• Nenhum resultado encontrado

2.1 O PAPEL DA EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA NOS PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM

2.1.1 O Raciocínio Estatístico

O Raciocínio Estatístico é considerado na literatura da Educação Estatística como um processo que deve ser desenvolvido nas aulas de Estatística, a fim de possibilitar a resolução de problemas. Ben-Zvi e Garfield (2004, p. 7) argumentam que o Raciocínio Estatístico:

Pode ser definido pelo modo como pessoas raciocinam ideias estatísticas e fazem sentido de informações estatísticas. Isso envolve fazer interpretações baseadas em conjuntos de dados, representações de dados ou sumários estatísticos de dados. O raciocínio estatístico pode envolver a conexão de um conceito com outro (por exemplo, centro e dispersão), ou pode combinar ideias sobre dados e chance. Raciocínio significa entender e poder explicar os processos estatísticos e poder interpretar completamente os resultados estatísticos.

O Raciocínio Estatístico é definido por Garfield (2002) como o modo pelo qual uma pessoa raciocina com ideias estatísticas, adquirindo sentido para as informações estatísticas. Esses processos envolvem interpretações baseadas em conjuntos de dados, representações ou resumos estatísticos dos dados na forma de gráficos e de tabelas. O Raciocínio Estatístico envolve, também, conexões entre um conceito e outro – medidas de centro e variação, a exemplo de uma média e desvio-padrão, respectivamente – e ainda combinar ideias sobre dados e chance. A autora ainda menciona que o Raciocínio Estatístico significa compreender um

processo estatístico e ser capaz de explicá-lo, além de interpretar completamente os resultados estatísticos.

Na presente pesquisa, optamos por incluir as discussões sobre o Raciocínio Estatístico presentes na literatura da Educação Estatística porque consideramos essa discussão em um contexto mais amplo, que é a discussão sobre a natureza do conhecimento estatístico, cuja característica principal está relacionada à distinção entre raciocínio estatístico e raciocínio matemático; tal distinção pode ser pensada nas condições de incerteza e acaso que envolvem a Estatística e a lógica determinística que fundamenta a Matemática. Ao discutir acerca da distinção entre a Matemática e a Estatística, Gal e Garfield (1997, p. 6) indicam aspectos característicos do tipo de raciocínio envolvido no trabalho com a Estatística:

O raciocínio estatístico trabalha com o número num contexto e tal contexto promove o tipo de interpretação dos dados; No raciocínio estatístico a indeterminação dos dados distingue-se da exploração matemática mais precisa e de natureza mais finita; Os procedimentos da matemática fazem parte e são necessários para a construção do raciocínio estatístico, porém não são limitados por eles; Os problemas estatísticos não possuem uma única solução, não conferem um status de completamente certos nem errados, devendo ser avaliados em termos da qualidade do raciocínio, da adequação dos métodos utilizados, à natureza dos dados existentes.

Quando raciocinamos baseados em aspectos determinísticos, estamos utilizando formas de raciocinar mais próximas da Matemática, sem levar em conta aspectos como incerteza, aleatoriedade e variabilidade dos dados (características da natureza não determinística da estatística). Pensamos que este fato (usar formas de raciocínio determinísticas, ao resolver problemas de natureza não determinística), pode indicar o não desenvolvimento do Raciocínio Estatístico e estar relacionada à abordagem do ensino da Matemática baseada na resolução de exercícios fechados, na aplicação de fórmulas e procedimentos matemáticos que, na maioria das vezes, são transferidos para a resolução de problemas no ensino da Estatística.

Estudos sobre o desenvolvimento dos processos de letramento, raciocínio e pensamento estatísticos como objetivos principais do processo de ensino e aprendizagem da Estatística têm levado muitos estudiosos a desenvolverem perspectivas e modelos. A esse respeito, delMas (2002) argumenta que não existe hierarquia entre as habilidades, mas sim uma relação intrínseca. Para representar uma dessas relações, o autor apresenta uma perspectiva da relação existente entre as habilidades, em que coloca o Raciocínio e o Pensamento estatísticos como subobjetivos do LE, conforme pode ser visto na Figura 1 abaixo:

Figura 1 – Modelo de Raciocínio e Pensamento como subobjetivos do Letramento.

