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Objeto, motivo, elemento categorial inderrogável e causa das obrigações

1 RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL, ADIMPLEMENTO, INADIMPLEMENTO E

3.7 A causa dos contratos e a gravidade do descumprimento

3.7.2 Objeto, motivo, elemento categorial inderrogável e causa das obrigações

É de se ressaltar, inicialmente, que não se pode confundir a causa com o objeto do contrato, por existirem entre eles função e papel distintos.

O objeto do contrato atine à operação jurídica que as partes pretendem realizar – é o que se pretende obter, seja um bem ou uma conduta. A diferenciação se torna clara ao visualizar que “a mesma coisa ou bem pode ser objeto de contratos diferentes, isto é, de contratos que têm causa diversa”324 (a causa, neste aspecto,

refere-se aos motivos determinantes – comportando, aqui, acepções diversas – às partes para a realização da avença325).

Assim, não seria de todo incorreto definir causa como aquilo que levou os contratantes a decidir ingressar na relação. Como mencionado, a palavra causa é análoga e esse é um dos sentidos que lhe é cabível.

Sob tal aspecto, para diferenciar essa “causa subjetiva” da causa dos contratos, melhor classificar a razão interna que impulsionou à contratação como o “motivo” dos contratantes326, sendo definido “como o móvel psicológico externo ao

ato, ou o propósito, ocasional, mediato, que tem em vista o agente, ao assumir a

obrigação”327.

Entretanto, tal como visto quando da análise do interesse dos contratantes sob o prisma subjetivo, o motivo, por ser fator interno e insindicável328, não

encontraria relevância, caso permaneça íntimo, à análise da substancialidade do

324 CASTRO, Torquato. Da causa no contrato. Recife: Imprensa Universitária, 1966, p. 42.

325 “Efectuadas las consideraciones precedentes, cabe afirmar que entre el objeto y la causa del

contrato existen diferencias tan esenciales que no son factibles de ser confundidas, pues como elementos que son, portan funciones o roles distintos. El objeto del contrato considera la operación que las partes han entendido realizar. La causa atiende a los motivos determinantes que consideraron las partes a los fines de la celebración del contrato.” (STIGLITZ, Rubén S. Objeto,

causa y frustacion del contrato. Buenos Aires: Depalma, 1992, p. 19-20).

326 “[...] se motivo é definido como o móvel psicológico externo ao ato, ou o propósito ocasional e

mediato que tem o agente ao assumir a obrigação, causa, a seu turno, disso tudo difere, pois significa aquele escopo imediato que tem a virtude de informar o negócio jurídico, garantindo-lhe a individualidade conceitual, entre outros negócios. Assim, portanto, causa e motivo não são termos sinônimos para a teoria geral do negócio jurídico.” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O sinalagma contratual: a chamada causa dos contratos: relações contratuais de fato. In: Revista de

direito do consumidor, v. 23, n. 93, p. 209-229, maio/jun. 2014. p. 6).

327 CASTRO, Torquato. Da causa no contrato. Recife: Imprensa Universitária, 1966, p. 14.

328 “Os motivos simplesmente individuais não são elementos constitutivos da causa. Precisamente por

serem individuais, eles são essencialmente subjetivos e internos, contingentes, variáveis, multíplices, diversos, e, com frequência, até contraditórios. Como tais, eles são imponderáveis e, diferindo disso na causa, não comportam uma valoração social positiva, enquanto não passarem a fazer parte do conteúdo do negócio: continuam, portanto, a ser irrelevantes também para o direito.” (BETTI, Emílio.

Teoria geral do negócio jurídico. t. 1. Tradução: Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra Editora,

adimplemento329.

Não se há de confundir, ainda, causa com os elementos categoriais inderrogáveis. Estes, situados no plano da existência dos negócios jurídicos, podem ser definidos como “os elementos intrínsecos a toda declaração negocial, são as circunstâncias negociais, vale dizer, o objeto e a forma, que caracterizam a essência de todo negócio jurídico”330, ligando-se intimamente aos direitos e deveres primários das obrigações331. Seriam, portanto, elementos intrínsecos e responsáveis pela

caracterização do tipo do negócio jurídico, fixando o regime jurídico ao qual a relação contratual se submeterá. Difeririam dos elementos categoriais naturais ou derrogáveis, os quais, mesmo defluindo da natureza do negócio, poderiam ser afastados pela vontade das partes, sem que se alterasse o tipo do negócio332.

A causa, por sua vez, é, em regra, externa ao negócio, podendo variar, ainda que dentro de relações com os mesmos elementos categoriais inderrogáveis.

Por fim, deve se estabelecer uma distinção entre a causa das obrigações e a causa dos contratos. Esta é una em cada arranjo contratual, enquanto, em relação àquela, é possível se identificar uma causa para cada uma das obrigações que se assuma por meio do contrato.

Tal possibilidade de confusão é atribuída, por Torquato Castro, aos estudos dos causalistas333 franceses:

Êsse método estranho dos causalistas – de analisar a causa, não no ato jurídico em que ela se integra como elemento essencial, mas na

obrigação que é apenas uma parte do ato, aliás um meio em relação

ao fim que neste último reside – é responsável, em grande parte, pelo insucesso da expansão e desenvolvimento do conceito, tanto na doutrina como na jurisprudência.334

329 “A causa, pois, em sentido próprio, somente se concebe em relação ao ato no qual se integra. O

‘motivo’, ao contrário, não desempenha no ato nenhum papel fundamental, nem na sua formação, nem nos seus efeitos. Ele é irrelevante, em regra, para o direito [...].” (CASTRO, Torquato. Da causa

no contrato. Recife: Imprensa Universitária, 1966, p. 14-15).

330 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O sinalagma contratual: a chamada causa dos

contratos: relações contratuais de fato. In: Revista de direito do consumidor, v. 23, n. 93, p. 209- 229, maio/jun. 2014. p. 12.

331 Vide item 1.3, supra.

332 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. atual.

São Paulo: Saraiva, 2008, p. 35.

333 “As correntes anticasualistas exprimem uma ordem formalista, hoje em grande relevo com a

onipotência do mercado e o relativismo dominante. O que é necessário é que o sistema funcione, seja à custa do que for, e já as correntes casualistas estão associadas a uma intenção de controle objetivo e de intervenção social. São menos liberais e não aceitam a tutela do tráfego como um valor absoluto.” (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: teoria geral – ações e fatos jurídicos. v. 2, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 255-256).

Por tal análise, a causa seria buscada “na obrigação de cada parte, donde decorre que o contrato poderá comportar tantas causas, quantas as obrigações que dele se originem”335.

Portanto, causa final do contrato não pode ser confundida com a causa de cada uma das obrigações que o compõe. As várias causas das obrigações inseridas em um contrato é que, analisadas conjuntamente, formam a causa do contrato, sendo esta una. Para cada contrato, poderá haver somente uma causa final, “que se realiza através de meios certos: as obrigações”336 dele componentes.

A impossibilidade do alcance da causa final de uma das obrigações não irá, necessariamente, desconfigurar a causa do contrato. E é justamente quando isso ocorre que se torna possível aplicar a teoria do adimplemento substancial.

Estabelecidos os alertas distintivos, cumpre consolidar o conceito e a relevância da causa final para o presente estudo.