• Nenhum resultado encontrado

Modernização ecológica e o advento do desenvolvimento sustentável

No documento Ebook Rio20 (páginas 36-40)

A modernidade ecológica produz um diálogo com as questões da moderni- dade reflexiva, contudo aponta em outra direção. O principal foco das pesquisas diz respeito à possibilidade de uma reforma institucional, especialmente levada a cabo pelos agentes estatais, constituindo-se uma terceira via entre a política am- biental de governos e os movimentos ambientais mais radicais, os quais chegam a pregar a desindustrialização como saída para a crise ambiental.

Uma questão salientada por Buttel (2000) é a de que a qualidade ambiental deve estar integrada à qualidade de vida. E, neste ponto, alega que a Sociologia Ambiental não contribui de forma adequada, pois não apresenta estratégias polí- ticas de resolução dos problemas ambientais com vistas à melhoria da qualidade de vida. A Sociologia Ambiental surge como reação à falta de atenção por parte da sociologia dominante aos fenômenos biofísicos, mas também no rastro dos emergentes movimentos ambientalistas e como consequência da intensificação dos impactos socioambientais negativos resultantes da expansão econômica.

A modernização ecológica surge em meados da década de 1980 e ganha es- paço acadêmico em países desenvolvidos, especialmente do norte europeu. Esta localização bem definida, de caráter ocidental, traz os elementos para uma análise e também para uma crítica.

A teoria de modernização ecológica é baseada em certos pressupostos, que não são sempre válidos para estas regiões em desenvolvimento, como, por exemplo, a existência de um estado de bem-estar com tarefas ambientais articuladas e institucionalizadas, desenvolvimento tecnológicos avanços em sociedades industriais altamente avançadas, um Estado regulado pelo mercado econômico cobrindo todas as fronteiras da sociedade e de modo bem próximo conectado ao mercado mundial globalizado, e uma consci- ência ambiental institucionalizada relativamente ampla e profunda (MOL, 2000, p.274).

A partir da falta de encaixe de outras regiões a estes pressupostos, concor- damos com Mol (2000) na afirmação de que a teoria da modernização ecoló- gica é relevante para uma área geográfica restrita, especialmente aos países da comunidade europeia. De outro lado, pode-se dizer que a modernização ecoló- gica contraria a utopia de alguns movimentos ambientalistas, que propunham a desindustrialização.

Hajer (1996) argumenta que a política ambiental está dominada pela moder- nização ecológica, pelo menos desde meados dos anos 1980 e que este discurso se articula a outras formas de mudança social. Propõe, assim, três tipos ideais que são três diferentes interpretações da modernização ecológica. Para o autor, eles ajudam a definir as questões em relação ao predomínio da perspectiva social no discurso da modernização ecológica.

O primeiro tipo, “Modernização ecológica como aprendizagem institucional”, é fundado a partir da ideia de que o homem perdeu o controle sobre a natureza. Para Hajer (1996), aparece como momento histórico importante o relatório Limi- tes do Crescimento (1972) que, mesmo que baseado em premissas falsas, é tomado como causa para que o Clube de Roma passasse a propor levar o meio ambiente a sério. Disso, passou-se a produzir um novo consenso em torno da moderniza- ção ecológica, para dar respostas a problemas globais de forma institucionalizada, como uma maturação do movimento ambiental, que passa a integrar o espaço institucional e de conselhos. “Da mesma forma, o novo consenso em torno da modernização ecológica tornou possível que os argumentos de cientistas que gri- tavam individualmente no escuro durante a década de 1970 agora são canalizados para o processo de formulação de políticas” (HAJER, 1996, p.251).

Essa interpretação serve como base para os projetos de aperfeiçoamento dos modelos de gestão pública de meio ambiente, nas legislações ambientais que se co- locam, em grande medida, como pactos sociais pelo desenvolvimento sustentável. A aprendizagem institucional é também recorrente nos debates sobre o aqueci- mento global e as medidas em relação à mudança climática. Isto é, a moderniza- ção ecológica, na interpretação de uma aprendizagem institucional, compõe o ce- nário a partir de uma concepção de controle da natureza. Assim, o homem passa a buscar respostas às questões globais de forma institucionalizada, por exemplo, com a atuação de movimentos ambientais em conselhos. Para a mudança climáti- ca, o expoente maior desta institucionalização é o próprio IPCC.

Falar em controle da natureza significa dizer que a cultura ocidental, ao se- parar homem e natureza, também separou a “natureza vivida” de uma “natureza científica”. Esta última está sob as rédeas da racionalidade e expansão ilimitada da produção, segundo Olivieri (2009).

