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JOGOS ELETRÔNICOS E DIREITO

No documento Direito, cultura POP e cultura clássica (páginas 126-128)

Pedro n. MizukaMi1

Talvez seja estranho pensar nas relações entre jogos eletrônicos e ensino ju- rídico. Ao contrário do uso de obras literárias e cinematográicas em contex- tos educacionais, a combinação “jogos e direito” pode soar inusitada ou até mesmo implausível.2 Se é usualmente fácil encontrar exemplos de ilmes ou romances que abordem problemas jurídicos, com ganchos óbvios para uso em sala de aula, o mesmo não ocorre com os jogos. Pelos menos à primeira vista.

Façamos um rápido teste: o objetivo é explorar, em sala de aula, questões relacionadas ao direito municipal e planejamento urbano. Gentriicação, por exemplo. Que obras poderíamos usar? É possível, ainda que com algum esfor- ço, lembrar-se de ilmes que abordam, direta ou indiretamente, o tema. Caso contrário, pode-se simplesmente fazer uma busca no Internet Movie Database (IMDB) com a palavra-chave “gentriication” e obter como retorno 54 títulos.3 O mesmo, para romances, a partir de uma busca na seção de literatura da Amazon.4 E jogos? Pac-Man? Candy Crush Saga? Super Mario Bros.? Street Fighter? Que jogo abordaria um tema sério como gentriicação?

1 Pedro Mizukami é Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Doutorando em Políticas Pú- blicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ. Coordenador acadêmico da equipe brasi- leira do projeto "Media Piracy in Emerging Economies" do Social Science Research Council (2011). Coordenador do componente brasileiro do projeto "Ecology of Access to Educatio- nal Materials in Developing World Universities" da American Assembly (Columbia Universi- ty). Coautor do relatório “Mapping Digital Media: Brazil” (Open Society Foundations, 2013). Foi conselheiro titular pela FGV no Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (Ministério da Justiça), mandato 2012-2014. Email: pedro. mizukami@gmail.comTwitter: @p_mizukami.

2 Desconsiderando-se, é claro, os óbvios paralelos — não abordados por este ensaio — entre “jogo” e “processo judicial”. De acordo com Huizinga: “That an afinity may exist between law and play becomes obvious to us as soon as we realize how much the actual practice of the law, in other words a lawsuit, properly resembles a contest whatever the ideal founda- tions of the law may be.” HUIZINGA, Johan. Homo ludens: a study of the play element in cul- ture. London/Boston/Henley: Routledge & Kegan Paul, 1949, p. 82. Ver, ainda, comentando Huzinga: LASTOWKA, Greg. Law and games studies. Games and Culture, v. 1, n. 1, 2006, pp. 25-68.

3 http://www.imdb.com/search/keyword?keywords=gentriication.

4 http://www.amazon.com/s/ref=sr_nr_n_27?fst=as%3Aoff&rh=n%3A283155%2Cn%3A17%2 Ck%3Agentriication&keywords=gentriication&ie=UTF8&qid=1425501896&rnid=1000.

É preciso um tipo peculiar de pessoa para pensar, imediatamente, em Gen- triication Tycoon.5 Ou mesmo cogitar utilizar uma das várias versões de SimCi- ty para abordar indiretamente o tema, a partir de uma análise crítica de como o design do jogo evita contemplar o fenômeno.6 É preciso alguém que tenha acompanhado de perto o universo dos jogos eletrônicos, testemunhando sua evolução desde a época das várias máquinas de Pong, passando por Odyssey, Odyssey 2, Atari 2600, NES, jogos para Amiga e PC, até chegar ao estado atual da mídia, diverso, multifacetado, multiplataforma e mais fragmentado e estimulante do que nunca. Ou simplesmente alguém que, mesmo sem muito conhecimento sobre o campo, não duvide da importância dos jogos enquanto objeto cultural e artístico, e tenha curiosidade e disposição para enxergar além do óbvio.

Dependendo dos objetivos de ensino e do conteúdo explorado, utilizar jogos pode ser um experimento muito proveitoso. Jogos são experiências in- terativas, imersivas e, por sua própria natureza, divertidas. Requerem o total engajamento e atenção daqueles que queiram com eles interagir. Colocam o jogador em situações e papéis que podem conduzir a discussões e relexões interessantes, a partir de pontos-de-vista, narrativas e regras que podem ser explorados didaticamente.

O objetivo do presente ensaio é levantar algumas possibilidades para o uso de jogos no ensino jurídico, apresentando algumas sugestões e recomen- dações para professores interessados em incorporar jogos a seus cursos. Não se pretende, aqui, fazer uma abordagem exaustiva ou analiticamente profunda, apenas indicar alguns caminhos que podem ser perseguidos por professores interessados em utilizar jogos como um recurso adicional em sala de aula.

5 Disponível em: http://gamejolt.com/games/strategy-sim/gentriication-tycoon/39586/. 6 Uma análise nesse sentido: “[...] SimCity adequately represents multiple socioeconomic sta-

tuses — low, medium, and high — demonstrating that members of these classes work, shop, and play in different areas. My biggest issue in this regard, though, is that SimCity had the opportunity to introduce conlicting socioeconomic interests among groups of people wi- thout increasing the complexity of its model. When players “plop” high-end parks into nei- ghborhoods and shopping districts, the property value of the surrounding areas increases. This, in turn, causes citizens of a higher economic status to move into the neighborhood. But what happens to the poorer citizens who already live in the area?

“Wow, I’m doing so well that I’m going to remodel my house!”

Rather than simulating the true effects of gentriication, SimCity teaches its users that people who live in substandard housing can remodel their homes if the surrounding area is doing well enough. This is simply false, removing a signiicant issue with which urban planners must cope. As it is portrayed in the game, higher socioeconomic status is unilate- rally better, and there are no consequences to gentriication (e.g., the effects of decreased diversity on children’s education).” SAUCERMAN, Jenny. SimCity: can a god game teach urban planning? GAPS, 20 de abril de 2013. Disponível em: http://edgaps.org/gaps/simci- ty/. Acesso em:

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No documento Direito, cultura POP e cultura clássica (páginas 126-128)