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CAPÍTULO 6 – O CURSO DE FORMAÇÃO

6.3 E IXO DE ANÁLISE 3 – O PAPEL DESEMPENHADO PELO PESQUISADOR PARA O

Na visão de muitos licenciandos, na Educação Matemática ainda prevalece o modelo de comunicação baseado na transmissão de informações, dando ênfase ao processo de identificar os erros e corrigi-los em seguida (ALRO; SKOVSMOSE, 2007). Os licenciandos participantes deste estudo possuem uma formação baseada nessa perspectiva de transmissão de informação, além de apresentarem uma forte percepção acerca da desvinculação existente entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento escolar, conforme foi constatado em várias respostas pela ocasião da entrevista.

Tendo como objetivo a análise das compreensões de LE entre licenciandos de Matemática, em um processo de formação, que durante seis encontros se estruturou como um ambiente de sala de aula, envolvendo o LE como objeto de estudo, a participação dos licenciandos e o papel do pesquisador nesse processo, buscamos criar um ambiente que se distanciasse do modelo tradicional, aquele em que o professor e o livro didático constituem a autoridade única do processo. Tentamos também nos distanciar daquela perspectiva de classificação entre o que é certo e o que é errado, como normalmente se concebem o conhecimento matemático e que Alro e Skovsmose (2007) chama de absolutismo burocrático.

Nesta seção, nos propomos a analisar o papel desempenhado pelo pesquisador para o estabelecimento de diálogos, que durante todo o processo assumiu uma postura que buscava oportunizar entre os licenciandos um espaço onde a comunicação ocorresse por meio de interações sociais e não como mera transmissão de informação. Neste contexto, o pesquisador deveria assumir uma postura com vistas a essas ocorrências, posto que esperávamos que indícios de LE deveriam emergir da partilha de significados, decorrentes dos processos de comunicação como interação social, conforme é explicado por Menezes et al. (2014).

As ações comunicativas no decorrer do processo se aproximaram daquelas que Menezes et al. (2014) definem como: (i) explicar, (ii) questionar, (iii) ouvir e (iv) responder. Por entender que um processo de promoção de LE requer muitas habilidades por parte dos licenciandos, buscamos manter uma postura cujas ações dessem voz aos participantes, favorecendo, dessa forma, as interações.

No eixo de análise anterior, discutimos sobre o papel da comunicação na postura dos licenciandos. Percebemos que grande parte das resoluções das atividades em termos de interpretação ocorreu sob a perspectiva do diálogo entre eles e, como já afirmamos anteriormente, diálogo que se caracterizou pela conversação com qualidade, nos termos de Alro e Skovsmose (2007), e não apenas como uma mera troca de informações. Neste contexto, o pesquisador atuou como uma espécie de mediador, que ora se aproximava, ora se distanciava desses diálogos. Entretanto, em uma situação ou outra uma das ações era executada, quer fosse ouvir ou questionar.

O ouvir foi uma das ações utilizadas como forma de dar oportunidade aos licenciandos de participarem no discurso das aulas. Essa abertura para participação no discurso das aulas, favoreceu o estabelecimento de diálogos entre eles, ao resolverem as atividades propostas.

A ação de questionar também se configurou com uma estratégia por parte do pesquisador, principalmente porque em alguns momentos foi necessário direcionar o foco do diálogo entre os participantes. Em uma situação que os licenciandos questionavam o uso de tabelas ao invés de gráficos (Atividade 2, Apêndice B), porque, naquele momento, para eles a identificação de tendências seria facilitada pela utilização de gráficos, sentimos a necessidade de fazer uma intervenção, com o seguinte questionamento:

P: “Numa questão da entrevista, nós tínhamos uma tabela, lembram? Nela também vocês fizeram várias comparações e, posteriormente, eu chamei a atenção de vocês para um fato! Algo que faltava na tabela e inviabilizava as comparações”. (Atividade 2, encontro 1).

O questionamento feito nesse momento buscou voltar o foco dos licenciandos para uma outra questão que já tinha sido discutida sobre a utilização de valores absolutos para efetuar comparações entre variáveis. Esta estratégia teve como objetivo focar a atenção dos licenciandos em um aspecto da interpretação da informação, no caso, a comparação usando valores absolutos ou valores relativos, quando o foco deles estava no tipo de representação.

Perguntas com função de verificação também foram utilizadas e a depender da situação a ação de questionar por parte do pesquisador assumiu diferentes perspectivas. Um exemplo que representa essa situação ocorreu quando em um diálogo estabelecido entre L2 e L5, sobre a confiabilidade do resultado da pesquisa sobre a legalização da maconha para fins medicinais. Neste momento, L5 finalizava o diálogo argumentando que a pesquisa era confiável porque informava o tamanho da amostra e a margem de erro, o que não parecia compreensível para L2. A nossa intervenção, neste momento, teve um caráter de verificação: “P: O texto informa que

a margem de erro da pesquisa é de 3% para mais ou para menos. O que isso significa? (Atividade 2, encontro 1)”.

