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CAPÍTULO 2: REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA

2.3. REGULAÇÃO ASPECTOS GERAIS

O termo “regulação” pode ser utilizado em vários sentidos, significando, em uma acepção ampla, qualquer forma de controle. Em princípio, toda forma de restrição à liberdade privada pode ser entendida como regulação. Assim, pode haver regulação nos mais diversos setores da vida: social, familiar, trabalho, meio ambiente, saúde, ciência, contratos, etc. Não só nestes, mas em todos os setores em que há regramento legal é possível também

67 FARIAS, Pedro César Lima de; RIBEIRO, Sheila Maria Reis. Regulação e os novos modelos de gestão no

Brasil. Revista do Serviço público, ano 53, n. 3, pp. 79-94, jul.-set./2002, p. 83.

68AMANN, Edmund; BAER, Werner. From the developmental to the regulatory state: the transformation of the

government‟s impact on the Brazilian economy. In: AMANN, Edmund (ed.). Regulating development: evidence from Africa and Latin America. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, Inc., 2007, p. 105.

afirmar haver regulação69. Pode ocorrer por meio da taxação, por medidas de redistribuição de riquezas, pela concessão dos serviços públicos, por meio de atos normativos, de fomento e de fiscalização. Ao longo do tempo, apresentou-se de diversas formas e atualmente vem se expandido, passando a envolver novos atores e a se difundir em diferentes níveis. No ambiente econômico, significa oposição ao livre mercado.

Embora não seja só aplicada no âmbito da economia, é importante salientar que, em muitas das hipóteses acima citadas, ainda que não diretamente envolvidas com aquela, há também reflexos econômicos.

Sua origem estrangeira, do inglês “regulation”, pode provocar alguma confusão entre os termos regulação e regulamentação. Porém, em geral, “regulamentação” tem sentido mais estrito, referindo-se à atividade de emissão de atos ou comandos normativos com eficácia genérica, enquanto “regulação” é termo mais amplo e ao mesmo tempo específico, abrangendo, além da função regulamentar, as atividades de fiscalização, de poder de polícia, de direção, de gestão, etc. No entanto, na prática as diferenças não influenciam muito os resultados, sendo irrelevante a discussão.

Regulação não se confunde ainda com o simples poder de polícia da administração, mais restrito que aquela. Como será visto, a regulação vai além da fiscalização e imposição de sanções; é a direção, pelo Estado, da atuação do particular, inclusive impondo metas de cumprimento. No caso da regulação dos serviços públicos, enfoque do presente trabalho, esta deve estar voltada ao atendimento do interesse coletivo e à realização dos direitos humanos e, por conseguinte, da dignidade humana, conforme os preceitos da ordem econômica constitucional.

Conforme previsto nas diversas leis que criaram as agências reguladoras para cada setor da economia, regulação trata-se da implementação de políticas públicas, adequando o interesse privado do concessionário ao interesse coletivo dos usuários.

A regulação que se busca implementar, pois, é a regulação humanista, que visa a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, que por sua vez significa a inclusão de todos.

Na doutrina brasileira, Salomão Filho define regulação como “toda forma de organização da atividade econômica através do Estado”70; é

69 BLACK, Julia. Decentering regulation: understanding the role of regulation and self-regulation in a post-

regulatory world. Current Legal Problems, v. 54, n. 1, 2001, p. 132.

70 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos.

a contribuição mais útil de um Estado que decide retirar-se da intervenção econômica direta (...) para sua função de organizador das relações sociais e econômicas e que, por outro lado, reconhece ser, para tanto, insuficiente o mero e passivo exercício de um poder de polícia sobre os mercados71.

Para Aragão, regulação é

o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, materiais ou econômicas, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da autonomia empresarial ou meramente indutiva, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-se em direções socialmente desejáveis72,

promovendo a “adequação da atividade econômica aos interesses da coletividade”73.

Entende o autor que a regulação deve incidir também sobre empresas estatais que exercem atividade econômica e seu conceito abrange os comportamentos econômicos do Estado que surtem efeitos sobre os agentes privados do mercado74, sendo amplo, portanto, seu campo de atuação.

Por sua vez, Justen Filho define regulação como a “atividade estatal de intervenção direta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos fundamentais”75. Segundo o autor, a regulação econômica envolve sempre a promoção de

valores sociais76, buscando equilibrar eficiência econômica e equidade, promovendo, com isso, a justiça social.

Na doutrina jurídica brasileira, verifica-se, assim, relativo consenso quanto a se referir a regulação a medidas de intervenção na economia, restringindo a liberdade dos agentes que nela atuam, destacando-se, nas duas últimas definições citadas, as finalidades de interesse coletivo e de concretização dos direitos fundamentais.

Seu fundamento encontra-se no art. 174 da Constituição Federal, dispondo que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de

71SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. 2.ed.

São Paulo: Malheiros, 2008, p. 20.

72ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras: a evolução do direito administrativo econômico.

3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 40.

73 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Regulação da economia: conceitos e características contemporâneas. Revista

do Direito da Energia, n. 02, IBDE, São Paulo, out./2004, p. 150.

74 ARAGÃO, op. cit., 2013, pp. 40-41.

75 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 669. 76 JUSTEN FILHO, Idem, 2014, pp. 669-670.

fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Tendo em vista que a prestação dos serviços públicos envolve a satisfação de necessidades essenciais, é possível afirmar que a atividade de natureza pública exercida por agentes privados está sujeita ao regime jurídico de direito público e à política pública de regulação imposta pelo Estado, orientada pelos preceitos constitucionais que regem a ordem econômica. Esta tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Portanto, todo o setor de serviços públicos é público, sujeito ao planejamento estatal vinculante.

