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3. LINGUÍSTICA ECOSSISTÊMICA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

3.4. A koroniago: uma coiné nipobrasileira

O vocábulo koroniago ou, nos termos de Ota (2009) koronia-go, em sua própria formação morfológica já expressa de maneira categórica o que vem a ser essa variedade linguística: a palavra é formada pelo termo “colônia”, originado da língua portuguesa do Brasil e amoldado através do processo fonológico de epêntese para permitir ser grafado em língua japonesa, transformando-se em “koronia” (コロニア110), assim como pelo termo “go” (語111), cujo significado em língua japonesa é “língua”, dando origem a palavra “koroniago” (コロニア語)– a língua da colônia japonesa no Brasil.

109 Verbo “ser/estar” em japonês. 110 Termo escrito em katakana. 111 Termo escrito em kanji.

122 De acordo com Ota (op. cit. p. 51) “Koronia-go é considerado (ibid.) uma variante da língua japonesa, em que se vê claramente a interferência do português, desde a adoção dos empréstimos lexicais até a mudança de códigos”, ou seja, mostra-se saliente desde o uso de vocabulários específicos, até fenômenos estilísticos como o code-switching. Para Paiva (2011, p. 24) a koroniago seria um dialeto nipo-brasileiro que reflete as diferenças dos dois mundos dos imigrantes/falantes: o Brasil e o Japão. Optamos por chamá-la de variedade linguística, uma vez que, a palavra dialeto vem sendo usada ao longo de sua existência com sentido negativo e carregada de preconceitos existentes na relação entre línguas maioritárias e minoritárias. A dicotomia entre língua padrão e língua não-padrão constitui-se numa problemática bastante discutida pelos linguistas modernos, principalmente no que concerne ao preconceito linguístico que emana muitas vezes da compreensão equivocada entre tal oposição. Para Milroy (2011, p. 55) “ de fato, a dicotomia padrão/não padrão deriva, ela mesma, de uma ideologia – ela depende da aceitação prévia da ideologia da padronização e da centralidade da variedade padrão” cujo resultado, muitas vezes, seria a criação de um entendimento dos falantes de uma forma de língua “adequada”, “precisa”, que foge do caos linguístico e é centrada na ideologia da correção: “ o impulso rumo à uniformidade, como vimos, tem objetivos sociais e econômicos” e, diante dessa ideologia “os dialetos se tornam (...) satélites que têm órbitas em distâncias variadas em torno de um corpo central – o padrão” (MILROY,

op.cit., p. 56-57).

Mase (1987) destaca que a koroniago originou-se de um processo de homogeneização necessário para a comunicação entre os imigrantes japoneses no território brasileiro, já que nosso país recebeu famílias de diferentes províncias japonesas onde a diversidade dialetal era profunda. Provavelmente, essa configuração sui generis da imigração nipônica para o Brasil propiciou a formação de uma variedade linguística bastante perceptível, já que a maioria dos outros países do mundo que também recebeu imigração do Japão em grande escala na mesma época limitou-se em aceitar imigrantes somente de regiões específicas, temendo que os diferentes climas do país nipônico pudessem ser um empecilho para a adaptação dos japoneses nos países onde iriam servir de mão de obra para trabalhos diversos, principalmente os ligados à agricultura e industrias112.

123 As modificações ocorridas na língua dos imigrantes foram diversas: muitas palavras novas se originaram do CL com a língua portuguesa; diferenças dialetais marcantes sofreram neutralização em detrimento das formas mais usadas ou que possuíam mais prestígio; diferenciadores linguísticos de gênero masculino e feminino na fala dos imigrantes foram sendo apagados ao longo do tempo, bem como as formas de tratamento que conferiam traços de polidez, respeito e modéstia (keigo - 敬語) foram desaparecendo em detrimento de uma língua mais prática e sucinta (OTA, 2009).

Como salientam Ota (2009) e Doi (2002), a koroniago mostra-se evidente nas produções escritas dos imigrantes nipobrasileiros em jornais, obras literárias e haicais113

produzidos nas comunidades nipônicas espalhadas em nosso país, bem como na conversação típica do dia a dia no seio familiar. A referida variedade linguística também mostra-se perceptível em livros didáticos para o ensino de língua japonesa no Brasil, produzidos em sua maioria no estado de São Paulo, como a coleção “Curso Básico de Língua Japonesa”, da Aliança Brasil-Japão de São Paulo que constitui parte integrante de nosso levantamento de léxico da koroniago para a construção dos pré-testes e testes definitivos de inteligibilidade114.

Ainda valendo-nos de Ota (op.cit.), podemos evidenciar que a manifestação da variedade investigada ocorre em diferentes maneiras e níveis na linguagem dos

nipobrasileiros: observamos empréstimos oriundos do contato com o português,

principalmente de coisas típicas de nosso país; uso de vocabulários técnicos com origem da língua portuguesa, uma vez que em língua japonesa os termos são formados por combinações complexas de caracteres; construções de verbos compostos, mesclando parte em português e parte em japonês; code-switching (alternância de códigos) na fala cotidiana entre os indivíduos da mesma comunidade ou família, já que para transitar entre línguas diferentes, tanto o falante como o ouvinte precisam compartilhar dos códigos usados.

Com o intuito de ilustrar algumas das ocorrências citadas anteriormente, lançaremos mãos do trabalho de pesquisa levado a cabo por Ota (op. cit.) em comunidades

nipobrasileiras rurais situadas no estado de São Paulo: A comunidade Fukuhaku-Mura e

113 Segundo Goga (1988) “Os japoneses possuem uma forma elementar de arte, mais simples ainda que a

nossa trova popular: é o haicai, palavra que nós ocidentais não sabemos traduzir senão com ênfase, é o epigrama lírico. São tercetos breves, versos de cinco, sete e cinco pés, ao todo dezessete sílabas. Nesses moldes vazam, entretanto, emoções, imagens, comparações, sugestões, suspiros, desejos, sonhos... de encanto intraduzível”.