Fonte: delMas (2002).

O diagrama mostrado na Figura 1 apresenta o Letramento numa posição mais ampla, incluindo o Raciocínio e o Pensamento estatísticos como processos que devem ser desenvolvidos a partir de atividades específicas e estratégias de ensino que envolvam os estudantes, o professor e as atividades elaboradas para este fim. Neste caso, o raciocínio e o pensamento estatísticos não possuem mais elementos independentes do LE, tornando-se subobjetivos para o desenvolvimento do indivíduo estatisticamente letrado. No entanto, delMas (2002) chama atenção para o fato de que a formação de um cidadão plenamente desenvolvido e estatisticamente letrado poderá exigir experiências educativas tanto dentro quanto fora da escola.

Garfield e Gal (1999) estabelecem seis tipos específicos de raciocínio que os estudantes devem desenvolver ao estudarem Estatística, conforme mostra o Quadro 1:

Quadro 1 – Tipos de Raciocínio Estatístico

Tipos de Raciocínio Estatístico Raciocínio

sobre dados

Reconhecimento ou categorização dos dados como qualitativo ou quantitativo, discreto ou contínuo, e saber por que o tipo de dado leva a um tipo específico de tabela, gráfico ou resumo estatístico.

Raciocínio

sobre a

representaçã o dos dados

Está relacionada à capacidade de entender a leitura e a interpretação de gráficos, qual o tipo de gráfico é adequado para representar um conjunto de dados e o reconhecimento das características gerais de uma distribuição pelo seu gráfico.

Raciocínio sobre medidas estatísticas

Capacidade para entender por que as medidas centrais, amplitude e dispersão fornecem informações diferentes sobre o conjunto de dados; saber quais são os melhores para o uso em diferentes condições, e por que eles fazem uso ou não de uma boa representação de um conjunto de dados; por que usar resumos para predições será mais preciso para grandes amostras do que para pequenas amostras; por que um bom resumo de dados inclui uma medida central tanto quanto uma medida de dispersão e

por que resumos de medidas de “centro” e dispersão são úteis para comparar conjunto de dados.

Raciocínio sobre incerteza

Estar relacionado ao uso correto da ideia de aleatoriedade, chance e semelhança para fazer julgamentos sobre eventos incertos; saber por que nem todos os resultados são igualmente prováveis; saber quando e por que a semelhança de diferentes eventos pode ser determinada usando diferentes métodos (tais como um diagrama de árvore de probabilidades, uma simulação usando moedas ou um software).

Raciocínio sobre amostras

Diz respeito à capacidade de compreender como as amostras estão relacionadas com a população e o que pode ser inferido a partir de uma amostra; saber por que uma amostra bem definida será mais precisa para representar a população; saber por que existem maneiras para se constituir uma amostra que não representam uma dada população; saber ser cético acerca de inferências feitas usando amostras pequenas ou tendenciosas.

Raciocínio sobre associação

Diz respeito ao julgamento e interpretação da relação entre duas variáveis; saber como examinar e interpretar uma tabela de dupla entrada ou gráfico de dispersão quando se considera uma relação bivariada; saber por que uma correlação forte entre duas variáveis não significa uma relação de causa e efeito.

Fonte: Garfield e Gal (1999).

Não existem abordagens de ensino para o desenvolvimento do Raciocínio Estatístico nos estudantes de maneira simples e direta, como se fossem receitas prontas. Todavia, o professor pode elaborar e efetivar estratégias de ensino com ênfase em atividades problematizadoras e que se baseiem em situações próximas da realidade dos estudantes. Abordagens de ensino assim poderão promover formas de Raciocínio Estatístico nos estudantes.

Uma das causas que concorrem para o não desenvolvimento do Raciocínio Estatístico é apontada por Batanero (2013). Para esta autora, o que vem impedindo o desenvolvimento desse raciocínio nos estudantes é, possivelmente, a maneira como a Estatística é ensinada, onde os conteúdos são abordados de forma mecânica e os professores não explicitam a relação existente do contexto com os dados.