Ainda, a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - considera a regulação um dos mais importantes instrumentos de administração do setor público dos seus países membros e que a qualidade e estrutura da regulação são essenciais para a efetividade das políticas governamentais e para a eficiência econômica. Defende ainda que a remoção de barreiras à competição entre os países é imprescindível para a obtenção de melhorias sociais e econômicas e que, no mundo globalizado, é essencial a transparência das políticas regulatórias e a cooperação entre as nações77.

Com base nesse entendimento, define regulação como sendo:

The full range of legal instruments by which governing institutions, at all levels of government, impose obligations or constraints on private sector behaviour. Constitutions, parliamentary laws, subordinate legislation, decrees, orders, norms, licenses, plans, codes and even some forms of administrative guidance can all be considered as „regulation‟78.

A doutrina estrangeira também se dedicou ao estudo da regulação. Na Inglaterra, Black, focada nos fins econômicos da regulação, define aquela como sendo “a process involving the sustained and focused attempt to alter the behaviour of others according to defined standards or purposes with the intention of producing a broadly defined outcome or outcomes”79.

77 OECD. Recommendation of the Council on Improving the Quality of Government Regulation,

OECD/GD (95)95.Disponível em: <http://acts.oecd.org/Instruments/ShowInstrumentView.aspx?InstrumentID= 128&InstrumentPID=124&Lang=en&Book=False>. Acesso em: 14 mar. 2014.

78 OECD, Idem, 2014. Trad. livre: O conjunto de medidas pelas quais as instituições governamentais, em todos

os níveis de governo, impõem obrigações ou restrições ao comportamento dos agentes do setor privado. Constituições, leis, legislação infra-legal, decretos, ordens, normas, licenças, planos, códigos e até mesmo algumas formas de regramentos administrativos são considerados todos „regulação‟.

79 BLACK, Julia. Decentring regulation: understanding the role of regulation and self-regulation in a post-

regulatory world. Current Legal Problems, v. 54, n. 1, 2001, p. 142. Trad. livre: O processo envolvendo uma dirigida e sustentada tentativa de alterar o comportamento alheio, de acordo com as normas ou objetivos definidos, no intuito de produzir um resultado ou resultados amplamente definidos.

Para Vital Moreira, regulação é o “estabelecimento e a implementação de regras para a atividade econômica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objetivos públicos”80.

Regulação, portanto, em geral, relaciona-se com o regramento de atividades, voltada a determinados fins.

Quanto aos seus objetivos, é possível distinguir entre regulação imediata e mediata da economia, salientando-se que, naquela, o Estado visa a objetivos econômicos propriamente ditos, regulando a produção e o consumo, por exemplo, enquanto que a regulação mediata corresponde à chamada regulação social, que “busca a realização das finalidades sociais do Estado, com reflexos na economia”81.

Tais finalidades estão voltadas à garantia do direito de acesso e inclusão de todos no mercado, o que por sua vez leva à satisfação da dignidade humana através da concretização multidimensional dos direitos humanos.

Quanto às medidas de atuação, a regulação pode ocorrer conforme o tradicional sistema de “comando e controle”, controle este exercido por meio da imposição de sanções, no qual a regulação é dirigida pela lei. Através do exercício do poder normativo, o regulador pode impor as medidas necessárias à correção das externalidades negativas econômicas e sociais.

O recurso à lei, apesar de não ser o único instrumento à disposição do regulador, é de extrema importância para reparar injustiças, porque repousa na autoridade, o que confere legitimidade ao regulador. Ademais, constitui importante recurso para o início de um movimento de mudanças sociais, embora o fato de ser unilateralmente imposta possa diminuir a sua eficácia.

A regulação também pode ser feita por um modelo de administração descentralizada, com a criação de órgãos aos quais são delegados poderes estatais para que possam lidar com os conflitos advindos do ambiente regulado, fiscalizando as atividades e impondo os objetivos a serem alcançados pelos prestadores, o que ocorre, como se verá, com as agências reguladoras.

Podem ser citados ainda os mecanismos de autorregulação, cujo conteúdo é definido pelos próprios destinatários das regras, impondo medidas limitadoras de

80 MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997, p. 34,

apud FIGUEIREDO, Leonardo Vizea. A evolução da ordem econômica no direito constitucional brasileiro e o

papel das agências reguladoras. Revista da AGU, n. 13 ago./2007, pp. 89-112, p. 94.

81 ARAGÃO, Alexandre Santos de. O conceito jurídico de regulação da economia. Revista de Direito

poder,geralmente com maior aceitabilidade do que as regras impostas pelo Estado unilateralmente. Dentre esses, tem-se, por exemplo, a inserção de cláusulas nos contratos celebrados entre regulador e delegatário dos serviços públicos.

No campo da autorregulação, a OCDE defende que uma das modernas formas de regulação se dê através da análise do comportamento econômico dos indivíduos, buscando identificar como aqueles efetivamente se comportam no mercado82.

O organismo internacional recomenda também que a regulação deve se guiar pela transparência e permitir a participação popular no processo de tomada de decisões, defendendo a existência de um órgão apto a fiscalizar a política regulatória, especialmente quanto ao atingimento de seus objetivos, à qualidade da regulação e à satisfação do nível de proteção necessário.

Na atualidade, a atividade regulatória está voltada a um contexto finalístico, de resultados, demandando uma atuação estatal positiva de proteção dos direitos humanos e de observância da dignidade humana, conforme os ditames da justiça social, ou seja, através da inclusão de todos, com o que o mercado livre dificilmente se preocupará, buscando naturalmente a maximização dos lucros e das vantagens individuais.