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O futebol e a integração nacional

No documento Caminhos da copa (páginas 105-111)

2 O FUTEBOL E O BRASIL

2.7 O futebol e a integração nacional

Em 1971, a CBD cria o Campeonato Brasileiro, o Brasileirão35, disputado por vinte times, naquele ano. O sucesso da competição e o comprometimento com o projeto governista de integração nacional, fez com que, a cada ano, mais times fossem integrados ao certame, chegando a 94 equipes, em 1979, mesmo com o desgaste do regime militar. 36

O governo Médici pôs o projeto desenvolvimentista em franca expansão; a dívida externa aumentou para o patamar de noventa por cento (90%), entre 1971 e 1974 bem como a ampliação do endividamento, os altos índices de concentração de renda, os mais ricos passaram a ser responsáveis por trinta e nove vírgula oito por cento (39,8%) da renda nacional, enquanto que os cinquenta por cento (50%) mais pobres reduziram sua participação de dezessete vírgula quatro por cento (17,4%) para onze vírgula três por cento (11,3%). As diferenças entre as classes sociais foram ampliadas e causaram mais danos à população, entretanto, havia um entendimento de que todos estavam em vantagem pois a taxa de empregabilidade estava crescendo quatro vírgula três por cento (4,3%) ao ano, no período entre 1968 e 1973.

A sucessão presidencial entrou na pauta em 1972. Houve quem cogitasse a ampliação do mandato do próprio general Médici para além dos quatro anos. Entretanto, em 1974, em substituição a seu irmão, o ministro do Exército Orlando Geisel, o sucessor natural de Médici, o presidente da Petrobrás, general Ernesto Geisel, foi o indicado à disputa, no Colégio Eleitoral, representando a ARENA, contando com a candidatura oposicionista de Ulysses Guimarães, pelo MDB. Era a primeira eleição através do Colégio Eleitoral (Congresso Nacional) e a candidatura do emedebista Ulysses Guimarães tentava denunciar a falsa democracia forjada pelo regime militar.

35 O Campeonato Brasileiro de Futebol é disputado por times nacionais até a atualidade. (N. da A.).

36 Atribui-se ao almirante Heleno Nunes, presidente da CBD, o bordão “onde a ARENA vai mal, um time no nacional”, expressando a

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Em 1974 o general Ernesto Geisel assume a presidência da república e, ele que era conhecido por ser um ‘castellista’, seguidor da linha moderada do ex-presidente general Humberto Castello Branco, tinha o propósito de fazer a transição do Brasil para o regime democrático, passando da administração militar para o governo civil de modo ‘lento, gradual e seguro’, sem assustar a caserna e os setores conservadores da sociedade. Junto ao governo Geisel, a figura do general Golbery do Couto e Silva foi relevante para obter apoio do empresariado nacional e para iniciar a costura da retomada da democracia.

Enquanto isso, Zagallo permaneceu como técnico da seleção brasileira, e como o presidente Geisel não era aficionado por futebol, conseguiu retomar as rédeas da equipe e escalou e treinou de acordo com as mais recentes técnicas e fundamentos do futebol mundial, como a retranca37. Os primeiros jogos contra a Iugoslávia e a Escócia levaram somente ao empate sem a marcação de gols (0 a 0). O goleiro Leão, do clube Palmeiras/SP, foi o destaque no jogo contra a Escócia. Para permanecer na disputa, a seleção canarinho precisava do placar de, no mínimo três gols, sem levar nenhum (3 a 0), ou mais, sobre a seleção do Zaire, que já havia perdido de nove a zero (9 a 0) para os iugoslavos. A vitória pelo placar desejado chegou apenas aos 39 minutos do segundo tempo.

A fase seguinte apresentava como adversários brasileiros os times da Alemanha Oriental, da Argentina e da Holanda. As vitórias contra a Alemanha Oriental, com o placar de um a zero (1 a 0) e sobre a Argentina, por dois a um (2 a 1), entusiasmaram o técnico Zagallo para enfrentar a Holanda, que apresentava uma técnica diferenciada naquele certame: todos os jogadores da linha atacavam e defendiam, características que lhe conferiu o apelido de “Carrossel Holandês” e de “Laranja Mecânica”, fazendo alusão ao giro de atletas nas posições clássicas de atacante e defensores e a cor de seu uniforme. Essa técnica nunca mais foi utilizada por selecionados em Copas do Mundo.

