• Nenhum resultado encontrado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Marcelle Ragazoni Carvalho

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Marcelle Ragazoni Carvalho"

Copied!
106
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Marcelle Ragazoni Carvalho

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS SOB A ÓTICA DO

CAPITALISMO HUMANISTA

PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO ORIENTADOR: PROF. DR. RICARDO HASSON SAYEG

SÃO PAULO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Marcelle Ragazoni Carvalho

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃODOS DIREITOS HUMANOS SOB A ÓTICA DO CAPITALISMO

HUMANISTA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Livre Docente Ricardo Hasson Sayeg.

(3)

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS SOB A ÓTICA DO

CAPITALISMO HUMANISTA

Marcelle Ragazoni Carvalho

Aprovada em ____ de _______________ de 2015.

Banca Examinadora

______________________________________________

______________________________________________

(4)

A Deus e aos meus pais, que me deram o dom da vida

(5)

AGRADECIMENTOS

Em nossa caminhada pela vida não estamos sozinhos. Assim, se chegamos a algum lugar, se alcançamos nossos objetivos, a conquista não é só nossa. É também daqueles que estão sempre presentes em nossas vidas, acreditando e apoiando.

Por isso, em primeiro lugar, agradeço a Deus, a quem dedico a minha vida. Ao meu querido pai, Paulo, que sempre me incentivou a estudar, minha alegria é te ver contente por me ver estudando novamente.

À minha amada mãe, Lourdes, cuja doçura me acalmou nos momentos mais tensos.

Pai e mãe, tudo o que eu sou, e como eu sou, devo a vocês. Exemplos de amor, honestidade, trabalho, perseverança, que me ensinaram a sempre lutar pelos meus sonhos e realizá-los. Deixaram de lado os próprios desejos e se sacrificaram para que seus filhos pudessem ter uma vida melhor – e nós tivemos. Que Deus nos permita ainda muitos anos juntos. Que eu possa retribuir esse amor a vocês e que eu possa ser para meus filhos o que vocês foram para mim.

Aos meus irmãos, Lucas e Mariana, companheiros da infância feliz, juntamente com meus primos – Ju, Gabi, Fê, Mateus, Gui, Pô, Rô. Voltar a estudar me fez rememorar os tempos em que nossa única preocupação era aguardar ansiosamente a chegada das férias. A mera lembrança disso me faz sorrir.

Ao meu padrinho, à Zezé e à Tisa, vocês foram parte essencial na minha formação e caminhada até aqui. Este trabalho é dedicado também a vocês.

A toda minha família, só tenho a agradecer e pedir desculpas pela ausência física, compensada pelo amor profundo. Vocês são meu orgulho e meu porto seguro.

Ao meu noivo, José, que o destino colocou em minha vida quando comecei este mestrado. Que o amor prevaleça sempre e que possamos ser sempre motivo de inspiração um para o outro.

Aos meus amigos e amigas, companheiros e companheiras de jornada, pela

alegria que vocês trazem à minha vida e por me lembrarem que também havia a “hora de descansar”.

(6)

A todos os funcionários da PUC-SP, especialmente ao Rui e Rafael; aos meus funcionários da 22ª Vara Federal e da 7ª Vara Gabinete do JEF/SP; às meninas da biblioteca do Fórum Pedro Lessa, que prontamente atendiam meu pedido por mais um livro.

À Pri, que me ajudou a por em ordem este trabalho e ao Rodrigo, que iluminou minhas ideias com seus conhecimentos de direito e economia.

Um agradecimento especial ao Professor João Grandino Rodas, que me proporcionou a oportunidade de estudar na King‟s College, em Londres, onde iniciei este texto, experiência enriquecedora e inesquecível.

A todos os meus professores e àqueles que, de alguma forma, contribuíram para a finalização deste trabalho. Cada um de vocês passa a fazer parte de mais um momento importante da minha vida. Estamos mais unidos agora.

(7)

RESUMO

CARVALHO, Marcelle Ragazoni. Regulação dos serviços públicos como instrumento de concretização dos direitos humanos sob a ótica do capitalismo humanista. 2015. 104p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Considerando o sistema constitucional de proteção dos direitos humanos no Brasil, o presente trabalho tem como proposta demonstrar como a intervenção regulatória do Estado nos serviços públicos pode servir de instrumento para a concretização dos direitos humanos e consequentemente da dignidade humana. Assim, nesta pesquisa, por meio de análises de bibliografia específica, é possível identificar a regulação da atividade econômica como um dos mais importantes instrumentos para a obtenção da eficiência econômica e para a melhoria das condições de desenvolvimento. Nesse contexto, a abordagem substancial da teoria jurídica do interesse público da regulação foca nos direitos e valores que devem ser buscados e protegidos pela regulação. Esses direitos e valores estão já protegidos pela ordem econômica e também pelas demais normas constitucionais e tratados internacionais, destacando-se o direito de acesso isonômico a serviços públicos de qualidade, que dignificam o ser humano. Assim, segundo tal teoria, a função social dos serviços públicos deve imporaos agentes privados, prestadores de tais serviços que adequem o seu interesse econômico ao interesse coletivo, sendo o fim da regulação a promoçãodos meios para uma existência humana digna, conforme os ditames da justiça social, ou seja, com a inclusão de todos. Isso levará, por conseguinte, ao desenvolvimento humano, segundo a ótica do capitalismo humanistaa reger a atividade econômica, com destaque ainda aos preceitos da governança e do direito à boa

administração pública, inerentes ao chamado “Estado regulatório”.

(8)

ABSTRACT

CARVALHO, Marcelle Ragazoni. Regulation of public services as a tool for the concretization of human rights from the perspective of humanistic capitalism. 2015. 104

p. Dissertation (Master‟sof Law) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

This study aims to identify how the regulatory state intervention in public services can serve as an instrument for the realization of human rights and therefore of human dignity, considering the constitutional system of the protection of human rights in Brazil. Thus, in this research, by means of specific literature analyzes, it is possible to identify the regulation of economic activity as one of the most important tools to achieve economic efficiency and to improve the conditions for development. In this context, the substantial approach of public

interest‟s legal theory of regulation focuses on the rights and values that should be sought and protected by regulation. These rights and values are already protected by economic order and by the Federal Constitution and international treaties, especially the right of isonomic access to quality public services that dignify the human being. According to this theory, the social function of public services requires that private providers of those suit their economic interest to the collective interest, being the end of regulation the promotion of means for a human dignified existence, according to the dictates of social justice, which means the inclusion of all. Therefore, this will take to human development, from the perspective of humanistic capitalism to govern economic activity and we also point to the precepts of governance and the right to good administration, inherent in the so-called "regulatory state".

