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3. LINGUÍSTICA ECOSSISTÊMICA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

3.2. Língua e ambiente

Os estudos numa perspectiva Ecolinguística, como citado anteriormente, se preocupam, principalmente, com as relações estabelecidas entre língua e o meio ambiente. De modo geral, segundo Couto (2009, p. 11), tudo o que ocorre na língua intercorre dentro do Ecossistema Fundamental da Língua que é formado por um “povo” que habita um “território”. Contudo, são as inter-relações estabelecidas nesse ecossistema que interessam ao linguista nas investigações sobre linguagem, uma vez que o fator ambiental não seria o único responsável por influenciar a língua e a cultura de um povo (SAPIR, 2016).

Não podemos excluir, tampouco, o ambiente/território das discussões sobre variedades e mudanças linguísticas, já que influências de natureza física e social estão intrinsecamente relacionadas à linguagem. Sapir (op. cit., p. 37) destaca que o melhor seria usar o termo “ambiente” compreendendo tanto os fatores físicos, como os sociais que englobam os grupos humanos, sobrelevando a importância mais saliente do fator social sobre os fatores físicos.

Em nossa investigação, o fator ambiental no Ecossistema da Língua – físico e social nos termos de Sapir (2016) – se constitui como elemento relevante na investigação da variedade linguística em questão: já que a koroniago está relacionada tanto com sua comunidade étnica, como com a localidade em que é usada: o território brasileiro e suas particularidades. Além disso, também com base nesse autor, podemos justificar nosso recorte teórico-metodológico de investigação da referida variedade linguística no nível lexical uma vez que

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O léxico da língua é que mais nitidamente reflete o ambiente físico e social dos falantes. O léxico completo de uma língua pode se considerar, na verdade, como o complexo inventário de todas as ideias, interesses e ocupações que açambarcam a atenção da comunidade; e, por isso, se houvesse à nossa disposição um tesouro assim cabal da língua de uma dada tribo, poderíamos daí inferir, em grande parte, o caráter do ambiente físico e as características culturais do povo considerado (SAPIR, 2016, p. 38).

O léxico pode refletir o ambiente físico-social daqueles que fazem seu uso e o território pode representar mudanças significativas no curso das línguas já que o CL no mundo é regra e não exceção. Para Couto (2009, p. 50) “tudo tem a ver com espaço”, pois povos se dirigem de um território para o outro em que “a co-presença no espaço leva à interação entre os dois povos/línguas, que pode levar a um estado de comunhão que, por seu turno, poderá resultar em comunicação”. Além disso, o mesmo autor sobreleva que “toda língua veicula uma visão de mundo, uma tecnologia única, que desapareceriam com ela.”

Para Haugen (2016, p. 58) “A língua existe somente nas mentes de seus usuários, e só funciona relacionando esses usuários uns aos outros e à natureza, isto é, seu meio ambiente social e natural”, pois a ecologia da linguagem é estabelecida pelo povo que aprende a língua, a utiliza e transmite aos outros. Contudo, só há interação entre os emissores e receptores da mensagem quando houver comunhão entre esses indivíduos (COUTO, 2009, p. 36). A comunhão é “a solidariedade que garante a conexão entre os indivíduos que ocupam o mesmo espaço” (GAIO, 2017, p.108) ou seja, é o compartilhamento de interesses comuns que culmina com a interação comunicativa.

Sobre a interação comunicativa, cabe salientar que os elementos que integram a Ecologia da Interação Comunicativa são o falante, o ouvinte, um ambiente onde a interação ocorre e um assunto sobre o qual a comunicação se dá (COUTO, 2016a). Sob esses princípios básicos, conforme a solidariedade entre os falantes aumenta, as inter- relações se aprofundam resultando em redes comunicativas, muitas vezes, caracteristicamente densas que tendem a preservar a variedade linguística ou as variedades linguísticas em questão.

Em suma, língua e ambiente estão interligados sobremaneira que muitos fatores sobre variedades linguísticas têm a ver com o espaço/território de algum modo. Couto (2009, p. 50) enfatiza que

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tudo tem a ver com espaço. Assim, populações se deslocam (conceito espacial) para o território de outra população. A co-presença no espaço leva à interação entre dois povos/línguas, que pode levar a um estado de comunhão que, por seu turno, poderá resultar em comunicação.

O engajamento e comunhão dos falantes levam à formação de redes sociais que também se associam com fenômenos linguísticos diversos tais como language shift, code-

switching, code-mixing, mudança linguística, etc., uma vez que suas características e

densidade podem explicar uma tendência à manutenção do vernáculo ou o seu abandono em detrimento de línguas com status maioritário, relacionando língua e identidade dos falantes com o sentido de pertencimento e engajamento a determinados grupos.

