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I. JUDEU? QUE É ISSO?

2. QUEM É JUDEU?

2.5. JERUSALÉM: A INSTITUIÇÃO MAIOR

Ao discutir utopias, sonhos e mitos, Freud (1970) considera que, na formação do sonho coletivo, colaboram dois movimentos: abolir uma realidade penosa; e manter a realidade através da deformação e das representações. A utopia e o mito são partes indissociáveis do mesmo sonho coletivo, que contém uma dimensão utópica que aponta para a salvação libertando o homem do ciclo do sempre-igual; e uma dimensão mítica que impede o advento do genuinamente novo e impõe a temporalidade do eternamente idêntico. Nesse sentido, Jerusalém é o sonho coletivo, mito e utopia dos judeus.

O judaísmo começa com o sonho da Terra Prometida e Jerusalém é a sua representação maior. Se o órgão da vivência é a percepção e o órgão da experiência é a memória, o povo judeu exercita tanto a percepção do descontínuo da vivência quanto lembra a continuidade da experiência. Está atento para perceber as situações sempre tão novas das diferentes cidades em que se insere e, também, mantém contato com a tradição, evitando se transformar numa “vítima da amnésia”.

Repetem-se os autores quanto ao caráter simbólico, utópico ou arquetípico de Jerusalém.

Para Geiger (1998), desde o tempo bíblico dos Salmos Jerusalém já representava a memória e a virtualidade do povo judeu. Exilados na Babilônia,

mas já com permissão para voltar, escreviam: “Às margens do Eufrates nos assentamos e choramos. Que seque minha destra mão se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém”. Diz Mezan (1970) que ...

Jerusalém continua sendo, aos olhos dos judeus, o que sempre fora desde o início da Galut14: o lugar para onde convergem as esperanças de redenção de todo o povo, a centralidade da terra de Israel

Na poesia de Nachman de Breslav, “A qualquer lugar que eu vá, estou sempre indo para Jerusalém”, a força da utopia é tão presente quanto nas orações diárias. Mesmo nos momentos em que Israel era um sonho impossível e Jerusalém era uma cidade proibida, as orações terminavam, como ainda terminam, com a frase Ba Shanah Habahah Beierushalaim – no ano que vem em Jerusalém. Nas palavras de Sobel, Jerusalém foi sempre o lugar onde o potencial nacional judaico poderia, um dia, se concretizar.

Jerusalém não foi fundada segundo nenhum rito. Ao contrário, foi uma cidade conquistada onde David instalou a primeira capital do Reino Unificado de Israel e Judá, e onde Salomão construiu o Primeiro Templo para abrigar a Arca da Aliança que, se antes acompanhava os judeus nas guerras e batalhas, na semeadura e na colheita teve, pela primeira vez, uma ancoragem espacial – em Jerusalém.

Como realidade prática, o retorno maciço a Jerusalém só começa a acontecer recentemente, a partir do movimento sionista.

Desde a destruição do Templo no ano 70 d.e.c., pelos romanos, os judeus foram expulsos da Terra de Israel. Jerusalém foi reconstruída seguindo um modelo romano, e renomeada Aeolia Capitolina. A Terra de Israel foi renomeada Palestina em honra aos filisteus, inimigos dos judeus nas épocas anteriores. A partir de então, os judeus foram impedidos de entrar em Jerusalém. O Império Romano do Oriente manteve a política do anterior Império Romano e Jerusalém se manteve como a cidade proibida até que os muçulmanos venceram Bizâncio em 538 d.e.c. Por 1300 anos, interrompidos no período das Cruzadas, os muçulmanos mantiveram o poder sobre Jerusalém e, como nômades, não se estabeleceram na cidade. O Império Turco Otomano teve o poder pelo mais longo período – de 1518 até 1917. Quando foi desfeito o Império Otomano ao fim da Guerra Mundial I, o domínio da Palestina ficou

dividido entre França e Inglaterra até 1948 quando, finda a Guerra Mundial II, fundou-se o Estado de Israel.

