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1. LÍNGUA, TERRITÓRIO E IMIGRAÇÃO JAPONESA

1.4. A língua japonesa

1.4.1. O sistema gráfico japonês

Como citado anteriormente, a língua japonesa utiliza uma gama de caracteres como maneira de grafar suas palavras. Por volta do século IV, os japoneses começam a estabelecer a grafia de suas palavras utilizando os kanjis – ideogramas da Dinastia Han chinesa - com alfabetos silábicos criados no Japão que, posteriormente formariam os

24 Explicaremos de maneira mais pormenorizada os respectivos alfabetos posteriormente.

25 Nossa tradução. Trecho original: (1) "There was a propensity in the Japanese character to adopt foreign

culture. (2) The Japanese language has qualities that facilitate adopting foreign words. For example, the lack of inflection in nouns. (3) When Japan adopted Chinese characters (for Japan did not possess its own writing system), Chinese terms naturally entered the language. (4) As foreign culture was more advanced than Japanese culture, the people felt loan words superior to indigenous terms."

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hiragana e katakana. Não é exatamente precisa a informação de como os kanjis chegaram

no país nipônico, porém a hipótese mais aceitável seria que monges budistas japoneses teriam ido à China e, ao retornarem, trouxeram diferentes materiais escritos em língua chinesa. Os japoneses, com o auxílio de quem sabia fazer a leitura dos ideogramas chineses, criaram os man’nyogana e os hentaigana: sistemas iniciais de escrita silábica japonesa baseados nos caracteres da China que, mais tarde, por volta do século IX, dariam origem aos alfabetos silábicos hiragana e katakana26.

Figura 8.Hiragana e seus equivalentes em hentaigana. Katakana e seus equivalentes em man’yogana.

Fonte: whatsjap.com.br27

Os alfabetos fonéticos “hiragana e katakana” possuem 48 caracteres básicos cada um, podendo combinar seus símbolos para formar sons contraídos como “sho” (しょ), que é a junção de “shi” () com um pequeno “yo” (), ou no caso do katakana formar sons de palavras estrangeiras que não existiam em japonês, como o “fa” (ファ) que é formado da junção do símbolo “fu” ( フ) com um pequeno “a” (ア ). Segundo Sakurai (2008, p. 262) “originalmente, os alfabetos estavam voltados para as mulheres, que, sem muito

26 Disponível em: https://whatsjap.com.br/entenda-como-surgiu-o-katakana-e-o-hiragana/. Acesso em: 01

dez. 2019.

27 Disponível em: https://whatsjap.com.br/entenda-como-surgiu-o-katakana-e-o-hiragana/. Acesso em: 01

52 acesso aos estudos, podiam escrever de forma mais simples imitando os sons das palavras com letras que reproduzem sons simples ou sílabas”.Os alfabetos silábicos, então, foram uma maneira encontrada pelos japoneses para adaptar os ideogramas chineses àqueles que não tinham uma educação formal ou não podiam frequentar escolas. Além disso, o acesso aos textos escritos em chinês, antes somente acessíveis à elite letrada, permitiu que os budistas expandissem sua religião na sociedade japonesa, pois com a criação dos alfabetos silábicos muitos textos religiosos começaram a ser lidos por pessoas de diferentes camadas sociais.

As figuras abaixo mostram os grafemas básicos, tanto em hiragana, quanto em

katakana, sem as possibilidades de combinação de sons que utilizam os símbolos básicos

para formar outras combinações sonoras, como explicitado anteriormente:

Figura 9.Alfabeto fonético Hiragana

Fonte: Blogspot Japonês Fluente28

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Figura 10.Alfabeto fonético Katakana

Fonte: Blog Spot Japonês Fluente29

Apesar de introduzidos no Japão por volta do século IX, os alfabetos silábicos ou fonéticos japoneses somente se disseminaram entre a população japonesa na era Meiji (1868-1912) quando a educação escolar e a alfabetização tornaram-se obrigatórias (SAKURAI, 2008).

O alfabeto hiragana, por exemplo, é utilizado em escritas complexas ou de nível avançado para que outras pessoas consigam lê-las, já que nos anos iniciais da escola a criança já aprende esse alfabeto. O kanji que segue mostra o uso do “furigana”, ou seja, o alfabeto fonético “hiragana” do respectivo ideograma, facilitando sua leitura:

おどろ

54 Os kanjis ( 漢字 ), como os próprios ideogramas sugerem em seus significados, “caracteres da dinastia chinesa”, são ideogramas que foram introduzidos no Japão e, com isso, influenciaram um número grande de vocábulos na língua japonesa, já que muitas palavras no japonês antigo eram extremamente longas e não práticas: o número “11”, por exemplo, era falado “towo amari fitotu”, ou seja, “um mais que dez”. Com a introdução dos ideogramas e a influência das palavras de origem chinesa, a língua pode aproveitar o caráter altamente aglutinador dos kanjis e introduzir novos vocábulos para a língua japonesa como “juu ichi”, atual número “onze” que é motivado pelo conceito “juu” (dez) mais “ichi” (um) (KINDAICHI, 2010, p. 502). Sabemos queos caracteres de origem chinesa conferem um caráter relativamente motivado à representação gráfica da maioria do léxico no japonês, já que o poder aglutinador dos ideogramas (os kanjis) facilitou a grafia de palavras. Isso significa que, com um número básico de kanjis, é possível fazer combinações e grafar um número considerável de palavras, utilizando o teor motivado das combinações dos ideogramas. Como exemplo, podemos citar a palavra japonesa “suiryoku” (水力), representada na escrita pela junção do ideograma água (水) e força (力),

significando, assim, “energia hidráulica”. Da mesma forma, se usarmos o kanji de água (水) com outro ideograma, o de caminho, por exemplo, (道), logramos escrever “encanamento” (suidou -水道), ou seja, “o caminho da água”.

