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Jornalismo modo revista

No documento Ebook Rio20 (páginas 59-64)

Apresentamos a seguir as principais características das revistas “de informa- ção geral”, que poderiam ser resumidamente definidas como revistas voltadas às

notícias, ou à informação ampliada sobre as notícias, especialmente aquelas que, na tipologia do Jornalismo, são conhecidas como hard news15.

Além disso, “[...] as revistas de informação geral pretendem fornecer ao leitor uma visão panorâmica de todo tipo de acontecimento” (BENETTI, 2013, p.46). Este modelo de revista é suporte de nosso objeto discursivo. Certamente há dife- renças editoriais entre as quatro revistas semanais brasileiras que fazem parte do corpus da pesquisa. No entanto, o modelo de partida é o mesmo e, como demons- tramos na escolha metodológica, o público a que se destinam é a elite socioeconô- mica e intelectal no Brasil.

A história das revistas no Brasil começa de forma tímida, conforme Sodré (1999), tendo sua evolução maior apenas no século XX. As primeiras revistas bra- sileiras foram de configuração institucional e erudita. No início do século XX, começam a ser redimensionadas ganhando um diferencial em relação aos jornais, retirando destes as colaborações literárias. Nesta fase, elas “[...] são principalmente literárias, embora também um pouco mundanas e, algumas, críticas” (SODRÉ, 1999, p. 297).

Com o surgimento das revistas, as oportunidades de negócios publicitários se ampliam e, desta forma, o mercado de atuação do jornalista. Enquanto os jornais nasceram ligados a grupos políticos, as revistas foram voltadas para a comple- mentação da educação, da ciência e da cultura. Quando surgiram os telégrafos e agências de notícias, poucas revistas tinham acesso a estes meios e este foi um dos motivos pelos quais buscaram uma outra forma de encontrar sua função, público e linguagem. Elas nasceram monotemáticas e depois passaram a ser multitemá- ticas, porém os dois modelos se aperfeiçoaram e convivem até os dias atuais. No século XIX, surgem as revistas femininas (novidades do lar e da moda), bem como as científicas e literárias (SCALZO, 2003).

O marco histórico da revista de informação geral encontra-se no ano de 1928, com a criação de O Cruzeiro pelo grupo Diários Associados, de Assis Chateau- briand, que inaugurou o gênero reportagem e promoveu inúmeras viagens Brasil adentro. Em 1938, Samuel Weiner destaca-se com a revista Diretrizes, também

15 Hard news (notícias duras) são consideradas aquela dadas em tempo real, relacionados a fatos que, caso não sejam noticiados, perdem seu valor junto ao público. Soft news (notícias brandas), ao contrário, são informações de contexto, de interesse humano e sem o caráter imediatista em relação à sua publicação. (TUCHMAN, 1993)

investigativa e crítica (que sofre durante o Estado Novo, circulando apenas até 1944). No ano de 1952, surge a Manchete de Adolpho Bloch, considerada mais moderna com mais espaço para fotos, alcançando popularidade.

A revista até hoje considerada inspiração de qualidade jornalística surgiu em 1966 pela Abril: a famosa Realidade. Dois anos depois, em 1968, a mesma editora lança a revista Veja, hoje líder de mercado no segmento. No modelo de revista de informação geral, merece destaque histórico a Visão, criada em 1952, que marca o cenário brasileiro por seu espírito crítico e combativo em épocas de chumbo, tendo muito sucesso nos anos 1960 e 1970 na área da reportagem de economia e política. Visão circulou até 1993. Senhor foi publicada entre 1959 e 1964 com grandes nomes do Jornalismo, da literatura e das artes. Segundo Scalzo (2003), a revista teve uma experiência bem sucedida.

O Jornalismo “modo revista”, como entendemos, é aquele que pretende ir além da informação factual. De fato, esta pode ser considerada a primeira carac- terística deste tipo de Jornalismo. Decorrente disso, a linguagem é apontada como um diferencial, uma vez que pretende não apenas prender o leitor e dar as últimas informações de um fato, mas porque se direciona a trazer mais interpretação, con- texto, opinião. E estas características forjam um produto que está definitivamente planejado e pré-orientado por sua condição de produção midiática.

Benetti (2013) evidencia o poder hermenêutico do Jornalismo de revista, apoiada na noção de Jornalismo como conhecimento e como discurso. Assim, o Jornalismo de revista “[...] constrói discursos sobre o mundo de forma lenta, reiterada, fragmentada e emocional”. Estas seriam as características de atuação da revista que, para a autora, estabelece um primeiro saber sobre este dispositivo: a definição do contemporâneo. “No caso do jornalismo de revista, a noção de presente é estendida: atual é sinônimo de contemporâneo, e não de novo” (p.45).

O Jornalismo gera quadros interpretativos, apresentando a experiência que se organiza numa forma de conhecimento do mundo. No caso da revista, sobressa- em ainda o envolvimento emocional que é reconhecido entre leitor e sua revista (SCALZO, 2003; BENETTI, 2013). Também, o Jornalismo de revista é conside- rado “[...] complexo, diversificado e especializado” no que “[...] engendra olhares e percepções sobre o mundo, sobre si e sobre o outro, e é nessa articulação que reside seu amplo e fecundo poder” (BENETTI, 2013, p.55).

Nesta mesma linha, acrescentam Tavares & Schwaab (2013) que “[...] sua identidade detém marcas bem definidas, orientadas tanto por uma periodicidade

diferenciada no cenário da mídia impressa quanto por uma condição material e discursiva específica, que dialoga com o contexto do qual ela é parte constituinte” (p. 27). Assim, dentro de uma cultura do impresso, a revista torna-se mídia neces- sária, com dimensões culturais ligadas ao hábito da leitura, ao tipo de Jornalismo e à linguagem utilizada.

