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Jorge Neval Moll Filho (Rede d‘Or)

3. ESTUDO DE CASOS

3.2. Jorge Neval Moll Filho (Rede d‘Or)

O caso Jorge Neval Moll Filho (Acórdão nº 2202-004.793, Relator Ronnie Soares Anderson), decidido favoravelmente ao contribuinte, foi julgado pela 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara do CARF em 12 de setembro de 2018 e está assim ementado:

ALIENAÇÃO DE ATIVO. UTILIZAÇÃO DE FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES. POSSIBILIDADE. Não há simulação nem fraude pelo simples de que um acionista da empresa vê sua participação diluída com a entrada de outros acionistas, inclusive de Fundo de Investimentos em Participação - FIP em que é cotista, em período de reestruturação da sociedade antecedente à alienação para terceiros. A diluição da participação é válida quando ela decorre da entrada de novos investimentos e recursos, implicando valorização da sociedade. É válida a utilização de FIP quando é instrumento indispensável à realização dos novos investimentos e exigido pelo próprio adquirente do ativo.

Como já antecipamos, a importância de examinar mais de um caso concreto em que se discute a legitimidade da utilização de fundos de investimentos para a alienação de participação societária com ganho de capital está na observação das diversas nuances, a fim de tentar construir argumentos propositivos que deem maior segurança jurídica aos negócios realizados.

3.2.1. Cronologia das operações

Em breve resumo, tem-se que em meados de 2010 o setor de medicina diagnóstica passava por um período de consolidação e em dezembro daquele ano foi firmado um

―Memorando de Entendimentos‖ no qual se estabeleceram algumas condições para que a Fleury S.A. (―FLEURY‖) pudesse adquirir a Labs Cardiolab Exames Complementares S.A.

(―LABS‖), cujo acionista majoritário era o Sr. Jorge Moll, titular de 99,84% das ações.

A partir de então, ainda que o predito memorando não tivesse força vinculante, o Sr.

Jorge Moll optou por realizar sucessivas operações de reorganização societária, com vistas a sanear dívidas e adquirir laboratórios que estavam disponíveis no mercado.

Para atingir essa finalidade foram necessários novos investimentos, realizados por meio da constituição de dois fundos, o Bordeaux (multimercado) e o Delta (FIP), capitalizados com recursos próprios do Sr. Jorge Moll e posteriormente utilizados para subscrever aumento no capital social da LABS, que foi utilizada para incorporar outras empresas.

Ao final dessa reestruturação, que incorporou diversos laboratórios, dentre eles o Cardioclínicas, o Diagnolabor e o Felipe Mattoso, o quadro social da LABS passou a ser composto pelo Sr. Jorge Moll (21,89%), o banco BTG (7,5 %) e o Fundo Delta FIP (70,61

%), no qual o Sr. Jorge Moll detinha 75% das quotas.

Oito meses depois, em julho de 2011, foi realizado o negócio entre FLEURY e LABS, no qual metade do pagamento se deu em dinheiro e a outra metade em ações da adquirente, o que tornou a LABS acionista relevante da FLEURY, inclusive com direito a indicar membros para seu conselho de administração.

O Sr. Jorge Moll apurou o ganho de capital da participação que detinha diretamente na empresa (21,89%), mas a RFB lavrou um auto de infração, com imposição de multa qualificada de 150%, por entender que a estrutura criada por meio de fundos seria artificial (abuso de direito), organizada exclusivamente para diluir sua participação societária e, consequentemente, gerar economia fiscal.

3.2.2. Autuação fiscal

O auto de infração, lavrado em 20 de julho de 2016, exigia um crédito tributário de Imposto de Renda – Pessoa Física (IRPF) por apuração incorreta de ganho de capital em alienação de ações, em virtude de um suposto planejamento tributário abusivo.

Segundo os autuantes, o excesso do planejamento foi o Sr. Jorge Moll, que detinha diretamente participação na LABS, que constituiu dois fundos de investimentos para deter participações indiretas na LABS e, por meio dos fundos, realizar sucessivas operações societárias, a fim de diluir sua participação direta e ao vender as ações de seu grupo econômico para o FLEURY submeter-se a uma condição tributária mais vantajosa.

No entendimento do Fisco, seria desnecessário organizar-se em qualquer outra estrutura para realizar as operações de consolidação no setor de medicina diagnóstica, haja vista que o Sr. Jorge Moll já detinha participação direta na LABS.

Demais disso, caso fosse reconhecida a legitimidade da operação, considerando que a tributação de um FIP ocorre apenas no momento do resgate de suas quotas, existiria a possibilidade de que jamais houvesse a apuração do ganho de capital devido.

3.2.3. Argumentos da defesa

Intimado a manifestar-se, o Sr. Jorge Moll, no ponto, justificou que a forma escolhida se deu basicamente por imposição do adquirente, pois o banco Bradesco, acionista da FLEURY e concorrente do banco BTG (sócio da LABS), desde o início das negociações vetou que este tivesse qualquer poder de ingerência na empresa, tanto que fez questão de consignar no acordo celebrado que teria direito de preferência na aquisição das quotas do Fundo Delta FIP.