Desta forma entendemos que o controle da natureza está presente em todas as áreas: da natureza humana — seus comportamentos e emoções, à produção de alimentos, da biotecnologia à manipulação e controle genético, entre tantas ou- tras. A partir desta “natureza científica”, controlada, o homem é capaz de alterar, diminuir ou acelerar processos biológicos, inclusive em escala industrial.

Apresentando o segundo tipo ideal, a “Modernização ecológica como um pro- jeto tecnocrático”, Hajer (1996) afirma que esta interpretação se fundamenta em termos de que a tecnologia (e não a natureza), está fora de controle. A narrativa histórica, neste caso, é o surgimento da contracultura, nos anos 1960, que faz a

crítica, salientando as dicotomias entre dominante/periférico e material/simbóli- co. Ou seja, a modernização ecológica é imposta como única solução por formu- ladores de políticas, especialistas e cientistas.

Por fim, a “Modernização ecológica como política cultural” contextualiza as práticas de modernização ecológica numa abordagem diferenciada, pensando-se como o debate se organiza em torno da manutenção de uma ordem social privi- legiada. Então, podemos deslocar a questão para um questionamento sobre o que realmente é o problema, visto que há muitos discursos e atores neste cenário. Po- rém, sua contribuição mais radical seria a de que o debate não deveria ser apenas quanto aos processos de proteção da natureza, mas direcionado para a escolha sobre o tipo de natureza e de sociedade que queremos (HAJER, 1996).

Neste ponto é produtivo discutir o desenvolvimento sustentável, pois é este o termo priorizado nos debates sobre as questões ambientais. O Relatório Brun- dtland (Nosso futuro comum), publicado em 1987, apresentou a definição de de- senvolvimento sustentável que é repetido desde então: um desenvolvimento capaz de garantir as necessidades para as futuras gerações.

Na generalidade da definição de desenvolvimento sustentável do Relató- rio Brundtland, essas noções são estáticas, tanto de sociedade quanto de mundo natural (natureza). Ou seja, como bem reconhece Carvalho (1991), o adjetivo sustentável remete àquilo que está em perfeito equilíbrio, que se conserva sem desgaste e se mantém no tempo. Quando aplicado ao de- senvolvimento, transfere essas qualidades a um modo de organizar a vida social, criando a (falsa) expectativa de uma “sociedade sustentável”, em perfeita harmonia com a natureza, sem conflitos ou tensões sociais que perturbem ou ponham em risco a sua reprodução (ALMEIDA, 1999, p.42).

A discussão sobre os “limites do crescimento” se instala e até mesmo se atém, em alguns momentos, em relação ao uso inadequado da expressão. A questão de ser ou não ser “desenvolvimento sustentável” passa a encobrir, em certa medida, as três visões da modernização ecológica propostas por Hajer (1996) e descritas anteriormente. Podemos ver uma interpretação radical, nos moldes da política cultural, em Nixon (1993), na crítica de que as expectativas do desenvolvimento sustentável são distrações, impedindo ações eficazes contra o desastre ambiental. Para o autor, a expressão mostra que o desenvolvimento (substantivo) está acima

da sustentabilidade (adjetivo), evitando a ideia de crise e de conflito, mas o aspecto da correção de danos ambientais ao mesmo tempo em que há o uso de “recursos” da natureza.

Tanto a “ecologização da economia”, levada a cabo pela difusão de novas tec- nologias para processos de produção e consumo quanto a “economização da eco- logia”, por meio da valoração econômica da natureza, considerada uma terceira força de produção (ao lado de capital e trabalho), são faces de uma mesma moeda, colocada em circulação pela modernização ecológica (OLIVIERI, 2009).

Além disso, o sucesso da noção de desenvolvimento sustentável, a partir dos anos 1980, é considerado o fio condutor de uma estratégia para dar conta da cri- se ambiental. Além de permitir interpretações variadas, tem a “força política” de buscar “integrar qualidade ambiental com crescimento econômico através da in- dustrialização” (OLIVIERI, 2009, p.155). Ou seja, o desenvolvimento sustentável coloca lado a lado as duas ideias centrais da modernidade: o crescimento econô- mico e o desenvolvimento tecnológico.

A sustentabilidade atualmente é um tema muito apropriado pelo setor indus- trial e empresarial como um todo, que apresenta suas experiências sustentáveis como a saída para os problemas ambientais. Desta maneira, entendemos que a modernização ecológica obtém, no mundo prático, uma vantagem “discursiva” que se impõe, cada vez mais, como a solução definitiva para a questão ambiental. A esta posição discursiva, se opõe a interpretação de que este é, pois, um proje- to tecnocrático, na medida em que as indústrias estão “mobilizadas” pelo uso de tecnologias não poluentes ou de baixo impacto ambiental, porém sem tocar na estrutura da sociedade capitalista.

No documento Ebook Rio20 (páginas 36-40)