Seja na força do documento em papel e em seu modo de circulação e aces- so, seja pelos efeitos de sentido daquilo que jornalisticamente suas páginas comportam, a experiência do produto revista e sua ambiência é proposta a partir de quadros específicos, enquadramentos jornalísticos que, assim como as molduras históricas e socioculturais, intervêm na interação com a audiência (TAVARES & SCHWAAB, 2013, p.33).

A interação com a audiência faz parte de um contrato de comunicação midi- ático, que “[...] gera um espaço público de informação e é em seu próprio quadro que se constrói a opinião pública”, nos termos de Charaudeau (2007, p.115, grifos no original). Ribeiro (2014) associa o contrato de comunicação ao estudo do ethos discursivo das revistas brasileiras. Com análise discursiva de capas e editoriais, identificou, nesta cena enunciativa, sete núcleos de sentidos que auxiliam a com- preensão sobre os modos de dizer e mostrar das publicações:

1. Sei o que é “bom jornalismo” e o “mau jornalismo”. 2. Sei o que é do seu/ nosso interesse; 3. Sei o que é novo e atual; 4. Sei, porque fiz um trabalho ri- goroso; 5. Sei, porque estava lá; 6. Sei, porque busquei o melhor especialista; 7. Sei como expressar diversos temas (RIBEIRO, 2014, p.142).

Os valores do Jornalismo, como a busca da verdade, o caráter revelador e de ênfase sobre os acontecimentos, bem como as estratégias de busca de fontes e de produção noticiosa são afirmados neste ethos discursivo, que está presente tanto em editoriais quanto nas reportagens.

Outra especificidade das revistas se dá a partir da organização da pauta. Tra- ta-se de uma contribuição dos magazines, pois as revistas “[...] não tem o compro- misso de cobrir todos os assuntos de sua área de abrangência: devem selecioná- -los, sob pena de ter fantástico excesso de produção — e perda de investimento” (LAGE, [2001] 2008, p.29). Conforme o autor, as revistas produzem matérias a

partir de enfoques bastante específicos, o que demanda a programação com an- tecedência, além do que elas, “[...] bem mais do que o jornal, obedece(m) a um discurso institucional que lhes é próprio”, relacionado a um padrão ideológico que se identifica com os leitores, a partir de uma visão de mundo compartilhada (LAGE, [2001] 2008, p.29).

Pereira (2011, p.70) acrescenta que “[...] apesar de não ser considerado um ma- nifesto, ele procura defender um ponto de vista de forma mais livre que outros veículos midiáticos, identificando-se com o seu público leitor”. Esta identificação é observada no nível textual e também no discursivo. Assim, algumas revistas utilizam-se de linguagem muito peculiar e chegam a parecer ser escritas por uma mesma pessoa. Analisando a revista Veja, Furtado (2000), destaca que o discur- so, mesmo que sendo efetivamente feito por vários jornalistas, tem a aparência homogênea:

Como os textos são todos construídos da mesma forma (com editores reunindo vários textos em um só, seguindo um “estilo” do veículo e “ten- tando” fixar um sentido), esse texto final “esconde” a presença dos outros sujeitos que participam de sua construção e, com ele, a presença de outros sentidos possíveis. Por isso, ele parece ilusoriamente homogêneo (FURTA- DO, 2000, p.118).

A produção da revista se relaciona com os leitores pela sua aparição e conti- nuidade nas bancas, mas principalmente pela expectativa dos leitores quanto ao posicionamento dos veículos, pela “[...] repetição da forma como esses assuntos são tratados pela revista”, e assim fica estabelecido um espaço discursivo próprio de cada revista (FRANÇA, 2013, p.94).

A partir de uma reflexão sobre a temporalidade, Vogel (2013) aponta que a periodicidade alongada das revistas liga-se à uma temporalidade expandida e com isso “[...] organizam, a cada edição, um tempo mais dilatado que o do jornal e, com isso, desmontam e remontam os noticiários, as atualidades, as vivências” (VOGEL, 2013, p.17). O que é interessante nesta perspectiva, é a ideia de re-mon- tagem de cenários de atualidades. Pois, a partir de um tempo decorrido dos acon- tecimentos factuais, a revista pode organizá-los de forma mais contextualizada, direcionando, pois, sua argumentação. Nesta parte, convém então pensar que o discurso na revista é a soma de vários tempos.

Salientamos que a tematização, o enquadramento e a linguagem do Jornalis- mo de revista são os principais elementos destacados sobre suas questões especí- ficas, aquelas que são definidoras de seu potencial como produto comunicativo e também como fonte de informação sobre os fatos considerados importantes na esfera pública. Desta forma, as revistas se voltam a “temas” que possam gerar um material mais interpretativo que informativo; buscam enquadramentos diferen- ciados para fazer a conexão com seus nichos de leitores e, por fim, adotam lin- guagem muitas vezes mais dramática e figurativa do que os demais impressos, principalmente se comparadas aos jornais diários.

Entendemos que o “Jornalismo modo revista” é um espaço discursivo privi- legiado para a observação de discursos predominantes na sociedade. As revistas são diferentes entre si e demarcam suas características, mas ao mesmo tempo in- dicam um mesmo tipo de Jornalismo, vocacionado para a interpretação. Neste ponto, tensionamos a interpretação sobre o tema “mudança climática”, buscando compreender os enquadramentos ofertados aos leitores, dentro da lógica também de um produto jornalístico específico.

No próximo item, apresentamos estudos que relacionam o tema ambiental ao Jornalismo de revista, para direcionar ainda mais nossa observação discursiva.

No documento Ebook Rio20 (páginas 59-64)