(9)

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 9

INTRODUÇÃO ... 13

CAPÍTULO 1: OS DIREITOS HUMANOS, DIREITOS FUNDAMENTAIS E A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 18

1.1. TEORIA DOS DIREITOS HUMANOS ... 18

1.2. INTRODUÇÃO AO CAPITALISMO HUMANISTA ... 25

1.3. DA ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 27

1.4. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO ... 33

CAPÍTULO 2: REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA ... 36

2.1. TEORIAS DA REGULAÇÃO ... 36

2.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 40

2.3. REGULAÇÃO - ASPECTOS GERAIS ... 47

2.4. JUSTIFICATIVAS PARA A REGULAÇÃO ... 52

2.5. DAS AGÊNCIAS REGULADORAS ... 58

CAPÍTULO 3: REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ... 66

3.1. SERVIÇOS PÚBLICOS: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E PRINCÍPIOS ... 66

3.2. REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ... 75

3.3. REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS... 78

3.4. REGULAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO ... 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 95

(10)

APRESENTAÇÃO

Embora a regulação da atividade econômica seja fenômeno com origens remotas, o apelo por maior regulação, no Brasil, ganhou novo fôlego nas duas últimas décadas após o início do processo das privatizações dos serviços públicos e do aparente afastamento do Estado da atividade econômica direta.

A defesa da necessidade de uma maior regulação da atividade econômica intensificou-se após a crise econômica de 2008, a qual gerou a quebra de diversas instituições financeiras mundo afora e de pelo menos um país (Grécia). Nessa ocasião, as ideias neoliberais de um Estado mínimo, que o mercado se autorregularia, que o Estado não deveria intervir diretamente na economia como um agente econômico ou mesmo regulador, foi posto à prova, sendo certo que as mazelas verificadas na crise econômica mundial não foram ainda maiores em razão da ajuda pública dada pelos governos de diferentes países aos agentes privados econômicos internos e externos.

Nesse contexto, uma maior intervenção do Estado na economia – ainda que como agente normativo-regulador – mostrou-se eficaz para garantir a sobrevivência e a estabilidade dos mercados e atividades econômicas geradas prioritariamente por agentes privados.

Especificamente em relação aos serviços públicos, as ideias do neoliberalismo econômico mostram-se ainda mais frágeis. Não somente o mercado é incapaz de se autorregular, como ainda a grande maioria das Constituições dos Estados Democráticos de Direito e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos determinam a necessidade do acesso universal a serviços públicos como proteção de direitos fundamentais dos indivíduos.

Ainda assim, enquanto defensores da regulação afirmam que esta tem o potencial de exercer controles racionais sobre atividades econômicas e sociais, há quem veja tal fenômeno com ceticismo, encarando-a como um pesado fardo e uma restrição indevida da liberdade econômica1.

No início exaltada precipuamente como instrumento de correção de falhas do mercado2, o ambiente liberal dos mercados influenciou contrariamente a regulação, com foco apenas nos efeitos adversos desta, entre eles o aumento dos custos de produção.

1 BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding regulation: theory, strategy and

practice.2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 1.

2 BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding regulation: theory, strategy and

(11)

Segundo Tavares3, a necessidade de atendimento das demandas assistenciais da sociedade abriu espaço para o crescimento do Estado interventor, que assumiu para si a prestação dos serviços públicos (i.e., intervindo diretamente na economia como agente econômico), o que de início levou ao desenvolvimento econômico, mas logo mostrou-se ineficiente e financeiramente incapaz de continuar provendo os serviços necessários e a contento.

A crise do Estado do bem-estar social4 - ou Welfare State -e as privatizações ocorridas no Brasil nas últimas décadas do século XX levaram ao surgimento de uma nova estrutura de governo em que o Estado não é mais o provedor direto dos serviços públicos. Aquele, que detinha a propriedade de empresas estratégicas, abandonou, na maioria dos setores econômicos, o exercício dessa atividade econômica por meio da privatização da propriedade das empresas prestadoras de serviços públicos, passando a atuar na sua regulação, fiscalizando e fomentando o desenvolvimento da economia, em conformidade com as políticas públicas.

Na passagem do Estado do bem-estar social para o novo modelo não se verifica, porém, diferenciação quanto aos fins a serem atingidos, mas quanto às estratégias adotadas. Naquele, a intervenção do Estado é direta na ordem econômica, assumindo para si atividades de natureza econômica, ou ainda provendo ele próprio os serviços essenciais, enquanto na nova ordem a delegação da execução dos serviços à iniciativa privada convolou a intervenção estatal direta para a necessária regulação, atuando como mediador e corretor dos interesses envolvidos, atrelada ao interesse público.

Uma das formas pela qual o Estado passa a esse novo modelo de intervenção na atividade econômica é através da criação de agências reguladoras, que, em tese, exercem funções diversas, mais abrangentes do que apenas fiscalizar e controlar o mercado, inclusive impondo obrigações aos regulados. A regulação por meio dessas agências, com suas características próprias de autonomia e independência, usualmente – i.e., se não capturada pelo agente econômico, produtor ou consumidor – traz maior segurança jurídica para garantir os investimentos necessários que propiciam serviços adequados à população, que, por sua vez, na perspectiva da satisfação das necessidades da comunidade, contribuirão para a efetivação geral dos direitos humanos.

3 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3.ed. São Paulo: Método, 2011, p. 56.

4 O Estado do bem-estar social configura-se naquele Estado interventor, que “passa a assumir responsabilidades

sociais crescentes, como a previdência, a habitação e a assistência social (...) ampliando seu leque de atuação como prestador de serviços essenciais. Também se aprimorou o papel do Estado como empreendedor substituto, o que ocorre em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento (...)” (TAVARES, André Ramos.

(12)

A regulação dos serviços públicos, ao propiciar o acesso a serviços essenciais, tem o condão de promover o desenvolvimento, que por sua vez assegura a dignidade humana, em razão da interdependência entre a prestação dos serviços públicos universais e o atendimento de necessidades básicas das pessoas. Portanto, a prestação dos serviços públicos não pode pura e simplesmente se sujeitar às regras do livre mercado e ao poder econômico sob pena de não cumprir adequadamente o seu papel de assegurar a todos existência digna.

Uma característica de muitos dos serviços públicos é o fato de serem prestados sob o regime de monopólios naturais, concedidos à iniciativa privada em razão da constatada incapacidade do Estado de investir em infraestrutura adequada e de realizar os investimentos necessários a uma adequada e eficiente prestação. Por sua vez, as empresas concessionárias objetivam o lucro e, em um mercado desregulado, beneficiar-se-iam dessa conjuntura de monopólio para exercer a atividade de modo a concentrar poder econômico e cobrar preços de monopólio que acarretam uma transferência de renda dos consumidores aos prestadores de serviços, sem contrapartidas associadas ao direito de universalização, serviço adequado e de qualidade.

Considerado isso, deve o regulador atuar de forma a proteger os interesses dos usuários, voltando sua atenção à expansão da rede de serviços básicos e à sua universalização e garantia de continuidade, assegurando o bem-estar das pessoas através da concretização da sua dignidade e função social.

O novo mercado global torna necessário que a regulação estatal adapte-se à existência de empresas multinacionais com grande poder econômico.

