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JÚLIO CÉSAR FRANÇA LIMA:

No documento contradições e desafios para a saúde (páginas 157-160)

Marise, de fato, desenvolveu toda a discussão de forma organizada, tanto na sua apresentação, como no próprio texto que elaborou sobre a proposta do PRO-NATEC e seu desenvolvimento. A partir da leitura que tenho de alguns textos ela-borados pelo Dante, do Rio Grande do Norte, do Domingos, do Paraná; do Marcelo Lima, da Universidade Federal do Espírito Santo, sobre o PRONATEC, me parece que já está dado submeter a formação humana à pedagogia das competências, às necessidades imediatas do mercado de trabalho. Parece que essa seria a ideia central, na visão desses autores, com relação aos cursos que o PRONATEC se propõe a de-senvolver. Uma segunda questão é que o parceiro prioritário para o desenvolvimento dos cursos é o Sistema S, principalmente os de formação inicial e continuada. Não encontrei nenhuma menção nesses textos sobre o fortalecimento das instituições públicas, como Marise comentou na sua apresentação. Há outros elementos colo-cados por esses autores que é a possibilidade de dinamizar o mercado educativo ao

financiar as escolas privadas, principalmente o Sistema S, através de bolsas estudantis

e, inclusive, a expansão da rede física das escolas desse Sistema, conforme colocam Dante e Domingos. E não só através da bolsa, mas também investindo na estrutura física das escolas privadas. Por outro lado, isso acaba desresponsabilizando o

Es-tado na constituição de quadros docentes da educação profissional, na medida em

que delega para as entidades patronais a formação dos estudantes da rede pública.

Isso significa também a radicalização do processo de privatização e mercantilização da educação profissional, utilizando o PRONATEC como elemento de barganha

política, via distribuição de bolsas, seja junto as populações ou à juventude à qual se destina, seja junto aos próprios empresários da educação.

Com relação à segunda questão sobre o protagonismo do SENAC e o de-senvolvimento do PROFAPS, temos aí duas questões. A primeira é com relação ao próprio protagonismo do SENAC. Dissemos que é uma instituição protagonista na

formação profissional em saúde, mas eu não encontrei nenhum estudo que discuta

esse protagonismo. Quando da elaboração da minha tese de doutorado, em que

discuto a formação profissional na área de enfermagem, corri atrás, tentei levantar documentação, enfim, tentei de várias formas verificar se eu conseguia recuperar esse protagonismo, mas não encontrei. Necessitaria de um estudo específico. Até onde pude verificar, parece que esse protagonismo do SENAC na área da saúde se

inicia nos anos 1970, exatamente em razão do grande contingente de trabalhadores

sem qualificação profissional que trabalhavam no interior dos hospitais privados, não só organizando cursos, mas também material didático para a qualificação nas

técnicas básicas. Nos anos 1980, o SENAC teve um protagonismo junto ao proces-so constituinte, através do conhecido profesproces-sor Francisco Aparecido Cordão, um quadro histórico do SENAC. Numa entrevista que ele nos concedeu no âmbito do Projeto Memória, relata que naquele momento, participou como representante dos hospitais privados. Nos anos 1990, com a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a área da saúde, coordenando a elaboração desses referenciais junto ao Ministério da Saúde. Portanto, não é à toa que a proposta de criação do Sistema S da Saúde não foi aprovada até agora. O primeiro relator do projeto, numa audiência pública em 2005, apoia essa proposta. Em 2008, o Senador Sérgio Guerra, assume a relatoria e o projeto é encaminhado para uma Comissão que aprova a proposta que segue para outra Comissão. O relator dessa comissão foi um Senador de Brasília ou Goiás - não lembro - vinculado à área do comércio, da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio), que sentou sobre o relatório até seguir para arquivamento no Senado Federal, em 2010. Parece que o SENAC ou as forças polí-ticas que representam os interesses do SENAC, têm tentado barrar essa tramitação, só não sabemos até quando.

