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1 RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL, ADIMPLEMENTO, INADIMPLEMENTO E

3.6 O interesse juridicamente relevante para resolução

3.6.2 O interesse objetivado

Em razão dos obstáculos apontados na verificação subjetiva do interesse, poder-se ia sugerir a total negação deste caminho, partindo-se para uma aferição objetiva, levando a uma análise que “deve ter em conta a economia do contrato, a globalidade da relação existente e o desequilíbrio ocasionado pelo descumprimento”301.

Pelo critério objetivo, se argumenta que, para efeitos da resolução contratual, é necessário avaliar a interdependência funcional entre a prestação e a perturbação que o descumprimento causou302 não considerando aquele integrante específico da

relação contratual, mas verificando “se, pondo-se outro alguém nas condições concretas do credor e nas caracteristicas do vínculo [...] ter-se-ia a prestação por adimplida”303.

Seriam utilizadas, portanto, abstrações. Uma, em relação à pessoa específica do credor e outra em relação a sua satisfação, que presume-se atendida, de modo absoluto, se cumprida a prestação conforme os requisitos impostos no contrato.

300 “Por razón misma de las formas variables sobre las cuales se manifiesta en la realidad la

inejecución de la obligación el pensamiento interno e secreto das partes no habrá podido detenerse en las eventualidades que escapan necesariamente a su previsibilidad.” (VIGARAY, Rafael Alvarez.

La resolución de los contratos bilaterales por incumplimiento. Granada: Universidad de

Granada, 1972. p. 128).

301 BUSSATA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109.

302 “In senso contrario i sostenitori della posizione oggetiva, i quali sostengono che: ai fini della

risoluzione del contratto a prestazioni corrispettive, è necessario valutare l’interdipendenza funzionale tra le prestazioni ed il turbamento che l’inadempimento ha recato.” (SCHIMPERNA, Pamela. Importanza dell’inadempimento nella risoluzione del contratto. In: Giustiza Civile, Milano: Giuffrè, v. 35, p. 497-514, out.1985, p. 501).

303 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. (Coleção biblioteca de direito

civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, v. 7) São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 87.

Neste sentido, o Enunciado nº 162, do Conselho da Justiça Federal, referindo ao artigo 395, do Código Civil:

A inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor.

Mas de tal proposição de abstração não pode decorrer a negação completa do critério subjetivo de averiguação. O que se pretende evitar é a utilização do mero interesse subjetivo do credor, buscando-se uma justificação objetiva para a perda subjetiva do interesse.304

É o que se apresenta na dicção do artigo 112, do Código Civil de 2002305, do

qual se pode extrair duas tendências. A primeira delas, subjetiva, remete à vontade. A segunda, objetiva, remete à declaração.306 Tais tendências subdividem-se na

responsabilidade do autor da declaração por aquilo que declarou ou deixou de declarar – independente da vontade, e na confiança, pela qual a parte se esteia na declaração ou na ausência de declaração da outra parte.307

Se, de um lado, parece que o interesse deva ser considerado por um critério objetivo, de outro, o foco subjetivo não pode ser desconsiderado completamente308,

já que a análise objetiva precisa considerar as circunstâncias que permeiam a relação contratual, inclusas aí a condição pessoal do lesado pelo inadimplemento, o que poderá ajudar a demonstrar qual era sua expectativa legítima em relação ao contrato309.

304 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 7. ed. rev. e actual. Coimbra: Almedina,

1998, p. 945, nota 3.

305 Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que

ao sentido literal da linguagem.

306 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar,

2003, p. 420.

307 ALVIM, Arruda. A sintonia da redação do artigo 112 do Código Civil com os princípios

contemporâneos do negócio jurídico bilateral e do contato. In: Revista do advogado, v. 24, n. 77, p. 13-16, jul. 2004, p. 14.

308 “Conforme o artigo 112 do novo Código Civil ‘nas declarações de vontade se atenderá mais à

intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem’, não se quer impor a prevalência da vontade que ficou retina na consciência íntima da pessoa, mas a intenção na medida em que se tornou reconhecível na declaração ou conduta tomada pela pessoa, ou seja, a interpretação deverá se ater à intenção expressa na declaração de vontade, o comportamento e as circunstâncias que envolvem a manifestação de vontade.” (BELTRÃO, Silvio Romero. Interpretação dos contratos. In: A teoria do contrato e o novo Código civil. Recife: Nossa Livraria, 2003. p. 101- 124. p. 104).

