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CAPÍTULO 2: REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA

2.4. JUSTIFICATIVAS PARA A REGULAÇÃO

De acordo com as teorias do interesse público, aqui adotadas como a melhor justificativa para a regulação, esta visa a corrigir as distorções do mercado, capazes de atingir direitos de natureza econômica, social, cultural e política.

Ortiz analisa as razões para o surgimento da intervenção do Estado na economia, destacando o fracasso do mercado e a necessidade de sua recriação, exercendo a intervenção estatal o papel de garantir a concorrência no mercado; a necessidade de eliminação ou pelo menos de redução das desigualdades, promovendo a equidade na distribuição dos bens de produção e de renda e a obtenção célere dos objetivos da política econômica, quando a iniciativa privada fracassa nessa função83.

82LUNN, Pete. Regultory Policy and behavioural economics. OECD Publishing. 2014. Disponível

em:<http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/governance/regulatory-policy-and-behavioural- economics_9789264207851-en>. Acesso em 7 jul. 2014.

83 ORTIZ, Gaspar Oriño. Economia y Estado: crisis y reforma del sector público. Madrid: Marcial Pons, 1993,

Por sua vez, Segundo sustenta Ogus, “we can see regulation as the necessary exercise of collective power through government in order to cure „market failures‟ (...) Regulation is justified because the regulatory regime can do what the market cannot”84.

Dentre as falhas do mercado que podem e devem ser corrigidas pela regulação, destacam-se a existência de monopólios, a concentração de poder econômico, a assimetria de informações, os custos de transação e as externalidades. Tais fatores, uma vez que favorecem determinado agente econômico em detrimento de outros ou dos consumidores, devem ser neutralizados por meio da regulação, possibilitando a implementação das políticas públicas que venham a assegurar a garantia constitucional de existência digna para inclusão de todos, conforme os ditames da justiça social.

Externalidades podem ser conceituadas como os “fatores produzidos pelos agentes que operam no mercado, na consecução de suas atividades, cujos efeitos se fazem presentes sobre terceiros não participantes do respectivo ciclo econômico”85. Podem ser

citados como exemplo os custos decorrentes da poluição, da degradação ambiental, do esgotamento dos recursos, que acabam por ser suportados por toda a sociedade.

Assimetrias de informações caracterizam-se por distorções no acesso ao conhecimento das condições reais de mercado, geralmente em favor dos agentes econômicos. O fato de uma das partes envolvidas na relação econômica possuir maior conhecimento sobre a negociação faz com que detenha maior poder negocial, gerando, consequentemente, concentração de poder. Essa assimetria é natural em favor do prestador do serviço pelo tão só fato de ser o executor da atividade. A regulação visa, assim, a eliminar ou ao menos reduzir as assimetrias de informações que geram a concentração de poder econômico e estabelecer a livre concorrência no mercado, permitindo que o consumidor faça escolhas mais conscientes e que lhe gerem maiores ganhos, favorecendo também os demais agentes do mercado.

Cabe salientar que a concentração de poder econômico é um dos principais fatores que impedem o desenvolvimento de uma nação, gerando ainda desigualdades e exclusão social. Isso porque a riqueza fica restrita a poucos, deixando de gerar riqueza nova que, por sua vez, permitiria o aumento do consumo e impulsionaria o desenvolvimento econômico.

84 OGUS, Anthony. Regulation: legal, form and economic theory. Oxford: Hart Publishing, 2004, apud

MORGAN, Browen; YEUNG, Karen. An introduction to law and regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p. 18. Trad. livre: A regulação pode ser vista como o necessário exercício de poder coletivo através do governo tendo por fim corrigir falhas no mercado (...), sendo justificada porque o regime regulatório pode fazer o que o mercado não consegue.

85 FIGUEIREDO, Leonardo Vizea. A evolução da ordem econômica no direito constitucional brasileiro e o papel

A inexistência de concorrência no mercado leva ainda à formação de monopólios, os quais geram um custo social imenso, como o aumento artificial dos preços, a escassez de produtos, déficit de inovação, baixa qualidade, etc.

Por seu turno, a livre concorrência reduz os efeitos da concentração do poder econômico, proporcionando maior oferta de produtos de melhor qualidade e com preços mais baixos, equilibrando a relação entre oferta e procura86 e facilitando o acesso à informação.

A regulação, portanto, mostra-se imprescindível para manter ou instaurar a competição no mercado, possibilitando também o acesso à informação adequada. Na medida em que, nos casos de monopólios, a sociedade não consegue negociar o preço do produto ou serviço, em razão da dominação do mercado, a regulação ajusta esse preço, implementando a política tarifária no setor dos serviços públicos, conforme a comutatividade social.

Tal função é também exercida pelo CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – que atua na defesa da concorrência, reprimindo e prevenindo as infrações à ordem econômica e combatendo os efeitos nocivos do monopólio no mercado.

