europeu; na Itália, em 1934, e na França, em 1938. A Itália em 1934 vivia um momento histórico ímpar, sob o comando de Mussolini, que desde a década de 1920 havia institucionalizado o futebol no país, construindo estádios em várias cidades italianas.

O governo de Benito Mussolini utilizou o esporte como elemento de ligação nacional, convocando uma seleção “imbatível”, na qual os jogadores eram ‘gladiadores’, responsáveis por honrar a Itália. O esporte era o elemento-chave para o fascismo construir a sensação de pertencimento e de unidade nacional, a fim de implantar os projetos do regime, e na concepção do nascimento do ‘novo homem’. A criação do primeiro pôster para a Copa da Itália, em 1932, traduz de forma exemplar a presença do fascismo italiano e do poder de Mussolini; nele, a figura humana que representava um jogador de futebol apresentava o braço erguido, do mesmo modo da saudação fascista. Foi trocado pelo Cartaz que mostra um jogador de futebol dominando a bola. Mas, de qualquer forma, apresentou uma primeira proposta completamente marcada pela ideologia local da época.

Na Copa de 1934, a pressão de Mussolini para que a seleção italiana ganhasse mostrou o tamanho da importância dada pelo regime [fascista] ao futebol. Há fortes suspeitas até mesmo de que o ditador pessoalmente pressionou árbitros para que favorecessem a Itália. Outra irregularidade foi a formação da própria seleção italiana. A Itália apelou a seus “oriundi”, filhos de italianos que jogavam futebol em várias partes do mundo. Contra as regras, e provavelmente influenciada pela pressão brutal de Mussolini, a Fifa aceitou a formação da seleção [italiana] com jogadores “importados”. (GUTERMAN, 2009, p. 71).

No Brasil, o presidente Getúlio Vargas, simpático às ações de Mussolini na Itália, também usou, em menor escala, o poder para pressionar a seleção brasileira, que não se organizava completamente em virtude dos desentendimentos entre os setores do amadorismo e do profissionalismo no futebol.

Para convocar uma seleção digna, a CBD criou o “falso amadorismo” e negociou pagamentos maiores do que aqueles recebidos pelos jogadores profissionais em seus clubes de

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origem, conseguindo, assim, fazer embarcar na jornada daquele Mundial de Futebol atletas como Brito, Leônidas da Silva, Waldemar e Luisinho. A viagem de navio foi prejudicial ao desempenho do selecionado nacional; pouco treino e comida farta fez com que os jogadores chegassem à Europa fora da forma física desejada aos competidores. Crônicas esportivas publicadas em jornais brasileiros daquela época apontam para o mau desempenho da seleção, perdendo por 3 a 1 para a Espanha, por se arrastar em campo, diante de mais de vinte mil espectadores. (GUTERMAN, 2009; VOSER, GUIMARÃES e RIBEIRO, 2010)

Alguns clubes brasileiros boicotaram a ação da CBD, escondendo seus futebolistas em fazendas no interior de São Paulo, entre eles, o Palestra Itália (hoje Palmeiras), que apesar de ter muitos torcedores e dirigentes simpáticos ao regime fascista italiano, afastaram os atletas das propostas financeiras com indícios do profissionalismo no futebol. Este episódio acaba por influenciar e apressar o profissionalismo do futebol no Brasil. (VOSER, GUIMARÃES e RIBEIRO, 2010).

O governo Vargas estabeleceu a prática esportiva como um pilar para a superação das diferenças políticas, sociais, educacionais, estruturais, econômicas da sociedade brasileira. O esporte, e em especial o futebol, era visto como uma ferramenta para a construção dos desejos nacionais e do perfil do povo brasileiro e, portanto, necessitava de regras rígidas e de controle estatal. Anos mais tarde, Vargas regrara os contratos dos “trabalhadores da bola”, assim como todos os contratos trabalhistas a partir da elaboração e outorga da Consolidação das Leis do Trabalho, CLT.

As características do novo Brasil estavam sendo elaboradas, escolhidas, selecionadas com base no comportamento ‘aceitável socialmente’ que o povo apresentava ou, através de um processo catequético, que deveria vir a apresentar. O governo federal controlava o fluxo de informações como prioridade, bem como faziam Itália e Alemanha àquela época, modelos admirados pelo presidente Getúlio Vargas.