Enquanto isso, cabe ao Estado criar os mecanismos para correção das falhas de mercado, a fim de propiciar uma maior eficiência àquele, vinculado, no exercício desse mister, ao atendimento da justiça social e do interesse público primário5, buscando a acessibilidade universal aos bens e serviços públicos quando o mercado, por si só, não conseguir assegurar esses objetivos.

Nesse contexto, o capitalismo humanista surge como a corrente de pensamento que, enquanto reafirma o capitalismo como o regime econômico adotado pela Constituição

5 O conceito de interesse público é por demais amplo, fazendo-se aqui, portanto, a diferenciação entre interesse

(13)

Federal de 1988, ao proteger a propriedade privada e a livre iniciativa, vincula também a atividade econômica ao atendimento dos direitos humanos em todas as suas dimensões. Esta linha de pensamento não deixa, contudo, de corroborar os preceitos da ordem econômica constitucional, os quais servem para instruir a atuação do regulador, na qualidade de agente normativo-regulador e fiscalizador de atividades econômicas essenciais ao bem-estar dos indivíduos, individual e coletivamente.

Cabe salientar que a propriedade privada é também um direito humano expressamente reconhecido em todos os documentos internacionais de proteção de diretos, inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 e modernamente reafirmado na Carta Europeia de Direitos Humanos, assim como o direito de acesso aos serviços de interesse econômico geral, cabendo à regulação o papel de conciliar ambos.

(14)

INTRODUÇÃO

Historicamente, observando o desenvolvimento das sociedades e da atividade econômica nessas, conclui-se que sempre se fez necessária alguma forma de intervenção estatal, verificando-se, desde os primórdios da economia, traços da atividade regulatória.

Com a ascensão da burguesia, porém, a partir do século XVII, e consequente enfraquecimento do poder real, a influência dos ideais liberais e da reforma protestante6 deram azo à instituição de um novo sistema econômico baseado no livre mercado e no Estado mínimo.

Segundo a doutrina liberal, não havia necessidade de o Estado intervir na economia, sendo o próprio mercado capaz de se autorregular, dispensando a imposição de leis que direcionassem a atividade econômica.

No entanto, verificou-se, ao longo do tempo, que o liberalismo não satisfazia plenamente a necessidade de proteção daqueles que não detinham o poder econômico no mercado. Isso tornou necessária uma atuação positiva do Estado em prol da realização da justiça social, com a inclusão de todos no mercado, o que levaria à redução ou eliminação das desigualdades.

Assim, os direitos sociais foram inicialmente previstos na Constituição Mexicana de 1917 e na Constituição de Weimar, de 1919, pioneiras ainda quanto à previsão de um capítulo sobre a Ordem Econômica, passando, especialmente após a II Guerra Mundial, a serem garantidos pelas Constituições da maioria dos Estados.

O avanço empreendido por tais Cartas decorreu da imposição de tarefas a serem cumpridas pelo Estado, no sentido da promoção dos direitos sociais, deixando de se preocupar apenas com as liberdades negativas.

Posteriormente, com o crescimento das indústrias e especialmente a crise econômica que se seguiu às duas grandes guerras mundiais, tornou-se necessária maior intervenção estatal, dando cabimento ao surgimento do Welfare State.

Este, por sua vez, implicou o incremento do poder estatal, com a centralização de poder, assumindo o Estado o papel de planejador da política macroeconômica, a prestação dos serviços públicos e a propriedade de indústrias estratégicas.

6 Importante salientar que o protestantismo, ao contrário do catolicismo, estimulava a obtenção de lucro,

(15)

Porém, após longos anos de proteção estatal intensa, os altos gastos decorrentes da forte intervenção levaram ao esgotamento dos recursos financeiros e ao alto endividamento público, acarretando a crise do Estado do bem-estar social, constatando-se sua ineficiência.

A solução passou pela nova configuração do Estado regulador, em substituição ao Estado intervencionista, retirando-se da atividade econômica direta, tendo como mote a descentralização, a privatização e a delegação dos serviços públicos. A iniciativa privada assume então alguns papéis antes atribuídos ao Estado, que não se ausenta por completo, mas passa a atuar como agente regulador e normatizador da economia.

O contexto histórico ajuda a entender a fase em que a regulação se encontra atualmente, tendo-se verificado que o liberalismo econômico não é suficiente para garantir o respeito aos direitos humanos e a consequente dignidade de todos os cidadãos, mas que o intervencionismo estatal direto e o Estado do bem-estar social, por sua vez, são insustentáveis, mostrando-se este último ineficiente e insuficiente.

Por outro lado, cumpre destacar que a desregulação é até mesmo desejada em alguns setores da economia, nos quais é mais benéfica a liberdade dos agentes do mercado, em vista dos resultados alcançados. Porém, em outros setores, a presença do Estado se faz imprescindível para estabelecer o equilíbrio entre os interesses envolvidos, efetivando a comutatividade material nas relações e impedindo a “exploração do homem pelo homem”7.

A Constituição brasileira de 1988 inovou na proteção e defesa dos direitos humanos, não só quanto aos direitos individuais, mas também quanto aos direitos sociais, econômicos e políticos.

Ao sistematizar a ordem econômica, estabeleceu como fundamentos desta a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, com o objetivo de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Tais fundamentos e objetivos refletem garantias tanto de natureza individual quanto de natureza social, as quais, diante de eventual contradição, devem ser harmonizadas visando a atender ao interesse coletivo no contexto de uma Constituição compromissória.

A ordem econômica constitucional prevê ainda que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, podendo delegar à iniciativa privada, sob o regime de concessão ou permissão, a prestação de serviços públicos. Nesses casos, atuará o

(16)

Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento.

Sendo o objeto desta pesquisa a regulação dos serviços públicos e sua relação com a concretização dos direitos humanos, é importante fazer uma análise da ordem econômica e do sistema de proteção dos direitos e garantias fundamentais, com destaque ao papel do regulador para consecução desse fim, através da imposição, aos prestadores de serviços públicos, das obrigações de atendimento, acesso, universalização e qualidade, protegendo, assim, os interesses dos usuários.

No contexto histórico anterior, a prestação dos serviços públicos era promovida diretamente pelo Estado, sendo o atendimento do interesse público inerente às próprias finalidades da Administração. Assim, tendo o Estado transferido a execução dos serviços públicos à iniciativa privada, deve assegurar que o interesse público continue a ser atendido, dentre outras formas, por meio da intervenção indireta na ordem econômica, porém respeitando os interesses individuais, coletivos, sociais e humanos dos indivíduos.

A medida desta, porém, deve ser essencial e necessária ao atendimento das finalidades de interesse coletivo e os benefícios por ela trazidos devem compensar as restrições impostas aos direitos individuais.

É necessário identificar que a função regulatória está inserida na função do Estado de proteger direitos fundamentais individuais e coletivos. Embora possa restringir direitos, pode também abrir caminho para mudanças sociais que concretizam a dignidade geral da pessoa humana pelo acesso dos usuáriosao passo que serve de instrumento para a proteção e disciplina dos direitos.