Menezes et al. (2014) explicam que este tipo de pergunta visa testar o conhecimento dos alunos. Para nós, além de testar sobre o conhecimento, buscava também entender o porquê da maioria das interpretações dos licenciandos estarem baseadas mais em opiniões e julgamentos do que mesmo em uma análise estatística mais formal.

Muitas das situações de interpretação levaram os licenciandos a mobilizarem conhecimento contextual, o que é muito pertinente para a Estatística, de maneira geral, e, em particular, para o LE, tendo em vista que os contextos envolvidos nas interpretações geravam discussões a respeito de temas importantes para a vida em sociedade, a exemplo da implementação de políticas públicas para uma melhor qualidade de vida para as pessoas; discussões que tinham como foco a equidade social, geradas a partir das análises dos dados estatísticos.

Em uma dessas discussões (Atividade 1, Apêndice C), nos aproximamos do grupo formado por L2 e L5, que tinham estabelecido um diálogo sobre a importância que os resultados de pesquisas têm na implementação de políticas públicas e questionamos: “P: Poderia nos dizer como chegaram a essas conclusões? (Atividade 1, encontro 2)”.

Esta pergunta não teve um caráter de verificação de conhecimentos, nossa intenção foi de fazer com que os licenciandos expressassem suas compreensões e, com isso, conhecermos a forma de pensamento e as estratégias por eles utilizadas. Sobre este tipo de pergunta, Menezes et al. (2014, p. 144) esclarecem que:

Normalmente, são as perguntas de inquirição que mais se aproximam da utilização da pergunta com o sentido original deste ato comunicativo, ou seja, a formulação de um pedido genuíno de informação a outro sujeito, incluindo as perguntas sobre os processos de pensamento dos alunos.

Nas aulas de Estatística, conhecer os processos de pensamento dos alunos torna-se essencial para o bom desempenho da aprendizagem, tendo em vista que, ao lidar com o conhecimento estatístico, a natureza do conhecimento difere daquela do pensamento matemático, onde predomina o absolutismo, enquanto que na Estatística prevalece o pensamento não determinístico. Para o professor formador, em cursos de licenciatura ou para um professor de Matemática no Ensino Básico, conhecer o pensamento dos alunos é essencial para o apoio das aprendizagens.

Durante o decorrer dos encontros, das resoluções das atividades, o desempenho do pesquisador foi se desenhando na ação de perguntar, ora utilizando de uma estratégia, ora de outra. Para obter indícios de LE, com ênfase em dimensões críticas, conhecer as formas de pensamento dos alunos, que ora mobilizam elementos de conhecimento, ora expressam suas opiniões e fazem julgamentos sobre as informações estatísticas é fundamental. Diante da constatação de que a maioria das interpretações feitas pelos licenciandos apresentavam, em grande parte, aspectos disposicionais (GAL, 2002a), tornou-se importante saber o que apoiava tal estratégia, isto é, queríamos compreender se mesmo o aspecto disposicional, a exemplo de um posicionamento crítico, estava apoiado ou não em conhecimentos estatísticos e/ou matemáticos.

Tais características só puderam ser conhecidas por meio da ação de comunicação que se estabeleceu naquele espaço de compartilhamento de conhecimentos.

Um momento que ilustra a situação apontada no parágrafo anterior ocorreu com relação à resolução da atividade 1 (Apêndice C). Nos detemos no diálogo estabelecido entre os participantes L2, L5 e L6, que conversavam acerca da quantidade de informação presente na tabela, considerando que o excesso de dados atrapalhava a interpretação e passaram a cogitar a ideia de resumir as informações da referida tabela. Interessados em saber o que eles estavam compreendendo por resumir, indagamos: “P: E como fariam para resumir? (Atividade 1, encontro 2)”.

Usamos a estratégia de verificação do conhecimento, já que o diálogo estava centrado no conhecimento de contexto, não ficando claro se e qual era o tipo de conhecimento estatístico que estaria envolvido. Com essa pergunta, foi possível conhecer que os licenciandos estavam pensando em utilizar a medida de resumo média, pois era uma maneira de facilitar as comparações das taxas entre os estados e até mesmo entre as regiões. No entanto, não era suficiente apenas isso, precisávamos conhecer o processo de pensamento sobre o uso daquela medida na situação em jogo. Para isso, usamos uma pergunta de inquirição: “P: Então vocês acham que resumir por meio da média é uma estratégia adequada? (Atividade 1, encontro 2)”.