Os resultados obtidos pelo escrete nacional em terras italianas foi vexatório: um único jogo contra a Espanha, derrotado por 3 a 1. A desclassificação da equipe do Brasil após disputar a partida entrou para a história do futebol brasileiro, que teve naquele torneio a pior classificação final de todos os tempos do Mundial: a décima quarta colocação (14º. lugar). Dos países latino-americanos, apenas Argentina (9ª. colocação) e Brasil compareceram àquela Copa do Mundo. Originário da África, o escrete do Egito classificou-se em décimo terceiro

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lugar. Em pior colocação que o Brasil, apenas as equipes da Bélgica (15ª. Posição) e dos Estados Unidos da América (16 ª. Posição). Nem Ásia, nem Oceania tiveram países classificados para o certame na Itália.

O time da Itália venceu a competição e mostrou ao mundo do futebol a qualidade da equipe dos ‘gladiadores’, ganhando do selecionado da Tchecoslováquia na final. Aliás, as oito primeiras colocações da classificação oficial do Mundial de 1934 registram seleções europeias no período do entreguerras: Itália (1º. Lugar), Tchecoslováquia (2º. Lugar), Alemanha (3º. Lugar), Áustria (4 º. Lugar), Espanha (5 º. Lugar), Hungria (6 º. Lugar), Suíça (7 º. Lugar), Suécia (8 º. Lugar) e França (10 º. Lugar). Em 1934 o Mundial apontou, de modo geral, para a superioridade do futebol europeu. Na França, a Federação de Futebol está associada à FIFA desde o surgimento da entidade, é um dos países fundadores da Associação Internacional das Federações de Futebol e este fato contribuiu para a realização da terceira edição do Campeonato Mundial de Futebol na França, em 1938.

Já havia um certo mal-estar na Europa, que via os regimes nazo-fascistas de Alemanha e Itália prosperarem. A intolerância marcou aquele período histórico. Países foram apagados do mapa mundi, a ordem econômica foi alterada, o terror se espalhou no continente, por primeiro, e, depois, em outras partes do planeta. A vitória da equipe da Itália na Copa de 1934 mostrou ao mundo a “supremacia fascista”. Adolf Hitler, que já assumira o cargo de chanceler na Alemanha, “viu que o esporte servia como vitrine e resolveu investir na ‘superioridade da raça ariana’,” relatam Voser, Guimarães e Ribeiro (2010, p. 51).

Hitler, durante a Olimpíada de 1936, em Berlim, não suportou assistir a vitória dos negros norte-americanos Cornellius Johnson, atleta do salto em altura, e de Jesse Owens, mito do atletismo, que conquistaram por seus desempenhos físicos as medalhas de ouro em suas categorias, desestabilizando as convicções raciológicas do fürer. O chanceler da Alemanha retirou-se do estádio Olímpico de Berlim evitando fazer a entrega das medalhas aos desportistas. O pensamento excludente em relação ao negro ou aos afro-descendentes não se limita às atitudes de Adolf Hitler; no Brasil, os negros também sofreram preconceito e foram alijados das práticas esportivas exercidas pela elite local.

As experiências do campeonato Mundial de Futebol, na Itália, em 1934 e das Olimpíadas de Berlim, em 1936 na Alemanha, apontavam para, no mínimo, as ‘excentricidades’ do líder do fascismo e do comandante do nazismo. Uma parcela importante

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da Europa já estava contaminada pela xenofobia nacionalista; a demarcação das fronteiras e os limites entre o “EU” e os “OUTROS” ocupava a política, a economia e outros setores das sociedades locais. O antissemitismo era encorajado; a ideia de ‘raça pura’ encontrava ressonância nas populações nacionais oprimidas, que desejavam mudanças e melhoras no cotidiano. Entretanto, o território francês resistiria, num futuro próximo, à dominação alemã, seu antigo desafeto político. Mesmo com a tomada de Paris pelo exército alemão, a resistência francesa entra para a história.