Sendo assim, tentar-se-á demostrar através do presente trabalho como os valores humanistas da ordem econômica podem orientar a regulação dos serviços públicos de modo a promover o desenvolvimento social e econômico e, consequentemente, a concretização multidimensional dos direitos humanos e da dignidade humana, recorrendo-se, para tanto, aos preceitos do capitalismo humanista8.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa, foi necessário tecer algumas considerações sobre os conceitos de direitos humanos e de direitos fundamentais e sobre a relação entre economia e direito, bem como sobre as teorias da regulação do ponto de vista jurídico fundamentalmente, aspectos gerais, evolução histórica, justificativas e regulação pelas agências reguladoras, a maneira como essas agências foram introduzidas no

(17)

ordenamento jurídico brasileiro e suas principais características, adentrando-se ainda, brevemente, na questão da legitimidade das suas decisões.

É importante, nesse caminho, tratar ainda da conceituação de serviço público, sua natureza jurídica, características e princípios. Ver-se-á que o enquadramento do que seja serviço público não inspira consenso na doutrina, encontrando-se desde concepções mais amplas, para as quais todas as atividades da Administração são serviços públicos até aquelas restritas à titularidade estatal e à sujeição ao regime jurídico de direito público.

Por fim, analisar-se-á como a regulação dos serviços públicos pode exercer o papel de instrumento de concretização dos direitos humanos e do desenvolvimento, atendendo à finalidade da ordem econômica de satisfação da dignidade humana, com destaque ao direito de acesso, aos preceitos da governança e da boa administração.

No tocante à metodologia, adotou-se o método teórico-descritivo, baseando-se, principalmente, na doutrina do direito constitucional, do direito administrativo e do direito regulatório, recorrendo também à doutrina estrangeira, especialmente a inglesa.

O direito administrativo a que se recorre utiliza-se cada vez mais de princípios gerais constitucionais que instruem a disciplina dos serviços públicos e guiam a regulação estatal da economia, visando à modificação da realidade social. Trata-se, portanto, do direito administrativo permeado pelo direito constitucional, sob cuja ótica passam a estar vinculados os institutos daquele, voltando-se ao atendimento dos direitos humanos assegurados na Constituição.

Os fundamentos para as conclusões acerca do papel da regulação na concretização dos direitos humanos encontram guarida na doutrina humanista do direito econômico, baseado na lei da fraternidade, que conduz à aplicação das regras que regem a ordem econômica, voltadas à concretização dos direitos humanos em todas as suas dimensões, respeitando o direito natural de propriedade e a livre iniciativa ao mesmo tempo em que vincula o exercício desses ao atendimento da sua função social e das finalidades de interesse coletivo.

Ver-se-á, no desenvolver do texto, que a existência digna a ser assegurada pela ordem econômica traduz a necessidade de que o sistema econômico proveja aos cidadãos o

nível mínimo de condições necessárias à sua sobrevivência, o chamado “mínimoexistencial”.

(18)

direito ao desenvolvimento como direito humano. A partir da teoria dos direitos humanos, dos direitos fundamentais e dos direitos naturais, bem como da ordem econômica constitucional, proceder-se-á à análise do modelo regulatório brasileiro e estrangeiro.

(19)

CAPÍTULO 1: OS DIREITOS HUMANOS, DIREITOS FUNDAMENTAIS E A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

1.1. TEORIA DOS DIREITOS HUMANOS

Consta já do preâmbulo da Constituição Federal que esta tem por objetivo

“assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,

pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”, iniciando-se o texto constitucional

com o título dos princípios fundamentais, seguido por aquele referente aos “direitos e garantias fundamentais”.

A conceituação do que sejam direitos fundamentais enseja, porém, intenso debate. A começar pela confusão terminológica em regra estabelecida entre direitos humanos e direitos fundamentais.

“Direitos humanos” é a expressão comumente utilizada nas declarações

universais de direitos e documentos internacionais e se refere aos chamados “direitos naturais” que são aqueles inerentes à própria condição humana, garantidos ao homem em

decorrência daquela condição, cuja proteção e promoção constituem a responsabilidade primeira dos governos9. Seu caráter é universal, “válido para todos os povos e em todos os tempos”10, formando uma “unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada”11, o que significa dizer que só se garante sua plenitude quando os direitos de todas as categorias tiverem efetividade.

São eles que, concretamente assegurados em todas as suas dimensões realizam a dignidade da pessoa humana; seu reconhecimento é essencial à proteção da dignidade, que por sua vez vem prevista no inciso III do art. 1º da Constituição Federal de 1988 como um dos princípios fundamentais da República, sobre o qual se constrói o Estado Democrático de Direito.

9 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração e programa de ação de Viena. II Conferência

Mundial sobre Direitos Humanos, Viena, 1993, item 1.

10 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 393.

11 PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica, integração regional e direitos humanos. In: ______. Direitos

(20)

A dignidade constitui-se ainda no postulado central do ordenamento jurídico, que orienta sua aplicação e interpretação, bem como vincula a atuação estatal e dos agentes privados, que devem estar voltados, na consecução de suas finalidades, à observância daquela.

Já “direitos fundamentais” seria expressão com alcance mais reduzido,

correspondendo aos direitos naturais positivados, que podem ser diferentes em cada contexto

social e histórico. “Representam a positivação constitucional daqueles e de outros valores

tidos como fundamentais, promulgados pelo Estado para maior segurança de concretização”12, possuindo uma concepção menos ampla que a de direitos humanos.

A existência de direitos naturais não encontra consenso na doutrina, colocando em lados opostos positivistas e jusnaturalistas. Vale esclarecer que, para estes, os direitos naturais são preexistentes ao Estado e garantidos a despeito dele, cujo fundamento está na própria condição humana; por essa razão, independem de positivação. Por outro lado, para os positivistas, só é direito o que está positivado no ordenamento jurídico.

A importância do reconhecimento da existência de direitos naturais do homem reside no fato de eles garantirem os direitos inerentes à própria condição humana, mesmo que não previstos em lei formal, embora possam ser efetivamente positivados, expressos, nesse caso, sob a forma de “direitos fundamentais”.

O problema da consideração, como direito, daquilo apenas que está positivado é que torna possível a legitimação de condutas contrárias aos próprios direitos humanos; daí a importância do direito natural, servindo como fator de integração e legitimação do direito positivo. Por outro lado, não se ignora que a positivação dos direitos naturais assegura a eles maior efetividade, na medida em que há o reconhecimento expresso da sua aplicação e proteção.

Assim, apesar de toda a discussão acerca da existência de direitos naturais, sob o ponto de vista do presente trabalho, uma abordagem humanista do direito econômico imprescinde da expressa admissão da existência de direitos naturais, que por sua vez garantem a realização e a preservação da dignidade da pessoa humana.