Desde o fim das Cruzadas grupos de judeus vêm reocupando Israel. Mais judeus passaram a imigrar para Israel a partir da expulsão da Espanha em 1492. No século XVI, muitos se dirigiam para Tzafat, que se tornou o centro do misticismo judaico, a kabalah. Na metade do século XVIII, estabeleceu-se a primeira comunidade chassídica em Israel, na parte da Cidade Velha de Jerusalém, no Velho Yishuv. Em 1880, havia cerca de 40 mil judeus morando na Terra de Israel, entre 400 mil muçulmanos. Nesse período, a maioria dos judeus vivia no que hoje se chama Velha Cidade em Jerusalém. A cidade estava superpovoada e as condições sanitárias eram precárias. Entretanto, pela falta de um aparato legal de proteção, os judeus não se arriscavam a morar fora das muralhas da cidade. Em 1858 Montefiore construiu o primeiro assentamento fora das muralhas da Cidade Velha. Ao lado de Montefiore, o Barão Edmond de Rothschild contribuiu para o reassentamento dos judeus na Terra de Israel, financiando pessoalmente a implantação de várias colônias agrícolas e empreendimentos comerciais.

Perante as perseguições aos judeus no Império Russo, cresceu o movimento político sionista, que via na Terra de Israel o único lugar onde os judeus poderiam criar uma identidade nacional. Pinsker é um dos nomes mais importantes do início do movimento que ganharia força e transformaria, meio século mais tarde, a Terra de Israel no Estado de Israel. Em 1882, uma outra importante organização se formou na Rússia: o BILU foi muito ativo no que veio a ser a primeira grande migração de judeus – aliah – do leste europeu para a Terra de Israel. Entre 1882 e 1891, 30 mil judeus estabeleceram 28 novos assentamentos. Centenas de acres de terras foram comprados, pelos sionistas, a proprietários árabes que moravam em outros lugares do Oriente Médio. A maior parte dessas propriedades era de terras abandonadas, em áreas consideradas impossíveis de desenvolver – como nas areias da costa ou nos pântanos do Vale do Hula.

A perseguição aos judeus, agora em níveis intoleráveis, se espalhava pela Europa. O sionismo ganhou força com a participação do jornalista Theodor Herzl. Na Basiléia, na Suíça, em 1897, reuniu-se o I Congresso Sionista. Disse Herzl então:

Na Basiléia foi criado o Estado Judeu. Daqui a cinco anos talvez, daqui a cinqüenta anos com certeza, todos os verão.

Cinqüenta e um anos depois, a criação de Israel foi proposta pela Organização das Nações Unidas. O sonho coletivo se concretizava. Os judeus retornavam à Terra dos Ancestrais e a Europa se isentava da responsabilidade e do convívio com os milhões de vítimas, órfãos e inválidos, sobreviventes dos campos de concentração e extermínio do Holocausto. Até hoje Jerusalém é uma cidade dividida e compartilhada por judeus, católicos e muçulmanos.

Para Sobel (2000), o sionismo é o movimento de libertação nacional do povo judeu, tão antigo quanto sua dispersão.

A esperança de retornar ao lar judaico surgiu no dia em que fomos expulsos de nossa terra pelos babilônios 2.500 anos atrás. Nossa libertação e a reafirmação do nosso vínculo histórico com a Terra de Israel são partes integrantes da experiência religiosa e cultural judaica. A relação entre Povo e Terra é o lema central do Sidur, nosso livro de orações, e das aspirações e sonhos judaicos através da história. Sionismo e Judaísmo são inseparáveis, e Jerusalém é uma parte inalienável de cada alma judia. A esperança de retornar à Cidade Santa foi a força motriz que impulsionou os judeus a sobreviverem como povo durante séculos de exílio e dispersão, estabelecendo um vínculo indissolúvel entre o povo judeu e Jerusalém.

Enquanto parte do mundo judaico focalizava Jerusalém e a recriação do Estado de Israel, os judeus do leste europeu se dividiam entre fundar um Estado em algum lugar disponível, ir para a América e ir para a Palestina. Dentre os que chegaram na América, está o núcleo formativo da atual colônia israelita do Recife.