A equipe brasileira perde o jogo para a Holanda e, com apatia, disputa o terceiro lugar em partida contra o time da Polônia, perdendo por 1 a 0 para o grupo europeu. A participação dos atletas brasileiros na Copa do Mundo da Alemanha Ocidental em 1974 revelava que “a geração mágica dos anos 1950 e 1960 não existia mais, e o futebol brasileiro dos anos 1970, a despeito de todo o ufanismo em torno dele, apontava uma entressafra de craques fora de série que levaria anos para ser superada”, afirma Guterman (2009, p. 191 – 192).

37 Estilo de jogo que prioriza a defesa em detrimento ao ataque, tentando inviabilizar o passe da equipe adversária no espaço da zaga (defesa),

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O país sai derrotado daquele Campeonato Mundial. Depreende-se, então, que a distância entre o discurso do Brasil-potência fomentado pelo governo militar e as limitações da nação mostradas na prática, em diversos setores, eram enormes e visíveis. Os maus resultados obtidos no esporte indicavam que a falácia governamental influenciava além da política e da economia. A derrota da ARENA nas eleições legislativas em novembro foi um marco histórico na política nacional.

O grande vitorioso de 1974 é João Havelange, que se elege presidente da FIFA. Em 1975 ele deixa de representar a CBD como seu presidente, sem explicações, sendo substituído pelo almirante Heleno Nunes, que amplia a participação dos clubes brasileiros de futebol no Brasileirão, cumprindo com os objetivos políticos do governo militar: a integração nacional. Entretanto, “parte dos jornalistas esportivos da época já discutia o ‘fim do futebol brasileiro’,” conta Guterman (2009, p. 195).

O clima tenso permanecia no país, em especial, nos principais centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo. O despreparo da seleção brasileira, o distanciamento de grandes ídolos como Pelé, dos campos de futebol, e as partidas disputadas no período entre as Copas de 1970 e 1974, somados ao descontentamento com os caminhos que a nação tomara, não empolgaram ao máximo a torcida brasileira. Com os parcos resultados das primeiras disputas, o Brasil estava anestesiado.

As eleições municipais de 1976 eram o principal objetivo governamental. O governo Geisel não poderia absorver outra derrota nas urnas. Na tentativa de evitar a propagação da campanha oposicionista, promulga a “Lei Falcão”, que proibiu a manifestação dos candidatos em campanhas eleitorais televisivas, ficando autorizada apenas a divulgação da foto, o nome, o número e o partido do candidato, o que causou prejuízos aos candidatos do MDB. Entretanto, a oposição venceu e obteve maioria nas Câmaras de Vereadores em cinquenta e nove (59) das cem maiores cidades do país. Começava a ser visível o descontrole da ditadura militar sobre as instituições que, em funcionamento, chancelavam a imposição de medidas autoritárias em todo o país.

No decorrer daquele mesmo ano, o governo iniciou diálogo com entidades como a Associação Brasileira de Imprensa – ABI, e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e com os líderes do MDB, com o objetivo de definir estratégias para a abertura política sem riscos de ruptura institucional. O processo eleitoral de 1978 foi conduzido pelo

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presidente Geisel, que indicou o general João Baptista de Oliveira Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informação – SNI, de seu governo, assegurando a permanência do processo de abertura da política brasileira.

O país mudara e mostrava a direção que desejava seguir. Os sindicatos estavam fortalecidos e a ‘greve branca’, iniciada em São Bernardo do Campo/SP, na linha de montagem da Saab-Scania, quando dois mil e quinhentos (2.500) operários registraram seu ingresso na fábrica e cruzaram os braços, paralisando a linha de montagem e fugindo da repressão policial comum contra as greves criminalizadas.

