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1 RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL, ADIMPLEMENTO, INADIMPLEMENTO E

3.5 Critérios em normas e proposições normativas internacionais e supranacionais

3.5.2 Itália, Portugal, Alemanha e Argentina

Os estudiosos dos países que adotam o sistema de civil law e reconhecem expressamente a teoria do adimplemento substancial também se debruçam sobre a busca de critérios para a definição de substancialidade.

Na Alemanha, o critério apontado por Larenz é aberto, ao defender que não se deve recusar aquela prestação oferecida de modo incompleto, quando nela se

267 Tradução livre. No original: § 275 – In determining the materiality of a failure fully to perform a

promise to following circumstances are influential: (1) The extent to which the injured party will obtain the substantial benefit which he could reasonably anticipate; (2) The extent to which the injured party may be adequately compensated in damages for lack of complete performance; (3) The extent to which the party failing to perform has already partly performed or made preparations for performance; (4) The greater or less hardship on the party failing to perform in terminating the contract; (5) The willful, negligent, or innocent behavior of the party failing to perform; (6) The greater or less uncertainty that the party failing to perform will perform the remainder of the contract.

268 Vivien Lys Porto Ferreira da. Extinção dos contratos: limites e aplicabilidade. São Paulo:

observar pequena falta em relação ao todo, e sem que exista interesse objetivamente fundado que se oponha à aceitação269.

Vivien Lys Porto, mencionando critérios de avaliação do adimplemento no direito alemão, ensina:

[...] a jurisprudência alemã, na caracterização do adimplemento substancial, considera não unicamente os interesses do credor, mas também o fim do contrato, adotando esse critério objetivo como critério basilador da extensão da inexecução. Por conseguinte, há a coibição máxima da prevalência dos interesses egoísticos das partes, sendo a preservação do negócio jurídico o lema perseguido.270

Em relação ao ordenamento italiano, Pamela Schimperna aponta dois critérios principais. Um, de cunho objetivo e predominante na literatura jurídica italiana, consistente na interdependência funcional das obrigações e o abalo que o inadimplemento causou na economia do contrato. O outro, de caráter subjetivo, que remete à vontade presumida dos contratantes, verificando se a parte adimplente, ciente do eventual inadimplemento, ainda contrataria271.

Ruy Rosado de Aguiar Junior, em passagem sobre a definição do adimplemento de scarsa importanza no ordenamento italiano, consignou o seguinte:

[...] a jurisprudência e a doutrina italianas têm fixado três critérios para definir o que seja inadimplemento de não escassa importância, em vista do interesse da outra parte: ou se leva em consideração (a) a causa do contrato ou (b) o equilíbrio das prestações, ou (c) os motivos individuais expressos ou implícitos. A opinião largamente aceita na doutrina recomenda que a importância do adimplemento seja aferida segundo critério objetivo, fundado na equivalência entre prestação e contraprestação272.

269 “Así, no se debe rechazar una prestación que le sea ofrecida no en su totalidad, como dispone el §

266, pero en que solamente falta una parte pequeña en relación con el todo, y sin que haya interés alguno objetivamente fundado que se oponga a la aceptación de la parte (mayor) ofrecida.” (LARENZ, Karl. Derecho de Obligaciones. t. 1. Tradução: Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p. 150).

270 SILVA, Vivien Lys Porto Ferreira da. Extinção dos contratos: limites e aplicabilidade. São Paulo:

Saraiva, 2010, p. 47.

271 SCHIMPERNA, Pamela. Importanza dell’inadempimento nella risoluzione del contratto. In:

Giustiza Civile, Milano: Giuffrè, v. 35, p. 497-514, out.1985, p. 501.

272 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor:

Schimperna aponta, ainda273, alguns dispositivos do código civil italiano,

relativos a escassa ou não importância do inadimplemento274, dentre os quais

aquele que considera de escassa importância a falta de pagamento de uma só parcela que não exceda a oitava parte do preço total.

Disposição no mesmo sentido reside no artigo 934º, do Código Civil português:

Artigo 934º. Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativa às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.

Mário Júlio de Almeida Costa, referindo-se à parte final do artigo 934º – sem

embargo de convenção em contrário –, defende que a imperatividade ali constante

se refere a uma proteção mínima conferida ao devedor, só podendo as partes estipular regime mais vantajoso do que a disposição legal275.

Já a Argentina, um dos países com reconhecimento expresso mais recentes276 em relação à teoria do adimplemento substancial, parece ter se baseado

nas disposições constantes no artigo 7.3.1, dos Princípios do UNIDROIT e no artigo 8:103, dos Princípios do Direito Europeu dos Contratos.

Assim, no artigo 1.084277, do Código Civil e Comercial, consta que, para os

273 SCHIMPERNA, Pamela. Importanza dell’inadempimento nella risoluzione del contratto. In:

Giustiza Civile, Milano: Giuffrè, v. 35, p. 497-514, out.1985, p. 502-503.

274 Artigos 1525 (Inadempimento del compratore); 1564 (Risoluzione del contratto; 1668 (Contenuto

della garanzia per difetto dell'opera); 1877 (Risoluzione del contratto di vitalizio oneroso) e 1924 (Mancato pagamento dei premi).

275 “O art. 934.º é imperativo, pelo que toca à protecção mínima dispensada ao comprador. Quer

dizer, a defesa nele estabelecida não pode ser prejudicada por acordo das partes, embora estas tenham a faculdade de estipular um regime mais favorável ao comprador do que o previsto no referido preceito.” (COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 7. ed. rev. e actual. Coimbra: Almedina, 1998, p. 915).

276 O novo Código Civil e Comercial argentino foi promulgado em 8 de outubro de 2014, com vigência

a partir do dia primeiro de agosto de 2015.

277 ARTÍCULO 1084.- Configuración del incumplimiento. A los fines de la resolución, el incumplimiento

debe ser esencial en atención a la finalidad del contrato. Se considera que es esencial cuando: a) el cumplimiento estricto de la prestación es fundamental dentro del contexto del contrato;

b) el cumplimiento tempestivo de la prestación es condición del mantenimiento del interés del acreedor;

c) el incumplimiento priva a la parte perjudicada de lo que sustancialmente tiene derecho a esperar; d) el incumplimiento es intencional;

fins da resolução, o inadimplemento deve ser essencial, tendo em conta a finalidade do contrato.

As alíneas do mencionado artigo cuidaram de tratar de hipóteses nas quais se considera essencial o descumprimento: a) o estrito cumprimento da prestação seja fundamental dentro do contexto do contrato; b) o cumprimento tempestivo da prestação seja condição da subsistência do interesse do credor; c) o descumprimento priva a parte prejudicada do que substancialmente tem direito de esperar; d) descumprimento seja intencional e; e) o descumprimento tenha se apresentado por uma manifestação séria e definitiva do credor.

Muito embora o avanço no tratamento do tema seja notável, é de se ressaltar a infeliz impressão extraída da leitura dos artigos 1.086278 e 1.088, alínea “a”279, do

mesmo diploma, pela qual se parece estabelecer uma restrição à aplicação dos efeitos do adimplemento substancial, constante no artigo 1.084, somente aos casos em que não haja nenhuma condição resolutiva expressa.

Os critérios objetivos constantes nos ordenamentos citados certamente são de valia aos intérpretes, na medida em que concretizam, nos casos especiais a que se referem, aquilo que se possa considerar como adimplemento substancial, entretanto, atentando para a axiologia basilar do adimplemento substancial – boa-fé objetiva e função social dos contratos – não se pode ter tais manifestações específicas como um rol taxativo, que só permitisse a aplicação da teoria quando a lei assim dispuser.