Por sua vez, a própria Constituição garante a existência de uma regulação humanista, condicionando a defesa da concorrência à satisfação da dignidade humana em relação a todos os envolvidos da relação econômica, voltada efetivamente à inclusão de todos, ou seja, à promoção da justiça social, com a consequente redução das desigualdades e eliminação da miséria que impedem o desenvolvimento humano.

A instauração da concorrência no âmbito dos serviços públicos gerou importantes resultados no Brasil principalmente no que concerne aos serviços de telecomunicações, especialmente no mercado de telefonia móvel e banda larga, em menor escala no mercado de telefonia fixa, contribuindo fortemente para os resultados de universalização e efetivo acesso, para a expansão da rede e a redução dos custos do serviço. Uma das medidas adotadas para ampliar o serviço e melhorar sua qualidade foi a vinculação da possibilidade de aquisição de novas concessões em outras áreas geográficas ao atingimento das metas de universalização87.

Contudo, verifica-se também a formação de monopólios decorrentes não exclusivamente da inexistência de competição, mas de condições naturais do mercado, que não comporta mais de um produtor ou fornecedor. Isso acontece em razão dos altos custos de investimento em infraestrutura e manutenção, que só podem ser compensados com a economia de escala gerada pelo exercício da atividade por um único produtor ou fornecedor e

86 BAGNOLI, Vicente. Direito econômico. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 5.

do próprio desinteresse dos produtores em concorrer em um mercado nessas condições, havendo maior eficiência quando a atividade é explorada por um único agente econômico. Tais mercados são chamados de “monopólios naturais” e se identificam com muitos dos serviços públicos essenciais prestados pelo Estado ou pelos particulares.

Essa situação se verifica, por exemplo, no mercado de energia elétrica, ao menos no contexto de uma região específica, sendo mais vantajosa aos consumidores e ao mercado em geral a existência de uma estrutura monopolística do que um ambiente de concorrência ampla.

Portanto, nesses mercados em que a existência do monopólio não basta ser combatida com concorrência e com o acesso à informação e, pelo contrário, a atividade monopolista produz melhores resultados que a própria existência de concorrência, medidas regulatórias são necessárias para reproduzir no mercado os efeitos da concorrência, protegendo, assim, o consumidor.

O regulador pode recorrer, para tanto, a alguns princípios que viabilizam a competição, como o princípio do acesso necessário e do compartilhamento dos bens, relacionados à função social da propriedade dos meios de acesso ao mercado. Trata-se do direito concorrencial restringindo a livre iniciativa, por meio da “essencial facility doctrine”, que diz respeito àqueles bens essenciais ao desenvolvimento da atividade e que, portanto, devem ter sua propriedade compartilhada com os demais agentes econômicos, permitindo, além da concorrência, o amplo acesso dos consumidores88.

Como sustentou a Ministra Carmem Lucia, em voto proferido na ADI 2649/DF, em se tratando de serviços públicos, sua prestação está vinculada a preceitos de ordem pública e, portanto, o regime não é de livre iniciativa, mas “iniciativa de liberdade regulada nos termos da lei, segundo as necessidades da sociedade”89.

A regulação deve estar voltada ainda a reduzir os custos de transação, dentre eles os decorrentes dos chamados “freeriders”, aqueles que, mesmo sem pagar pelo serviço, dele usufruem, o que é consequência da própria existência de bens públicos, constituindo ainda custos de transação inerentes às próprias medidas regulatórias impostas.

Esses custos não aparentes demandam cada vez maior atenção quanto mais complexa a sociedade. Diferem de país para país e de época para época e, dependendo da sua

88 BAGNOLI, Vicente. Direito econômico. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 120. 89 STF. Plenário. ADI 2649/DF. Rel. Min. Carmen Lúcia. Dec. unânime. 8 mai. 2008.

medida, podem constituir verdadeiro empecilho para o desenvolvimento daquela90. Por sua vez, a estrutura institucional e a qualidade das instituições de um país são capazes de fazer aumentar ou reduzir significativamente os custos de transação naquele.

A análise dos custos gerados pela regulação, porém, não pode ser feita sem que seja devidamente contextualizada. Deve, evidentemente, ser assegurado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato à luz dos princípios que regem os serviços públicos, absorvendo-se eventuais custos inerentes à própria regulação em razão dos efeitos benéficos por ela gerados.

Mais uma vez, cita-se como exemplo o julgamento da ADI 2649-DF91, acima referido, no qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da Lei nº 8.899/94, que prevê a instituição de passe livre no sistema de transporte coletivo interestadual às pessoas portadoras de deficiência, sob o fundamento de que a lei “objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados”. Tendo o Brasil, ademais, comprometido-se a dar efetividade aos direitos das pessoas com deficiência ao assinar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, deve, portanto, implementar as medidas para dar efetividade ao que foi ajustado.