Cabe salientar que a própria Constituição faz remissão expressa aos direitos humanos, reconhecendo o sistema de direitos naturais que emergem da própria condição humana. Dessa forma, é possível afirmar que o direito natural é admitido na Constituição na perspectiva dos direitos humanos; ao reconhecer expressamente os direitos humanos e a

(21)

dignidade humana, ela reconhece e legitima a ordem jurídica preexistente dos direitos naturais.

Sendo inerentes ao homem, a eles deve se conformar todo o ordenamento jurídico. Afirma-se, pois, que “os direitos humanos são consubstanciais ao direito positivo

(...), estão, portanto, inoculados no intratexto do direito positivo (...) sendo exigíveis onde e quando se aplicar o direito positivo”13. Não se tratam de meros valores, que orientam o ordenamento jurídico, mas de regras que impõem efetiva observância pelos seus destinatários.

Contudo, embora não se confundam direitos humanos e direitos fundamentais, com a afirmação de que os direitos humanos são consubstanciais ao direito positivo, expressos sob a forma de direitos fundamentais, cabe analisar algumas características destes.

A Constituição relaciona os chamados direitos fundamentais no seu art. 5º e em outras normas dispersas pelo texto constitucional, também consideradas de direito fundamental em razão do seu conteúdo material. O que caracteriza uma norma, fazendo-a ser classificada como materialmente de direito fundamental, é, substancialmente, a sua relação com a dignidade da pessoa humana. E a essência de tal concepção pode ser encontrada expressamente na Constituição de 1988, que prevê já no art. 1º a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (inciso III), princípio que norteia todos os demais.

Os direitos fundamentais apresentam como características principais a inalienabilidade, a irrenunciabilidade, a inviolabilidade e a imprescritibilidade. São, assim, direitos inegociáveis, intransferíveis, sempre exigíveis, cuja prestação não pode ser negada, sob pena de violação à dignidade humana.

Além disso, nos termos do §1º do art. 5º da Constituição Federal, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, não fazendo o

legislador constituinte qualquer restrição quanto ao alcance da regra. Assim, em princípio, ao dizer que têm aplicabilidade imediata os direitos e garantias fundamentais, abrangem-se tanto os direitos individuais quanto os direitos sociais, devendo o Estado buscar todos os meios de concretizar efetivamente os direitos fundamentais constitucionalmente previstos.

Mas, apesar de a Constituição tratar no art. 5º dos “direitos e garantias fundamentais”, também menciona expressamente, por sete vezes, os direitos humanos, como no art. 4º, II (prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais); no art. 5º, §3º (equipara os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

(22)

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, às emendas constitucionais); no art. 109, inciso V (compete aos juízes federais processar e julgar as causas relativas a direitos humanos) e §5º (“nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal); art. 134 (compete à Defensoria Pública da União a promoção dos direitos humanos) e no art. 7º do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos).Outrossim, também os textos de diversos tratados internacionais fazem menção ao direitos humanos como direitos essenciais do homem.

Historicamente, o primeiro documento a reconhecer a existência e a declarar os direitos fundamentais do homem foi a Magna Carta Inglesa de 1215. Da mesma categoria, é possível mencionar a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688)14. Além delas, importante papel no reconhecimento dos direitos fundamentais tiveram, e ainda têm, a Constituição norte-americana de 1791 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, de 1789.

Referidos documentos legais asseguravam as chamadas liberdades públicas negativas, garantidas aos indivíduos para se protegerem contra a atuação do Estado. A característica da universalidade abordada pela declaração francesa foi incorporada pelas declarações mais modernas, especialmente na carta das Nações Unidas de 1945, que deu origem à famosa Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), a qual, já no preâmbulo, revelava sua preocupação com a dignidade da pessoa humana, seguido aquele pelos direitos e garantias individuais e também pelos direitos sociais, nos moldes do que fez posteriormente o legislador constituinte brasileiro.

No mesmo sentido protetivo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, tem-se ainda a Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José da Costa Rica, de 1969.

Este último prevê expressamente o direito à propriedade privada (art. 21), podendo a lei subordinar seu uso e gozo ao interesse social. Prevê ainda que a lei deve

(23)

reprimir toda forma de “exploração do homem pelo homem”, o que é expressão da

comutatividade anteriormente tratada.

Também outras declarações de direitos e pactos internacionais, por reconhecerem a importância do desenvolvimento pleno e da satisfação das necessidades básicas dos indivíduos para realização da dignidade humana, têm especial importância para os fins do presente trabalho.

Assim, o Pacto Internacional de direitos civis e políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos da Assembleia-Geral da ONU – Organização das Nações Unidas - de 1966, baseados na Declaração Universal de Direitos Humanos, tratam dos direitos humanos de primeira e segunda dimensão, voltando-se o primeiro à proteção das liberdades individuais e garantias procedimentais de acesso à justiça e participação política, enquanto o segundo trata do direito a condições dignas de trabalho, do direito à segurança, a condições mínimas de subsistência, incluindo o direito de alimentação, vestuário e moradia suficientes, bem como a um “melhoramento constante das suas condições de existência” (art. 11.1). Reconhece ainda o direito à saúde e à educação, que devem ser

conferidos nos melhores níveis possíveis, possibilitando acesso efetivo aos tratamentos de saúde disponíveis e uma educação que leve ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido da sua dignidade.

A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, da Assembleia-Geral da ONU, de 1986, estabelece o direito ao desenvolvimento como

um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados (artigo 1.1),

bem como a responsabilidade dos Estados pela criação das condições favoráveis à realização desse direito (artigo 3.1), adotando as medidas necessárias para tanto que assegurem a

“igualdade de oportunidade para todos em seu acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa da renda (...) com vistas à

erradicação de todas as injustiças sociais” (artigo 8.1).

Por seu turno, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, de

1993 (Declaração e Programa de Ação de Viena), prevê, no item 8, que “a democracia, o

(24)

desenvolvimento direito universal e inalienável e parte integrante dos Direitos Humanos fundamentais, que facilita o gozo de todos os Direitos Humanos. Para tanto, estabelece que o progresso duradouro exija a adoção de políticas de desenvolvimento eficazes em nível nacional, bem como o estabelecimento de relações econômicas equitativas e a existência de um panorama econômico favorável internacionalmente.

De essencial importância ainda a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, aprovada em Nice, no ano de 2000, que prevê, em seu art. 36, o direito de acesso aos serviços de interesse econômico geral e, no art. 38, que os direitos dos consumidores sejam assegurados em um elevado nível.

Refere-se ao direito de acesso aos serviços públicos como direito fundamental, com a finalidade de promover a coesão social e territorial da União Europeia. Além disso, o art. 41 cuida do direito a uma boa administração.

Exerce tal Carta importante papel no contexto de proteção dos direitos humanos, tratando dos direitos de uma forma inovadora, superando a tradicional dicotomia

entre os direitos econômicos e os direitos civis e políticos, para “ratificar a indivisibilidade

dos direitos fundamentais e impedir qualquer interpretação que pretenda conferir aos direitos econômicos e sociais um estatuto menos digno que do que assiste aos direitos civis e

políticos”15.