309 “Contudo tais abstrações não prescindem das circunstâncias concretas do caso. Ao contrário.

Há passagem, na lição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, defendendo a acomodação das duas ordens de critérios mencionadas. Para ele, o interesse também seria uma relação entre a necessidade do credor e aquilo que pode prestar o devedor, sendo a prestação que já não pode atender tal necessidade, por consequência, inútil310.

Defende, ainda, que o interesse na prestação decorre do próprio sinalagma – da correspectividade em equivalência das prestações, de modo que se possa estabelecer objetivamente, de acordo com a natureza da prestação, o interesse, a necessidade que ela satisfaria. Seriam analisados dados de duas ordens:

(..) os elementos “objetivos”, fornecidos pela regulação contratual e extraídos da natureza da prestação, e o elemento “subjetivo”, que reside na necessidade de o credor receber uma prestação que atenda a carência por ele sentida, de acordo com a sua legítima expectativa e a tipicidade do contrato. Não se trata dos motivos ou desejos que, eventualmente, o animavam, mas da expectativa resultante dos dados objetivos fornecidos pelo contrato, por isso, legítima.311

A verificação se daria, assim, por um critério composto – averiguando os

relação obrigacional ordenada pelo princípio da boa-fé objetiva, as peculiaridades do caso são

absolutamente importantes para a concreta identificação da conduta devida. [...] O que permite identificar os elementos subjetivos relevantes para a solução concreta é a atribuição social de valor – vale dizer, uma atribuição socialmente compartilhada de valor – a um determinado elemento subjetivo. [...] Os processos de objetivação e abstração conduziram, por muitos anos, a um padrão conhecido como o ‘bom pai de família’, referido, mesmo hoje, com alguma freqüência. Tal modelo, ainda que fosse dotado de incertezas, oferecia resultados razoáveis quando a sociedade burguesa pós-revolução se mostrava mais coesa e menos complexa, juridicamente subjetivada pela figura do ‘sujeito de direito’, ser de todo abstrato. Não é essa, entretanto, a realidade de nossos dias. Admitida a existência de um padrão objetivo, ele tem de enquadrar-se em limites muito mais restritos, como seria o de uma hipotética ‘boa mãe de família’, ou o do ‘consumidor médio’, ou do ‘hipossuficiente’, do carente de proteção em razão de sua opção religiosa ou orientação sexual, e assim sucessivamente. Todas essas emanações das subjetividades, constitucionalmente asseguradas, podem exercer papel expressivo quando da interpretação da conduta devida, toda vez que esses dados forem elementos relevantes no processo obrigacional, o que só pode ser visto no caso concreto e por meio dos filtros da boa-fé objetiva.” (SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Adimplemento e extinção das obrigações. (Coleção biblioteca de direito civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, v. 6) São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 44).

310 “Interesse é uma relação posta entre o sujeito credor e a prestação prometida, servindo esta a

suprir a necessidade ou carência; daí dizer-se que o credor está ‘interessado’ na prestação do credor [SIC - obviamente, se quis dizer ‘devedor’]. A prestação que desatender a esse interesse, porque já não tem capacidade de suprir a necessidade do sujeito credor, é uma prestação inútil. É preciso, portanto, estabelecer em que consiste o interesse a que a prestação está ligada. Certamente, é o que decorre do próprio sinalagma, em que existem prestações correspectivas em equivalência, podendo ser objetivamente estabelecido que interesse a prestação prometida iria satisfazer, de acordo com a sua natureza e a experiência comum.” (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos

por incumprimento do devedor: resolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 2003, p. 132).

311 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor:

elementos subjetivos recorrendo a argumentos racionalmente verificáveis e controláveis, buscando-se não o interesse unicamente do lado de um ou outro integrante da relação jurídica obrigacional, mas sim o interesse da relação em si. Daí a razão de chamá-lo de “interesse objetivado”312 ou legítimo, em detrimento a

interesse objetivo.

Tais noções, muito embora permitam o aprofundamento teórico no caminho para uma verificação da substancialidade do adimplemento, tornando-a mais concreta, ainda suportam exploração, especialmente ao se considerar aquilo que o adimplemento exige não ser “tanto a satisfação do interesse unilateral do credor, mas o atendimento à causa do contrato”313.

Assim, convém explicitar e adotar posição sobre as acepções de causa do negócio jurídico, a fim demarcar sua relevância como critério último de verificação da substancialidade do adimplemento.