Um ideograma sozinho, então, pode significar um conceito, bem como permite ser combinado com diversos outros para formar novos vocábulos através da aglutinação. Por isso, como afirma Mukai (2012, p. 115)

a língua japonesa é uma língua caracterizada como predominantemente aglutinante – tal qual o coreano, mongol, turco, finlandês – que estabelece relações gramaticais por meio de relacionais (fuzokugo) como as partículas (joshi) e auxiliares verbais (jodôshi), diferentemente das línguas flexivas, como por exemplo, o português, que as determina através da ordem das palavras e flexões.

Podemos afirmar que, além da vantagem de ampliação vocabular pela aglutinação dos ideogramas, os caracteres chineses ajudaram a designar novos conceitos no japonês, já que as palavras Yamato (ou palavras do Japonês Antigo) eram consideradas fracas para expressar alguns sentimentos na língua tais como inveja, raiva, emoções fortes, etc. (KINDAICHI, op. cit.).

55 Outra vantagem desses ideogramas diz respeito aos estágios de assimilação que ocorrem quando lemos algo escrito com eles. Como sobrelevam Shioda e Brandão (2012, p. 160), em português, por exemplo, quando lemos alguma palavra

Nossa assimilação ocorre por meio de três estágios acumulativos: comumente, e quanto mais lemos, esse raciocínio se torna praticamente imperceptível de tão rápido. No primeiro estágio, reconhecemos as formas mostradas (representações gráficas dos sons) e, isoladamente, as reconhecemos como letras de nossa alfabeto; após isso, “juntamos” esses símbolos formando uma unidade significativa (palavra) – cabe salientar, aqui, que o português padronizou o “espaço” como caractere de marcação de palavras, ou seja, existe uma distância em branco entre uma unidade de significado e outra, o que nem sempre ocorre em outras línguas, como o japonês; no estágio final, relacionamos esta palavra a um conceito do nosso universo biossocial, a um conjunto de significados.

Porém, na língua japonesa, ao lermos algo escrito com os caracteres chineses “não passamos por um desses três estágios de assimilação necessários em qualquer língua” já que o “reconhecimento da representação gráfica de um conceito (...) é imediato, e por esta relação mais direta entre significante e significado é que dizemos que sua essência está evidente” (SHIODA e BRANDÃO, op. cit., p.162). Isso explicaria o fato de que, em japonês, a leitura instrumental pode ocorrer de maneira diferente em línguas que possuem como grafemas o alfabeto romano, já que o leitor consegue compreender um “conceito” pela junção dos ideogramas e pode, por mais estranho que possa parecer, não saber a representação gráfica dos sons dessa combinação. Consideremos, por exemplo, a palavra pessoa em japonês: “hito” (). Se juntarmos o kanji do numeral “três” (三) cujo som do grafema é “san”, o resultado não é lido “san hito” e sim “san nin” (三人), já que possui uma leitura especial em decorrência da combinação dos caracteres chineses. No entanto, por serem ideogramas básicos, geralmente aprendidos pelos estudantes de JLE no início do curso, o leitor, na maioria dos casos, entenderá que o significado é “três pessoas”, mesmo se não souber como ler o resultado da combinação dos caracteres. Tomemos como exemplo a palavra “飛行機”, grafada pela aglutinação de três diferentes kanjis: o do verbo

voar (tobu-), o do verbo ir (iku-) e do substantivo “máquina” (ki-機), cujo resultado final seria “hikouki” (飛行機), ou seja, “máquina que vai voando”. O aluno de JLE pode

inferir o significado do termo sem saber qual som a referida combinação possui na língua japonesa. Da mesma maneira, o aluno pode decompor a grafia do vocábulo “自動販売機”,

56 pelo conhecimento de que “自動” significa “automático”, “販売” significa “venda” e “機”

significa “máquina”, compreendendo que a palavra em questão significa “máquina de vendas automática”, ou seja, aqueles equipamentos que podemos colocar o dinheiro e comprar bebidas, chocolates, etc. mesmo sem saber que a leitura em japonês do termo em questão pela combinação apresentada seria “jidouhanbaiki”( 自動販売機). Apesar da complexidade das combinações dos ideogramas, podemos perceber que a maneira de grafar os vocábulos em japonês permite-nos inferir de maneira prática o significado de muitos termos pelo conhecimento prévio de um número básico de caracteres, o que facilitaria a leitura instrumental de palavras técnicas mais complexas, mesmo estando o aprendiz ainda em níveis iniciais de aprendizagem da língua japonesa. As especificidades dos ideogramas de origem chinesa são tantas que poderiam ser tema de pesquisas futuras sobre suas características, uso, ensino, bem como sobre o nível de letramento em japonês dos nipobrasileiros, suas dificuldades com os grafemas, etc.

A introdução dos ideogramas chineses também trouxe algumas desvantagens linguísticas, entre elas o aparecimento de inúmeros homônimos e com eles, a necessidade de ler a forma escrita de muitos enunciados evitando ambiguidade ou má compreensão das proposições. Além disso, um número grande de sinônimos desabrochou no japonês, já que muitas palavras que já existiam, passaram a ter uma outra equivalente, originada com o uso dos kanjis. Alguns linguistas olham para os sinônimos como um desafio para a mente dos estrangeiros que estudam a língua japonesa, pois dominar os léxicos básicos da língua exige uma memória ampla e bem treinada.