Embora voltada, por meio do tratado assinado, aos países membros da União

Europeia, não se pode olvidar que a positivação de direitos humanos apenas os faz “revelar”, e não “inovar” no ordenamento jurídico.

Assim, sendo afinada em seus termos com o sistema de proteção dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal do Brasil, que garante expressamente os direitos dos usuários dos serviços públicos e a adequada prestação daqueles (art. 175, II e IV), é possível afirmar que os direitos e garantias naquela expressos complementam o sistema protetivo previsto na Constituição Federal de 1988.

Constata-se, pois, nessas declarações de direitos, que a proteção aos direitos fundamentais é a mais ampla, voltada tanto aos direitos de primeira quanto aos de segunda e terceira dimensões.

Refere-se aqui a “dimensões” de direitos humanos e não a “gerações”, pois este

termo dá uma ideia de superação de uma geração por outra, o que não se aplica no âmbito dos

15 ARAUJO, Maria Angélica Benetti. A carta dos direitos fundamentais da união europeia e o seu caráter

(25)

direitos humanos, que possuem uma “incidência única e multidimensional”16, tratando-se, na verdade, as três dimensões, da evolução na forma de proteção dos direitos humanos.

Quanto aos direitos de primeira dimensão, originalmente previstos na Declaração de Direitos Inglesa de 1689 e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, são os direitos de liberdade e de resistência em face do Estado, chamados liberdades públicas individuais ou liberdades negativas, impondo aos governantes obrigações de não fazer17.

Porém, com o incremento das relações sociais, a mera abstenção estatal deixou de ser suficiente, emergindo a necessidade de uma postura mais ativa do Estado, em prol da proteção das pessoas e da garantia de suas necessidades básicas, dando azo à previsão dos direitos de segunda dimensão, que correspondem aos direitos sociais, culturais e econômicos, fundados na igualdade e na fraternidade. Trata-se de direitos que correspondem a prestações estatais positivas, ligados à realização da justiça social, vinculando todos os responsáveis pelo cumprimento dos objetivos traçados pelo legislador constituinte.

Por fim, a categoria dos direitos humanos de terceira dimensão diz respeito aos chamados direitos difusos e coletivos, voltados à proteção de coletividades, enquadrando-se neste grupo o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente saudável, etc. São direitos de titularidade difusa, por vezes indeterminável.

Verifica-se, pois, hoje em dia, o reconhecimento universal dos direitos humanos, previstos nos mais diversos documentos internacionais e nas Constituições da grande maioria das Nações ocidentais.

A previsão de tais direitos na Constituição Federal de 1988 vincula todo o ordenamento jurídico, portanto impõe ao Estado obrigações de fazer e não fazer, configurando-se o Estado brasileiro em um Estado promotor do desenvolvimento e garantidor dos direitos humanos e da dignidade humana.

Como afirmam Sayeg e Balera, a proteção dos direitos humanos não subsiste integralmente se não protegidos esses em todas as suas dimensões, estando todos eles assegurados independentemente de positivação18, por se tratarem de direitos naturais, inerentes à própria condição humana.

16 ARRUDA JUNIOR, Antonio Carlos Matteis. Capitalismo humanista & socialismo: o direito econômico e o

respeito aos direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 65.

17 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6.ed. São

Paulo: Saraiva, 2011, p. 155-156.

18SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista: filosofia humanista de direito

(26)

1.2. INTRODUÇÃO AO CAPITALISMO HUMANISTA

O capitalismo firmou-se ao longo do tempo como o regime econômico que melhores condições propicia para o desenvolvimento econômico e social, assegurando o direito natural de propriedade privada e a livre iniciativa, o que o regime comunista nega e que o socialismo relativiza.

Manifesta-se sob duas principais formas, o capitalismo liberal e o capitalismo de Estado.

O capitalismo liberal crê “na coordenação da economia pelas forças do mercado”, sem necessidade de intervenção estatal, acreditando que a racionalidade do homem

faz com que este atue visando à maximização da própria satisfação que, consequentemente, levará à satisfação coletiva. O governo, nesse regime, é necessário apenas para preservar a liberdade e reduzir os custos das transações. Já o capitalismo de Estado admite que a coordenação da economia seja feita pelo Estado, que pode atuar mesmo como agente econômico direto. É o Estado do bem-estar social. Embora estejam garantidas também a livre iniciativa e a propriedade privada, esta é relativizada e o Estado intervém como coordenador da economia19.

A crítica dos defensores do capitalismo de Estado é de que o capitalismo liberal somente funciona em um ambiente de concorrência perfeita; por outro lado, para os liberais, a intervenção do Estado na economia geraria um custo desnecessário além do que o capitalismo de Estado, embora tenha seu foco nos direitos de segunda geração, não dá a resposta suficiente à ineficiência e incapacidade do Estado, principalmente nos países pobres, que mais necessitam dessa intervenção.

Qualquer que seja a corrente adotada, verifica-se que, na prática, o modo capitalista de produção traz algumas consequências negativas, como o esgotamento dos recursos e a exclusão social.

Diferentemente do capitalismo focado apenas nas liberdades negativas, especialmente na máxima eficiência alocativa dos recursos disponíveis, o capitalismo humanista proposto é aquele preocupado também com os demais direitos humanos, dentre eles o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais e regionais. Consagram-se, nesse novo modelo, “a liberdade e a igualdade na medida da

19 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista: filosofia humanista de direito

(27)

proporcionalidade fixada pela fraternidade”20. A propriedade privada é protegida, mas está vinculada ao cumprimento da sua função social.

Enquanto o capitalismo é excludente, o capitalismo humanista é inclusivo e o é por ser fundado nos direitos humanos. Volta-se ao mais amplo atendimento das necessidades de todos e à efetiva satisfação dos direitos, humanizando a atividade econômica. Assim, é capaz de assegurar aos homens os direitos mínimos de sobrevivência, visando sempre à satisfação da dignidade humana.

Como afirma Arruda Junior, o capitalismo humanista possui “uma visão

humanista e fraterna dos fatores de produção – capital, trabalho e riquezas naturais, no sentido de aplicar de forma plena os direitos humanos no fluxo econômico e em todos os seus elementos para a sustentabilidade planetária e para a melhoria da qualidade de vida das

pessoas”21.

Nesse contexto, as forças naturais de mercado convivem com o objetivo de concretização dos direitos humanos, constituindo-se o capitalismo humanista no regime econômico mais adequado à proteção, ao mesmo tempo, das liberdades individuais e à proteção dos direitos sociais e econômicos.

Por fim, tendo em vista os princípios e regras que regem a ordem econômica nacional, é possível afirmar que a Carta constitucional brasileira já contempla implicitamente o capitalismo humanista de mercado.

Isso porque, ao proteger o direito de propriedade privada e a livre iniciativa, também vinculou o exercício desses direitos ao atendimento da sua função social, sendo a dignidade humana elevada à categoria de princípio fundamental da República e orientando a ordem econômica conforme os ditames da justiça social, ou seja, a inclusão de todos.