O movimento se repetiu em outras tantas indústrias da Grande São Paulo, paralisando mais de meio milhão de trabalhadores, pondo o novo movimento sindical e seu principal líder na mídia nacional, o metalúrgico Luís Inácio da Silva, mais conhecido como Lula. A sociedade brasileira realmente estava passando por uma transformação. As referências das boates nova-iorquinas invadiam a cena noturna das principais capitais do país. A televisão, em rede nacional, já cobria muito do território nacional com seu sinal. Os dados do Censo38

Brasileiro de 1980 registram que cinquenta e cinco por cento (55%) de um total de vinte e seis milhões e quatrocentos mil (26,4 milhões de) residências contavam com aparelhos de televisão. O comportamento feminino e a inserção da mulher nas decisões familiares também ganhavam mais espaço e força.

As telenovelas começavam a ganhar a preferência nacional. Belas mulheres como Sônia Braga e Dina Sfat encantavam os brasileiros em grandes sucessos da dramaturgia. Tempo em que “Dancin’ Days” e “O Astro” ditavam o comportamento no país. Os anos setenta incendiavam ao som de “As Frenéticas”. A palavra de ordem era modernização. [...] O rádio noturno não conquistava mais ouvintes. A TV com sua força e apelo estava sufocando o rádio (DENARDIN, 2011, p. 53).

O regime militar abria algumas frestas mas não desistia de exercer influências sobre certos setores. A CBD, entidade privada coordenadora do futebol nacional, já contava com o Brasileirão; os clubes de futebol enfrentavam uma crise financeira e de novos talentos esportivos. Em contrapartida, os times europeus atraiam investimentos e geravam lucros. Ampliava-se a quantidade de contratações de jogadores brasileiros por times da Europa, fazendo ressurgir no Brasil, o ‘complexo de vira-latas’, denominado em 1950, por Nelson Rodrigues.

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A preparação do selecionado nacional para as Eliminatórias da Copa de 1978, não entusiasmava a população nacional. Oswaldo Brandão, conhecido como um técnico disciplinador e motivador, foi indicado pelo presidente da CBD para comandar a equipe. Brandão apostava no toque de bola para desfazer as defesas fechadas das seleções europeias. O meia Zico, do Flamengo/RJ, ajudou a conquistar bons resultados naquelas eliminatórias. Brandão, cansado das críticas, se demite do cargo durante a competição, ainda em 1977 e seu substituto é o militar Cláudio Coutinho, graduado em Administração e em Educação Física, que já havia atuado como supervisor das seleções que estiveram nos Campeonatos Mundiais de 1970 e de 1974.

Coutinho não detinha muita experiência como técnico de futebol, mas transitava bem junto aos colegas de profissão europeus. Apostava na polivalência dos jogadores, desejando que os jogadores chamados para a seleção atuassem em diversas funções e fossem taticamente obedientes. Ele permaneceu no cargo e levou o time brasileiro às disputas do Mundial, no país vizinho.

Na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, a equipe brasileira empata os primeiros jogos com a Suécia em um a um (1 a 1), e com a Espanha, em zero a zero (0 a 0), precisando vencer a equipe da Áustria para seguir no certame. O presidente da CBD, Heleno Nunes, interviu mandando Coutinho escalar como titulares: Roberto Dinamite, do Vasco da Gama/RJ e Jorge Mendonça, do Palmeiras/SP, no ataque, e Rodrigues Neto, do Botafogo/RJ, na zaga. Dinamite fez o gol da vitória sobre o time austríaco, classificando o escrete brasileiro em segundo lugar naquela chave.

Deste modo, a equipe do Brasil passava a integrar o mesmo grupo que a seleção anfitriã, na segunda fase do campeonato; a seleção canarinho vence o primeiro jogo contra os peruanos com o placar de três a zero (3 a 0), e o jovem Galinho de Quintino, apelido de Zico, atleta do Flamengo/RJ, marca seu primeiro gol em uma disputa da Copa do Mundo. Na segunda partida, o Brasil empata em zero a zero (0 a 0) com a seleção argentina. No enfrentamento seguinte, contra a equipe polonesa, o grupo brasileiro havia crescido e obteve o escore de três a um (3 a 1), fazendo a alegria da seleção brasileira e da torcida, por todo o país. A população do Brasil acreditava que o time brasileiro invicto estaria na partida de encerramento do evento, disputando o título de campeão, pois a equipe da Argentina jogaria contra o Peru, que apresentava uma boa atuação. E, para assumir a vaga na final, os

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argentinos precisariam vencer com dois gols de diferença, considerando o desempenho da equipe brasileira.