As atitudes de Hitler não pararam por ali. Em 13 de março de 1938 ele invadiu e anexou a Áustria, seu país de origem, à Alemanha. O “Time Maravilha” da Áustria já estava classificado para disputar o torneio mundial, na França. Para compor o time alemão nas disputas do Mundial de 1938, Adolf Hitler impõe a oito atletas da seleção austríaca que vestissem a camisa da equipe alemã e defendessem as cores da Alemanha no certame.

É nesse cenário que, em 1938, os atletas brasileiros desembarcaram no território francês e sofreram rotulações originárias das percepções errôneas e xenofóbicas apontadas por alguns veículos da imprensa, chamados de ‘artistas dos violões’, ‘malabaristas’, ‘musicais’ pelo jornal Petit Parisien (GUTERMAN, 2009) e de ‘ágeis’, ‘artistas com a bola nos pés’ que atuam com ‘sutileza notável’, e, ainda, como um “time formidável”, de acordo texto publicado pelo jornal L’Auto. Como se vê, nem todos concordavam com as diretrizes xenofóbicas europeias apontando para classificações exóticas e primitivas aos estrangeiros naquele momento. Ainda que contagiante e coordenada pelos governos, alguma percepção diferenciada foi guardada na esfera da imprensa francesa da época. (DAMATO e BORBA, 2002; VOSER, GUIMARÃES e RIBEIRO, 2010).

Talvez a impressão de tranquilidade que a equipe brasileira causou naqueles que os viram desembarcar mas não acompanharam seus treinos seja, em parte, reflexo da estabilidade e do ‘clima’ de paz que havia no futebol brasileiro naquele momento. Pela primeira vez, uma seleção do Brasil convocava os “melhores jogadores do país” sem gerar desentendimentos entre as entidades esportivas de Rio de Janeiro e São Paulo. Entretanto, o descrédito na equipe do país treinada por Adhemar Pimenta estava presente junto à torcida brasileira e, como se pode notar, em parte da imprensa internacional. (VOSER, GUIMARÃES e RIBEIRO, 2010).

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Benito Mussolini ficou muito contrariado com o comportamento que os exilados do regime fascista italiano tiveram ao vaiarem a seleção italiana na estreia contra a Noruega, no estádio de Marselha, na Copa da França, em 1938. Para demonstrar seu poder e reação, exigiu que a Squadra Azzurra, vestisse um uniforme todo preto na partida seguinte do Mundial. No jogo contra a seleção da França, o time italiano vestiu preto, a cor do fascismo.

O selecionado do Brasil enfrentou a equipe da Polônia, sob forte chuva, com o resultado de quatro a quatro (4 a 4). Uma ‘virada polonesa’, após perder por três a um (3 a 1), no placar parcial. Dois jogos seguidos contra a seleção da Tchecoslováquia, conforme as regras da época, desgastaram a equipe do Brasil. O primeiro jogo registra o empate em um a um (1 a 1). Na segunda partida, o time brasileiro venceu por dois a um (2 a 1) a equipe vice- campeã do Mundial anterior (1934).

Os resultados favoráveis fizeram a seleção brasileira acreditar que poderia vencer a equipe italiana, campeã mundial da Copa da Itália em 1934. O escrete do Brasil perdeu a disputa por dois a um (2 a 1), para o time da Itália. A seleção francesa, que se acreditava mais bem preparada para o torneio e que jogava ‘em casa’, também perdeu para o time italiano, por três a um (3 a 1). O grupo de atletas francês se classificou na oitava posição geral do Campeonato daquele ano. Os ‘malabaristas’ brasileiros, por sua vez, disputaram a terceira colocação, e venceram o selecionado da Suécia por quatro a dois (4 a 2).

Sobre as atitudes do líder fascista, Voser, Guimarães e Ribeiro (2010, p. 51) relatam, ainda, que Mussolini enviou um telegrama à Azzurra antes da final do Campeonato Mundial de Futebol quando a equipe italiana enfrentaria a Hungria; nele estava escrito “é vencer ou morrer”, enfatizando a importância do esporte para o regime fascista. “Szbaro, goleiro húngaro, chegou a comentar, após a partida, sobre o aviso de Mussolini. ‘Salvamos a vida de 11 homens’.”