Dessa forma, é possível afirmar que o regime capitalista adotado não o foi sob os contornos do liberalismo econômico puro, mas um capitalismo temperado por valores humanistas, com destaque, além da igualdade, à fraternidade, voltado não à mera acumulação de riquezas, mas principalmente a garantir a todos existência digna conforme os direitos humanos consagrados como fundamentais na Constituição e nas Cartas Internacionais de declarações de direitos.

A fim de tornar expressa a adoção do capitalismo humanista como regime que orienta a ordem econômica, há atualmente proposta de Emenda Constitucional tramitando

20 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. Capitalismo humanista: filosofia humanista de direito econômico.

Petrópolis: KBR, 2011, p. 183.

21 ARRUDA JUNIOR, Antonio Carlos Matteis. Capitalismo humanista & socialismo: o direito econômico e o

(28)

no Congresso Nacional, para inseri-lo expressamente no caput do art. 170, bem como para introduzir o inciso X no art. 170 da Constituição Federal, incluindo a observância dos direitos humanos também como princípio geral da ordem econômica no Brasil22.

Apesar de estar a proteção dos direitos humanos incluída já no ordenamento constitucional, sua adoção expressa como princípio da ordem econômica reforça a conclusão de que a atuação dos agentes econômicos deve estar voltada primordialmente ao seu atendimento, buscando realizar os objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, promotora do desenvolvimento nacional.

Cabe salientar que o projeto conta já com parecer favorável pela sua

constitucionalidade, reconhecendo que a introdução do inciso X no art. 170 “proclamará a

conexão necessária entre a ordem constitucional econômica e o objetivo fundamental da

República do desenvolvimento nacional”23, permitindo ao Estado formular as políticas públicas adequadas ao desenvolvimento humano.

1.3. DA ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

É possível afirmar que, de alguma forma, o Estado sempre interviu na economia, ora de modo direto, ora como garantidor das liberdades ou ainda como Estado provedor ou regulador, atuando indiretamente para promover o equilíbrio e a segurança nos mercados.

O modo pelo qual se dá essa relação define a forma de organização e funcionamento da economia, positivada por meio da Constituição econômica.

Na época do liberalismo econômico, pregava-se que o mercado seria autossuficiente e se autorregularia, promovendo o máximo bem-estar para todos.

Para Adam Smith, precursor do liberalismo, cada um deve ser livre para agir de acordo com suas vontades, uma vez que são controlados por valores morais que os impedem de agir egoisticamente, recorrendo, para explicar tal fenômeno, à figura da “mão invisível”,

22 Proposta de Emenda à Constituição nº 383/2014. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/

proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606656>. Acesso em 6 nov. 2014.

23 Parecer apresentado em 27 nov. 2014. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/

(29)

aquela que conduz as pessoas a, mesmo agindo visando ao próprio interesse, buscarem um fim de interesse coletivo que não estava inserido no seu propósito original24.

Assim, os agentes do mercado, ao buscarem o próprio interesse pessoal, promoveriam por consequência o interesse coletivo, de maneira mais eficiente que a intervenção estatal.

A intervenção estatal seria desnecessária porque o homem teria consciência da propriedade de sua conduta, recorrendo a habilidades como simpatia, imaginação, razão e

reflexão e certo senso de “fellow feeling”25, que o próprio autor explica como sendo o sentimento de interesse pela situação alheia, que faz cada indivíduo se regozijar com o sucesso de outros, bem como a refletir acerca da forma correta de agir e da busca pela aprovação alheia, demonstrando a propensão natural dos homens a se adequarem às regras impostas pela sociedade e a atuarem em prol do atendimento do interesse coletivo.

Porém, nessa época, o âmbito de proteção dos direitos humanos estava restrito à sua primeira dimensão, os direitos de liberdade, que serviam como instrumento de proteção dos cidadãos contra o Estado. Verificou-se, porém, que as condições do mercado nem sempre permitiam que todos tivessem igualdade de acesso aos bens necessários à subsistência e à concretização da dignidade humana, surgindo a demanda por uma atuação positiva do Estado, voltado a assegurar outros direitos de natureza social, em busca da justiça social e da redução das desigualdades. O Estado absenteísta já não correspondia às necessidades da sociedade e o mercado livre gerava concentração de poder econômico, demandando a intervenção estatal para equilibrar as condições dos participantes daquele.

Fazia-se necessária, portanto, uma mudança na forma de atuação estatal, passando de garantidor das liberdades individuais para um ente que intervém ativamente na ordem econômica e social, assumindo para si prestações positivas em favor dos cidadãos.

As primeiras constituições a se preocuparem com a proteção dos direitos sociais e dos trabalhadores e a instituírem um capítulo sobre a Ordem Econômica, como já visto anteriormente, foram a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.

Esta última previa expressamente que a economia deveria realizar os princípios da justiça, assegurando, dentro desses limites, a liberdade individual (art. 151). Garante-se a

24 SKINNER, Andrew S. Analytical Introduction to SMITH, Adam. The wealth of nations. Books I-III.

Penguim Books. London, 1997, p. 24.

(30)

livre iniciativa, mas o Estado passa a intervir para que essa realize também o interesse da coletividade, impondo freios à liberdade econômica, visando garantir a dignidade humana.

É possível afirmar que “a partir de então essas medidas de política econômica passaram a interessar ao Direito, quer enquanto o Estado passou a emanar um conjunto sistemático de normas destinadas a reger a economia, quer enquanto esse conjunto normativo passou a interessar à Ciência do Direito”26.

Ordem econômica, segundo Grau, é “o conjunto de normas que definem, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica”27. Assim, toda a atividade produtiva deve orientar-se segundo os princípios que regem a ordem econômica. Ela contém as regras que atribuem os fins do Estado no tocante à atividade econômica.

Conforme explica Bagnoli:

a Ordem econômica é constituída de princípios econômicos segundo valores da disciplina econômica que, em harmonia, apresentam uma concepção teórica do modelo econômico (sistema econômico) ou a realidade de modelo econômico (regime econômico).

Uma ordem econômica capitalista é justificada pela possibilidade de obtenção de lucro dentro de uma economia de mercado, cujos institutos básicos são a liberdade de iniciativa (empreendedorismo), a livre concorrência e a propriedade privada dos meios de produção. Está-se diante da economia de mercado, onde os recursos são alocados mediante a interação da sociedade, dos agentes econômicos28.

Por seu turno, a Constituição de 1988 trata da ordem econômica no título VII e, nos termos do art. 170, esta se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, da busca do pleno emprego e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, assegurando o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Deve, portanto, estar organizada de forma a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. A justiça social deve ser o princípio fundador da

sociedade, instruindo “o modo como as principais instituições sociais distribuem os direitos e

(31)

deveres fundamentais e determinam a divisão das vantagens decorrentes da operação

social”29.