Mais uma vez, o destino excluía a seleção canarinho da disputa maior de um Mundial. O time argentino goleou o grupo peruano pelo escore de seis a zero (6 a 0) e arrebanhou a vaga na final, contra a seleção da França, em Buenos Aires. O selecionado brasileiro disputou o terceiro lugar na classificação geral do campeonato, derrotando por dois a um (2 a 1) a equipe italiana. Rivelino anunciou sua despedida da seleção brasileira naquela disputa.

Ainda naquela Copa do Mundo de 1978 a polêmica sobre o jogo entre Argentina e Peru, considerando as questões esportivas, da nacionalidade argentina do goleiro da seleção peruana, Quiroga, e dos jogos em horários subsequentes, trazendo para uma das equipes, a anfitriã, o conhecimento do resultado do certame anterior, foram questionadas. E, por fim, as pressões da ditadura militar portenha, que da mesma maneira que as demais ditaduras latino- americanas, não poupavam esforços para tirar proveitos do esporte em nome de uma integração nacional, capitalizando as glórias esportivas como resultado das ações políticas e desenvolvimentistas nacionais por eles promovidas, se faziam presentes no Mundial de 1978.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, de Porto Alegre/RS, o técnico da seleção argentina declarou: “através da forma como as minhas equipes jogam, eu falo da sociedade em que gostaria de viver!”. O time da Argentina atuava com simplicidade, talento e criação, era ofensivo e priorizava toques curtos, estilo que prejudicou a atuação das equipes adversárias em campo.

Denardin39 (2011, p. 57 - 59) relata que quando entrevistou o técnico do selecionado argentino, Cesar Luis Menotti, durante a Copa do Mundo de 1978, percebeu que,

[...] para Menotti não foi fácil ganhar aquela copa. A pressão era imensa, imaginem conseguir administrar a euforia popular dos argentinos, por receberem o mundial, e o fato do país estar passando por uma ditadura. [...] uma Copa não é apenas uma taça de futebol. Vencer significa ganhar o respeito de todas as nações. [...] Essa copa ganha pela Argentina está inserida em um momento histórico importante na América do Sul. Floresceram no continente as ditaduras militares. Elas foram cruéis e deixaram marcas indeléveis no nosso povo. As piores foram no Chile, com o general Augusto Pinochet; e na Argentina, comandada por Jorge Rafael Videla que na copa do mundo era o presidente do país.

Após a participação da seleção canarinho no Mundial de 1978, encaminhava-se a eleição para presidente do Brasil. Dois generais disputavam o cargo máximo do executivo

39 As percepções de Denardin (2011) a respeito do cenário político do continente não apontam para a situação brasileira, entretanto, a conduta

da ditadura militar brasileira não foi diferente nem mais amena do que as demais. Basta buscar maiores informações sobre os governos dos generais Médici e Costa e Silva para verificar o período truculento. (N. da A.).

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nacional, um pela situação e outro pela oposição. O general João Figueiredo, candidato da ARENA, foi eleito pelo Colégio Eleitoral em 14 de outubro, vencendo a candidatura do general Euler Bentes Monteiro e seu candidato a vice, o senador gaúcho Paulo Brossard, oriundo do ministério público, concorriam sob a sigla do MDB. Se Figueiredo era “castellista”, como saber qual seria a linha do general Euler Monteiro, filiado ao MDB, que não recebia o apoio nem a indicação do governo ditatorial militar.

O projeto de desenvolvimento nacional a partir de um modelo de Brasil-potência, que pretendia colocar o país no Primeiro Mundo estava esvaziado. “A ditadura estava minguando por dentro [...] e começou a sacudir a apatia brasileira e a gerar movimentos civis de abertura, penetrando, até mesmo no habitualmente fechado, antidemocrático e patriarcal mundo da administração do futebol”, afirma Guterman (2009, p. 201). Por outro lado, o nacionalismo militar atrapalhava a chegada do capital estrangeiro ao Brasil; a globalização da economia crescia e desejava o mercado nacional.

No documento Caminhos da copa (páginas 105-111)