A abordagem de ensino da Estatística por meio de dados do mundo real é imprescindível no desenvolvimento do raciocínio estatístico, além de auxiliar na compreensão da Estatística como uma disciplina de natureza não determinística. Nesse sentido, Costa (2007) explica que muitos professores de Matemática em sua formação inicial são levados a compreenderem que existe uma relação da Estatística com o mundo, porém não são levados a uma compreensão mais profunda acerca da natureza desse conhecimento.

A formação – neste caso desde a inicial do indivíduo – é praticamente voltada para o pensamento estatístico como determinístico, dificultando a compreensão da presença e da existência, por exemplo, da variabilidade e do erro aleatório – expressão tão difundida na mídia atualmente, principalmente nos períodos de pesquisas eleitorais. (COSTA, 2007, p. 36).

Uma etapa importante no desenvolvimento do Raciocínio Estatístico dos estudantes diz respeito a sua avaliação. No processo de avaliação é importante o reconhecimento de como os estudantes raciocinam acerca das ferramentas estatísticas, como interpretam resultados e tiram conclusões; para habilidades como estas, o simples cálculo de medidas resumo, por exemplo, não são suficientes para avaliar o tipo de raciocínio utilizado. É necessário proporcionar uma situação em contexto, em que o aluno seja levado a optar por um tipo de procedimento ou outro mais adequado; ou ainda, optar por uma determinada representação e não outra, justificando suas opções.

Para delMas (2002), o desenvolvimento do Raciocínio Estatístico deve se constituir como objetivo explícito da Educação Estatística. Um dos requisitos para a obtenção desse objetivo é o desenvolvimento de tarefas que vão além dos cálculos e procedimentos. Uma possível estratégia adequada para este fim pode estar baseada na expressão oral e escrita dos estudantes. Por exemplo, levar o estudante a explicar a influência de uma medida de dispersão, como o desvio-padrão, sobre uma medida de centro, como a média; estratégias desse tipo podem estimular o raciocínio estatístico, bem como relacionam-se às competências de LE.

O autor sugere uma sequência de palavras-chave que podem caracterizar o objetivo de uma tarefa que é proposta ao estudante com o objetivo de desenvolver uma das competências da Educação Estatística.

Quadro 2 – Tarefas que podem distinguir os três domínios

LETRAMENTO RACIOCÍNIO PENSAMENTO

Identificar Por que? Aplicar

Descrever Como? Criticar

reformular Explicar (o processo) Avaliar

Traduzir Generalizar

Interpretar Ler

Fonte: delMas (2002).

No quadro 2, apresenta-se uma sequência de palavras cujo objetivo é orientar o processo de ensino voltado para o desenvolvimento dos processos de letramento, raciocínio e pensamento estatísticos. delMas (2002) argumenta que se o objetivo do professor é desenvolver o letramento dos estudantes, ele pode solicitar que o aluno identifique um termo ou conceito, descrevam gráficos ou distribuições, traduzam resultados estatísticos ou interpretem os resultados de um procedimento estatístico.

Porém, se o objetivo for desenvolver o raciocínio estatístico dos estudantes, o professor pode solicitar que os alunos expliquem porquê e como os resultados foram obtidos, como por exemplo, explicar como a média atua como um ponto de equilíbrio ou explicar por que a

mediana é resistente aos valores extremos. A lista de palavras do quadro 2 para o desenvolvimento do raciocínio estatístico pode, inclusive, ser utilizada nos processos de aprendizagem que objetivam o desenvolvimento de tipos de raciocínios mais específicos, conforme aqueles mostrados no quadro 1. No que se refere ao pensamento estatístico, o autor sugere que este se distingue do letramento e raciocínio, em que se solicita aos alunos para aplicar o letramento e raciocínio em um contexto específico.

O uso desses termos pode auxiliar o professor a distinguir entre os três processos almejados na Educação Estatística e orientar quanto aos objetivos pretendidos. Entendemos que a sugestão dos termos não tem a pretensão de isolar uma competência da outra, tendo em vista que ao resolver tarefas de letramento estatístico o aluno não deixará de utilizar um determinado tipo de raciocínio estatístico.