Um ambiente de justiça social é aquele em que se verificam condições inclusivas entre as pessoas, o que depende, muitas vezes, da adoção de políticas redistributivas pelo Estado, inclusive intervindo na esfera individual de direitos dos cidadãos. Vale ressaltar que a menção à justiça social não é restrita à ordem econômica, estando integrados dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I da Constituição de 1988), constituindo ainda objetivo da ordem social.

A existência digna é prevista tanto como finalidade da ordem econômica como fundamento da República (CF, art. 3º, inc. III), orientando todo o ordenamento jurídico. Trata-se de garantia contra a indevida intervenção do Estado na esfera de liberdades individuais, mas também consubstancia o direito a uma atuação positiva do Estado, o direito à garantia de níveis dignos de subsistência, dependendo sua realização da concretização multidimensional dos direitos humanos.

Atingir o estado de dignidade humana significa que os direitos humanos estão sendo atendidos em níveis razoáveis que indicam estar o Estado cumprindo adequadamente o seu papel de proteção.

Por sua vez, os fundamentos e objetivos da ordem econômica são normas que possuem natureza principiológica e orientam a intervenção e a não intervenção do Estado na economia30. Além deles, nos incisos do art. 170 estão relacionados expressamente os princípios que constituem a síntese do modelo econômico adotado. Esses não excluem outros princípios constitucionais relativos também à ordem econômica ou que nela repercutem diretamente e que estão localizados topograficamente fora do título da Ordem Econômica, como, por exemplo, os princípios do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e da marginalização, todos previstos no art. 3º da Constituição como objetivos da República.

O primeiro dos princípios elencados nos incisos do art. 170 é o da soberania nacional, também arrolado como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição). Resta claro, nos dias atuais, que o conceito de soberania, ligado ao poder do

29 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.8.

30 André Ramos Tavares salienta que tal posicionamento, acerca de se tratarem os fundamentos e objetivos da

ordem econômica previstos no caput do art. 170 da Constituição também de princípios gerais não encontra

(32)

Estado dentro de seu território, com a globalização e derrubada das fronteiras, os tratados internacionais e a criação de Tribunais internacionais relativizou-se significativamente, impondo-se fortes restrições à liberdade dos Estados.

A soberania de que se trata no contexto da ordem econômica é a soberania econômica, que se relaciona à capacidade de se autodeterminar economicamente, independente dos demais países. Segundo Silva, ao prescrever o constituinte a soberania

econômica, criou também “as condições jurídicas fundamentais para a adoção do

desenvolvimento autocentrado, nacional e popular”31, que dão ao Estado condições de tomar as decisões econômicas necessárias e condizentes com o desenvolvimento.

Por sua vez, conforme Grau, “a afirmação da soberania nacional econômica não supõe o isolamento econômico, mas antes, pelo contrário, a modernização da economia – e da sociedade – e a ruptura de nossa situação de dependência em relação às sociedades

desenvolvidas”32.

A soberania econômica permite que o Estado tome as decisões que entender convenientes, especialmente, considerando o objeto do presente trabalho, no tocante à promoção do desenvolvimento econômico e social e à adoção de políticas redistributivas.

Em seguida à soberania, a Constituição menciona os princípios da propriedade privada e da função social da propriedade. Considerando as disposições constitucionais e as normas que regem a ordem econômica, o direito de propriedade somente pode ser exercido observando a sua função social, a fim de eliminar ou reduzir a exclusão social.

A função social da propriedade é a concretização da dignidade humana relacionada ao exercício do direito de propriedade privada, não havendo, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, possibilidade de exercício legítimo daquele direito desvinculado de sua função social.

Assim, embora seja um direito humano, a propriedade não é mais tida como direito absoluto; o interesse público da atividade econômica privatizada é a concretização da dignidade humana relacionada ao exercício do direito de propriedade do qual decorre a empresariedade, justificando, portanto, a necessidade da regulação em caso de interesse geral. Desse conceito se depreende a adoção do capitalismo humanista pelo legislador constituinte, constituindo sua própria essência.

31 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 768

(grifos no original).

32 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 226

(33)

No tocante ainda aos princípios da ordem econômica, o inciso IV do art. 170 trata da livre concorrência, forma de manifestação da livre iniciativa que assegura aos indivíduos participarem em condições razoáveis de acesso na atividade econômica, exercendo a dupla função de proteger os agentes do mercado e os consumidores. Para tanto, o legislador

constituinte estipulou que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação

dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros” (art. 173, §4º).

A defesa do consumidor é também prevista como princípio autônomo,

demonstrando com isso o legislador constituinte a “preocupação da ordem econômica

constitucional brasileira em preservar os direitos básicos do indivíduo no âmbito das relações

econômicas”33.

Ainda, a disposição, dentre os princípios da ordem econômica, da defesa do meio ambiente, representa a determinação constitucional de que ocorra a exploração econômica sustentável dos recursos naturais, de forma que o desenvolvimento se dê sem que haja o esgotamento dos recursos disponíveis, a fim de preservar o ambiente para as futuras gerações.

Assim como o princípio da defesa do consumidor e da livre concorrência, tal proteção é regulada por leis infraconstitucionais, assegurando sua eficácia.

Por sua vez, o princípio da redução das desigualdades regionais e sociais é também um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, III, Constituição Federal de 1988), nitidamente inclusivo e condizente com os valores da justiça social e, juntamente com os princípios da busca do pleno emprego, do tratamento favorecido às empresas de pequeno porte e a função social da propriedade constituem os chamados

“princípios de integração, sendo assim considerados aqueles que estão voltados à resolução de

problemas de marginalização regional ou social”34.

Ao objetivar a redução das desigualdades regionais e sociais, o legislador constituinte reconhece a existência de desigualdades, mas não nega o reconhecimento do direito à propriedade privada. Antes, adequa essa aos valores sociais que satisfarão, na prática, a dignidade humana.

Tais princípios constituem normas de natureza cogente que irradiam para todo o ordenamento jurídico, devendo ser por todos observados, especialmente pelos formuladores das políticas públicas, orientando a regulação em prol do desenvolvimento econômico e social.

Referências

Documentos relacionados

• a família como aporte simbólico, responsável pela transmissão dos significantes da cultura boliviana, que marca o lugar desejante de cada imigrante nos laços sociais. Na

PUC-Campinas - Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Camilo - SP - Centro Universitário São Camilo São Judas

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC SP. 2010

A pesquisa apresenta a comparação entre as diferentes regulamentações existentes relacionadas a auditoria contábil no mercado de capitais, na abertura de capital, emissão

Entendemos que o estudo dos conhecimentos mobilizados pelos alunos relacionados ao valor posicional e, em particular, ao número zero no SND seja de fundamental importância para

O imperativo presente da voz ativa, apenas na segunda pessoa do singular e do plural, é formado tomando-se para a segunda pessoa do singular o tema puro do verbo,

Por mais que reconheça a importância das políticas de redução de danos não apenas como estratégias progressistas, fundamentadas nos direitos humanos, que operam

O art. 87, da OIT como bem se há de recordar, estatui que os trabalhadores têm o direito de constituir organizações que julgarem convenientes, o que implica na possibilidade