Com relação ao PROFAPS, do meu ponto de vista, acho que ele tem o mérito

Biodiagnóstico, Saúde Bucal, Manutenção de Equipamentos, Próteses Dentárias e outras, ou seja, o que o PROFAE se propôs para a área de Enfermagem. Mas, sem a infraestrutura e sem o apoio que esse último teve quando da sua operacionalização. Nas condições em que vem sendo operacionalizado - aí mereceria investigar melhor como esses cursos e essa proposta de formação estão ocorrendo -, acho que será difícil alcançar a meta de formar, aproximadamente, 750 mil trabalhadores de todas as áreas. Isso é mais ou menos o dobro do que o PROFAE formou. Tal qual o PRO-FAE, trata-se de um projeto circunstancial e conjuntural, mas à diferença deste, a sua proposta central é realizar cursos de formação e especialização, não mais sob o modelo de competição administrada proposta por Bresser Pereira à época. Ou seja, é um projeto que prioriza a oferta e organização de cursos pelas ETSUS ou pelo setor público, mas não se propõe a fortalecer a Rede de Escolas Técnicas do SUS, nem investir maciçamente na formação docente tal qual o PROFAE. Com todas as críticas que possamos ter ao PROFAE, ele viabilizou de forma pioneira outros componentes, tais como o fortalecimento da RET-SUS em termos de infraestrutura e equipamentos, a abertura de estações observatórios que pudessem investigar de forma permanente a questão da formação e do mercado de trabalho em saúde no Brasil. Investiu amplamente ainda na formação docente em cursos de especialização

para lecionar na formação profissional na área de enfermagem, como também na

elaboração de material didático-pedagógico. Além disso, a partir do foco na

requa-lificação dos atendentes para auxiliares de enfermagem, cumpriu o papel de regular no país a formação desses trabalhadores e definir o seu escopo de práticas. Ao tentar organizar o sistema de certificação de competências, o PROFAE precisava, mini

-mamente, regular o perfil desse profissional, as suas atribuições, a sua atuação, etc.

Nesse processo, reuniu os sindicatos, os conselhos, o Ministério da Saúde, o Minis-tério da Educação, o MinisMinis-tério do Trabalho e outros. Reuniu uma série de atores

institucionais para discutir sobre qual auxiliar queremos formar; qual o perfil desse

auxiliar; quais as práticas que ele realiza ou poderia realizar, mas não faz; e qual o

tra-balho prescrito e o tratra-balho real desse profissional. O resultado final desse processo foi uma ampliação do perfil do auxiliar de enfermagem, incorporando elementos de

gestão do processo de trabalho, de participação na discussão do planejamento das ações, extrapolando assim o fazer estritamente técnico, das técnicas de enfermagem.

Por outro lado, é a partir desse protagonismo na organização do sistema de certifi -cação de competências do auxiliar de enfermagem que vem toda a discussão da con-tribuição do PROFAE em disseminar o modelo de competências na área de saúde e para outras áreas. Considerando, então, esse protagonismo do PROFAE, o PRO-FAPS está muito longe da proposta que foi construída e operacionalizada no início dos anos 2000. Até onde eu vejo, a proposta desse programa não tem muito impacto

na regulação ou ordenação das áreas profissionais eleitas, reduzindo-se à constru

eventuais impactos nos serviços de saúde. Na minha avaliação, falta fôlego da atual

equipe do Ministério para construir de fato uma política de educação profissional em

saúde que agregue outros atores, como a Rede Federal de Ensino que não tem uma história acumulada na área da saúde, conforme Marise apontou.

Quanto à observação que Daiana faz em relação aos royalties do petróleo para a educação e para a saúde, não tenho acompanhado essa discussão. Já li críticas, in-clusive falando que é balela essa história de que esses royalties irão, de fato, aumentar os recursos para a educação ou a saúde. Acho que estamos na fase propaganda dessa proposta, mas se de fato vai acontecer ainda é cedo para avaliar, porque há muitos interesses em jogo.

No documento contradições e desafios para a saúde (páginas 157-160)