Não só a existência de falhas no mercado, portanto, mas também a desigualdade de condições dos agentes nele atuantes levam à conclusão de que o mercado

90NUSDEO, Fábio. O direito econômico centenário: um “vol d‟oiseau” sobre o passado e algumas perspectivas

para o futuro. Revista de direito público da economia. RDPE. Editora Fórum: Belo Horizonte. Ano 9, n. 36, p. 101-132,out.-dez./2011, p. 127.

91 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS

EMPRESAS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERMUNICIPAL, INTERESTADUAL E INTERNACIONAL DE PASSAGEIROS – ABRATI. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 8.899, DE 29 DE JUNHO DE 1994, QUE CONCEDE PASSE LIVRE ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA, DA ISONOMIA, DA LIVRE INICIATIVA E DO DIREITO DE PROPRIEDADE, ALÉM DE AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FONTE DE CUSTEIO (ARTS. 1º, INC. IV, 5º, INC. XXII, E 170 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): IMPROCEDÊNCIA.

1. A Autora, associação de associação de classe, teve sua legitimidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade reconhecida a partir do julgamento do Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.153, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 9.9.2005.

2. Pertinência temática entre as finalidades da Autora e a matéria veiculada na lei questionada reconhecida. 3. Em 30.3.2007, o Brasil assinou, na sede das Organizações das Nações Unidas, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo, comprometendo-se a implementar medidas para dar efetividade ao que foi ajustado.

4. A Lei n. 8.899/94 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados.

deixado às forças livres da economia não basta para proteger os mais fracos economicamente, exercendo a regulação esse papel protetivo.

A regulação, assim, assume o papel de corrigir tais situações, promovendo e mantendo a concorrência no mercado ou proporcionando aos mercados em que aquela é inviável – monopólios naturais – os efeitos equivalentes a um mercado competitivo.

Primordialmente, porém, deve cuidar da proteção dos valores humanistas garantidos pelo ordenamento jurídico, os quais são consubstanciais à eficiência econômica, por promoverem a inclusão de todos e garantirem a concretização dos direitos humanos em todas as suas dimensões, satisfazendo, consequentemente, a dignidade da pessoa humana.

A eficiência econômica, assim, deve ser buscada sem se esquecer da equidade. O aumento da eficiência e, por conseguinte, da riqueza, promove o desenvolvimento econômico, mas este apenas não basta segundo os fins da ordem econômica constitucional, sendo imprescindível atingir-se também o estado de desenvolvimento humano. Justiça e equidade, portanto, são valores consubstanciais à economia92.

Conforme salienta Bagnoli, a preocupação com a equidade na busca da eficiência econômica “viabiliza a eficiência social da regulação”93. Esta decorreria, por sua

vez, da “efetiva existência de concorrência como valor necessário, de modo que o mercado funcione eficientemente, garantindo a competitividade entre os agentes econômicos”94.

A regulação que se propõe, no caso, é baseada no humanismo antropofilíaco, que privilegia a economia de mercado, mas permeada pela observância aos direitos humanos. Ela tem por objetivo promover a inclusão de todos no mercado, para satisfazer a finalidade de assegurar uma existência digna, servindo ainda como método de organização das relações sociais95.

No exercício dessa função, o regulador deve observar os princípios gerais estabelecidos no art. 170 e os fundamentos da ordem econômica, adequando os direitos de liberdade ao interesse coletivo, com base nos valores de liberdade, igualdade e fraternidade que inspiram o capitalismo humanista.

A atuação regulatória, diante de seu caráter restritivo de direitos e dos custos que gera, deve ser subsidiária e proporcional aos fins visados, na medida exata e adequada para a realização destes, compensando-se os custos e as restrições a direitos individuais

92 BAGNOLI, Vicente. Direito econômico. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 34. 93 Ibidem, p. 115.

94 Ibidem, p. 121.

95 BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding regulation: theory, strategy and

impostas com os benefícios sociais e econômicos gerados, sem eliminar o conteúdo essencial das liberdades públicas garantidas na Constituição, essenciais também para consecução da estabilidade que levará ao desenvolvimento humano.

Cabe salientar, por fim, que as decisões do regulador devem guiar-se também pelo princípio da economicidade, conceituado este como “o critério que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado, ao regular a atividade econômica, devem fazer constantemente, de tal sorte que o resultado final seja sempre mais vantajoso que os custos sociais envolvidos”96.

Segundo Fonseca, “nessas escolhas, estarão sempre presentes os critérios da quantidade e da qualidade, de cujo confronto resultará o ato a ser praticado. As ações econômicas não podem tender, a nível social, somente à obtenção da maior quantidade possível de bens, mas à melhor qualidade de vida”97.