A pergunta de inquirição foi utilizada para conhecermos o processo de pensamento desses licenciandos ao lidarem com essa situação. Uma situação com base em dados reais, que exigia deles, naquele momento, a mobilização de uma estratégia que possibilitasse a leitura e a interpretação daqueles dados. No entanto, ao conhecermos a resposta para a pergunta acima, gerou-se a necessidade de outra intervenção, no sentido de direcionar os licenciandos para o contexto de onde aqueles dados foram produzidos. Para isso, utilizamos uma pergunta de

focalização, conforme mostramos a seguir: “P: Acham que a renda per capita diz muito sobre quanto cada pessoa nos estados ganham? (Atividade 1, encontro 2)”.

Este tipo de pergunta teve um papel importante para a compreensão do uso das medidas de resumo, em termos de propriedades da média, que por ser fortemente influenciada pelos valores extremos pode produzir resultados que não representam fielmente uma amostra. Ao pensar na média, apenas pelo ponto de vista estatístico, os licenciandos estavam corretos, porém, como se tratava de uma situação de distribuição de renda, era preciso pensar em termos de representatividade e, para isso, era necessário estabelecer relações com o contexto em que os dados foram produzidos. Foi necessária uma mudança de foco para que os licenciandos fizessem uma interpretação mais coerente dos dados.

No decorrer do curso, outras ações também foram exercidas, como a ação de explicar, no entanto, de forma mais restrita, devido a própria natureza da pesquisa e seus objetivos, em que cabiam mais o ouvir e o questionar. Nas ocasiões em que se fez necessária uma explicação, estas tiveram um caráter disciplinar. Em algumas situações, não foi possível chegar a uma conclusão razoável sobre determinada resolução da atividade. Esses casos foram tratados no final do encontro, momento em que o pesquisador utilizou da ação de explicar, com o objetivo de esclarecer o que não foi compreendido. Nesses casos, o tipo de explicação dada teve caráter disciplinar, nos termos de Menezes et al. (2014).

A utilização de explicações disciplinares ocorreu quando, nos momentos de diálogo entre os licenciandos, não foi possível chegar a uma conclusão razoável sobre uma determinada questão. Casos como esses foram abordados no final do encontro, em que nos reuníamos para discutirmos sobre o encontro e, nesse momento, eram explicadas algumas dúvidas apresentadas no decorrer do encontro e que não foi sanada pelo diálogo estabelecido entre eles.

Em síntese, o diálogo desempenhou um papel central no processo de promoção do LE de licenciandos em Matemática. Em um primeiro momento, os licenciandos expressaram suas opiniões sobre a Estatística e sua importância, o que fez com que os significados que eles tinham em mente fossem revelados. As análises expressas foram construídas em conjunto, por meio de diálogos que se estabeleceram entre eles, ou seja, o significado atribuído pelos licenciandos à Estatística resultou de um processo de negociação de significados.

Posteriormente, a natureza das atividades exigia dos licenciandos interpretações de informações e, para alcançarem este objetivo, eles estabeleceram diálogos que ampliavam a interação entre eles, resultando, na maior parte das vezes, em um desempenho positivo. As conversas foram consideradas como diálogos porque, na maioria das vezes, um determinado conceito que estava implícito na situação emergia como decorrência do diálogo. Assim,

consideramos que essas conversas apresentavam certas qualidades, como mencionam Alro e Skovsmose (2007). Nesse processo de resolução das atividades de interpretação de informação estatística, para a promoção de LE, a comunicação como interação social, revelou-se de forma muito positiva, tendo em vista que, ao interagirem, os licenciandos conseguiam ampliar discussões sobre os contextos das atividades, bem como fazerem emergir conceitos matemáticos e estatísticos que eram implícitos às atividades.

Por fim, mas não menos importante, foi considerado também o papel da postura do pesquisador. A estratégia considerada central nesse processo diz respeito ao favorecimento da participação ativa por parte dos licenciandos. Fazia-se necessário que os participantes desse curso tivessem um papel ativo; porém, essa atividade por parte deles estava condicionada ao favorecimento do pesquisador para que pudesse haver esse protagonismo dos licenciandos nas ações do grupo.

Com isso em mente, propomos as atividades e optamos, inicialmente, por nos mantermos na condição de observadores participantes, isso porque em certos momentos, a depender do que ouvíamos, optávamos por intervir com um questionamento. No entanto, esse tipo de estratégia exigia de nós a escolha acertada do tipo de pergunta a fazer. Haviam momentos em que era necessário direcionar o foco do diálogo de um contexto para outro, sendo utilizada uma pergunta de focalização. Mas, como todo processo de formação nessas condições é diverso, noutras vezes, a situação exigia uma pergunta de verificação de conhecimento ou de inquirição. Em uma estratégia ou outra, a comunicação na postura do pesquisador desempenhou um papel de observação participante, mediando em alguns momentos os diálogos.