Aduziu também que houve confusão por parte das autoridades lançadoras ao comparar o grupo econômico objeto do ―Memorando de Entendimentos‖ e aquele que, ao final, foi adquirido pelo FLEURY, tendo em vista que apenas três dos laboratórios adquiridos e incorporados pela LABS durante o período em que foram realizadas as operações societárias representaram 50% do valor pago pela FLEURY.

3.2.4. Julgamento no CARF

Esse caso foi submetido ao CARF por meio de recurso de ofício, já que a decisão proferida pela DRJ, por unanimidade, deu integral provimento às razões do contribuinte, decidindo assim pela total exoneração do crédito tributário exigido57.

Inconformada com o resultado daquele julgamento, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), nas suas razões, insistiu nos argumentou do auditor fiscal acerca da existência de ―artificialidade nas operações que ensejaram a diluição da participação societária do contribuinte Jorge Neval Moll Junior‖. Em razão disso, o representante da PGFN

57 Dessa decisão, chama-nos atenção a seguinte passagem: ―Os planejamentos tributários são oponíveis ao Fisco quando formados por negócios jurídicos marcados pela presença preponderantemente de propósitos negociais, ainda que resultando em economia tributária‖ (fls. 3328).

disse que “a operação carece de substância econômica, pois não foram entregues os recursos que seriam utilizados para quitação de dívidas”.

O conselheiro Ronnie Soares Anderson, redator ad hoc, pois o relator originário, Conselheiro Dilson Jatahy Fonseca Neto, não mais integrava o colegiado, adotou o voto disponibilizado por esse Conselheiro, que de seu turno acostou-se às razões expostas na impugnação do contribuinte quanto à absoluta inexistência de ―planejamento tributário abusivo (utilização de fundo de investimento interposto)‖.

Desse modo, foi exposto que no entendimento da Turma teria ficado evidente a intenção do Sr. Jorge Moll de reestruturar seus negócios, prova disso é que contratou o banco BTG para ajudá-lo a captar recursos e consolidar outras sociedades na LABS. Admitiu-se, então, que o caso em análise encerrava verdadeira hipótese de ―planejamento estratégico revestido de sólidos e indiscutíveis propósitos negociais‖.

Em relação à integralização de capital parcial, aduziu o redator que “fez­se um grande aumento de capital na CARDIOLAB, atribuindo-se as novas ações ao Fundo DELTA. Este integralizou de imediato 10% do valor, ficando o restante diferido. Desde já, diferentemente do que entendeu a autoridade lançadora, não se observa qualquer irregularidade nisso: não se demonstrou a necessidade imediata de recursos que exigisse o aporte concomitante;

contanto que esse fundo efetivamente aportasse o capital à medida que se fizesse necessário, nada se poderia criticar”, de modo que houve relevância e utilidade para organizar a operação dessa forma.

Demais disso, ficou comprovado que a complementação dos valores para quitação de dívidas foi integralizada com os 50% inicialmente pagos pelo FLEURY em pecúnia, o que afastaria qualquer suspeita sobre a legitimidade da operação.

Por fim, os conselheiros evidenciaram que os recursos obtidos com a alienação foram utilizados para a realização de diversos investimentos, de modo que a finalidade do FIP teria sido cumprida e não haveria razões para questionar o planejamento realizado.

3.2.5. Reflexões sobre a decisão

Mais uma vez a demonstração da destinação dos recursos foi elemento essencial para convencer os julgadores acerca da necessidade de manutenção da eficácia do planejamento realizado perante o Fisco.

É certo que a consolidação do setor de medicina diagnóstica também poderia ter sido alcançada diretamente pelo Sr. Jorge Moll ou por meio de uma holding (fundamentação do abuso de direito indicado pelo Fisco).

Mas, como vimos, exigir que o contribuinte se submeta a uma estrutura menos dinâmica, enquanto existem regras extrafiscais que o autorizam a adotar estrutura mais moderna, não está em conformidade com as políticas de desenvolvimento econômico e mais aproxima-se de confisco.

Demais disso, os conselheiros observaram que os recursos obtidos com a alienação não foram revertidos para o beneficiário dos fundos, mas continuaram sendo utilizados para a realização de outros vinte investimentos, o que mostra que não foi constituído para ter uma duração efêmera, característica das empresas-veículo.

Punir o contribuinte pela realização de um negócio jurídico indireto que cumpre a sua finalidade, ―sem indicar uma única infração ou desvio à Lei‖, parece-nos desarrazoado e absolutamente inapropriado para a modernização dos institutos jurídicos, inclusive porque não há vedação no ordenamento.

É importante consignar que a Procuradoria-Geral da República, ao defender a constitucionalidade da Lei Complementar no 104/2001, afastou a interpretação econômica dos fatos, que muitas vezes é o que pretende o Fisco por meio de algumas autuações.

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