O futebol brasileiro emergia e os fundamentos do futebol-arte encontravam uma expressão; os dribles, os passes de bola e a força dos mestiços, negros e brancos brasileiros unidos por um objetivo maior: jogar e mostrar um bom futebol. Após a Copa da França de 1938, a seleção brasileira se tornou respeitada no ‘mundo do futebol’, foi ali, para Voser, Guimarães e Ribeiro que o “Brasil começava a ser uma potência” naquele esporte.

Nas duas competições a Azzurra vence o torneio, conquistando os títulos mundiais, edificando o projeto político-econômico de Benito Mussolini. A classificação final da

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competição apresenta o cenário mundial do futebol com oito equipes europeias dentre as dez primeiras: Itália (1º. lugar), Hungria (2º. lugar), Suécia (4 º. lugar), Tchecoslováquia (5 º. lugar), Suíça (6 º. lugar), França (8 º. lugar), Romênia (9 º. lugar) e Alemanha (10 º. lugar). Apenas o time brasileiro e o cubano, originários das Américas, figuram entre as dez primeiras posições na classificação final, ocupando a 3ª. e a 7ª. colocações respectivamente. Na Copa de 1938 as seleções europeias também dominaram o cenário do futebol mundial.

Os tempos estavam ficando cada vez mais difíceis e o presidente da FIFA, Jules Rimet já sabia que Adolf Hitler desejava levar a entidade para Berlim, onde exerceria o domínio completo sobre as regras e as definições do futebol no mundo, desfazendo-se das humilhações que a seleção da Alemanha havia sofrido ao perder os dois campeonatos Mundiais de 1934 e de 1938. Num golpe de mestre, Rimet transfere a sede da FIFA de Paris, na França, para Zurique, na Suíça.

Em razão da II Grande Guerra (1939 – 1945) e da devastação do território europeu, as edições do evento previstas para os anos de 1942 e 1946, foram canceladas. Nem chegaram a ser definidos os países-sede para o evento. As nações mais prejudicados com os cancelamentos dos torneios de 1942 e de 1946 foram, na opinião de Voser, Guimarães e Ribeiro (2010, p. 52),“a Argentina, que tinha uma geração fortíssima na década de 1940 e, a Itália”, que poderia ter vencido pela terceira vez o campeonato e permanecido, em definitivo, com a posse da Taça Vitória, que em 1970 seria conquistada pelo Brasil (MARTINELLI, 2002; VOSER, GUIMARÃES e RIBEIRO, 2010).

Foi em 1946 que o vice-presidente da FIFA, Ottorino Barassi44, sugeriu que a Taça Vitória recebesse o nome de Taça Jules Rimet e que a primeira seleção nacional que ganhasse três títulos do Campeonato Mundial de Futebol a conquistasse em definitivo. Ainda em 1946, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, filiou-se à FIFA e os países britânicos, que haviam se desligado da entidade durante a II Grande Guerra, se filiaram novamente à organização.

No mesmo ano de 1946 se realizou o primeiro Congresso da FIFA após o fim da II Guerra Mundial, em Luxemburgo. Naquele momento não havia países europeus que desejassem sediar o IV Campeonato Mundial de Futebol a se realizar em 1950. A Alemanha havia se candidatado para sediar o torneio de 1942, mas não havia sido definida e, após os

44Ottorino Barassi era o presidente da Federação Italiana de Futebol no período da II Grande Guerra e foi ele que escondeu o troféu (Taça

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horrores da guerra a qual deu causa, não poderia ser a sede do evento, que teoricamente pregava a paz entre os povos. O Brasil também havia se candidatado anos antes e permanecia como candidato.

No Congresso seguinte, em 1948, no centro de Londres, a CBD propõe à FIFA uma nova fórmula para o torneio, com mais jogos e os selecionados dispostos em grupos. Iniciando com as disputas em chaves, na primeira fase, e , na segunda, todas as equipes jogariam entre si, fazendo uma classificação por pontos. A FIFA aceitou a proposta e o IV Campeonato Mundial de Futebol se realizou no Brasil, com as modificações sugeridas, em 1950.

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