As redes sociais são construídas por indivíduos com interesses comuns: nos termos de Bortoni Ricardo (2014, p. 130) “ uma rede é concebida como o conjunto de vínculos de qualquer tipo que se estabelecem entre as pessoas de um grupo” e, através de seu estudo, é possível estabelecer as relações entre a densidade comunicativa e a diversidade linguística.

O estudo de rede sociais permite ao pesquisador realizar análises sociolinguísticas relacionadas com o reforço normativo que algumas redes têm a capacidade de operar, uma vez que, “as redes de tessitura miúda associam-se à preservação de linguagem minoritária e não padrão, enquanto as redes abertas são marcadas por preferência pela linguagem culturalmente dominante ou suprarregional” (BORTONI-RICARDO, 2011, p. 100).

Nos termos de Bortoni- Ricardo (2014, p. 131) “a Sociolinguística valeu-se do paradigma de redes para aprimorar a definição de uma comunidade de fala”. Dessa maneira, podemos perceber as redes sociais como parte constituinte do Ecossistema Linguístico, pois compõem os diversos segmentos na constante teia de inter-relações formadas por esse ecossistema onde, sem dúvida, a proximidade espacial viabiliza a convergência linguística. Neste sentido, a comunidade de fala começa a ser percebida “como matriz de repertórios de códigos, ou estilos de fala (...), e para isso torna-se muito útil o levantamento de redes sociais, levando em conta a localidade comum e a interação primária” (BORTONI-RICARDO, 2014, p. 131). Ainda segundo a referida autora, justamente através dos estudos de redes sociais que a Sociolinguística começou a compreender de maneira mais pormenorizada o porquê da manutenção ou mudança de variedades de pouco prestígio em relação à influência da norma padrão. Cabe destacar também, nos termos de Coelho et al. (2015, p. 68) que,

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uma análise sociolinguística baseada em redes sociais procura captar a dinâmica dos comportamentos interacionais dos falantes e possibilita o estudo de pequenos grupos sociais, como grupos étnicos minoritários, migrantes, populações rurais etc., favorecendo a identificação das dinâmicas sociais que motivam a mudança linguística.

Labov (2008 [1972]), por exemplo, logrou elucidar através de suas pesquisas como grupos específicos orientavam seu modo de falar em relação ao status, enquanto outros preservavam o uso do vernáculo local por estarem mais inseridos nas estruturas sociais de suas comunidades. Isso teria relação com o que Milroy (1980) chamou de redes sociais de tessitura miúda e redes de tessitura esparsa, pois aquelas reforçariam a pressão normativa, preservando a cultura e valores locais, enquanto essas tenderiam a exercer menos pressão sobre os falantes, podendo levá-los a um deslocamento de uso de sua língua em detrimento de outras também usadas na mesma localidade: em decorrência da configuração das redes sociais, os falantes podem abandonar uma variedade linguística em detrimento de outra que possua um status maior.

Ainda destacando o papel importante do ambiente em relação às línguas, cabe evidenciar que diversos fenômenos do CL decorrem da relação axiomática estabelecida entre língua e espaço/território. Dessa relação podem advir línguas duomistas, que possuem gramática de uma fonte e vocabulário de outra, línguas reestruturadas como o inglês vernáculo negro americano, línguas indigenizadas que entram no território através de pessoas cultas até chegar em todas as camadas sociais, bem como pidgins, crioulos, outras línguas e outros fenômenos de contato (COUTO, 2009).

Cabe salientar que, além da Ecolinguística, outros ramos da linguística também estudam a relação evidente entre língua e ambiente tais como a Dialetologia, a Geolinguística, a Crioulística e a Linguística de Contato. A dialetologia, por exemplo, visa

(i) descrever, nos espaços geográficos recobertos por uma determinada língua ou por um conjunto de línguas, fatos característicos; (ii) qualificar, do ponto de vista social, as ocorrências registradas e; (iii) examiná-las na perspectiva do tempo a que estão submetidas (CARDOSO, 2016, p. 13).

118 A Geolinguística – área do conhecimento que alia a dialetologia tradicional à sociolinguística (MONTEAGUDO, 2011) – foca na construção de mapas ou cartas geográficas com base em dados linguísticos identificados espacialmente, ou seja, a pesquisa advém da definição de uma área a ser analisada, bem como os falantes a serem investigados. Os atlas linguísticos provêm justamente dos estudos dessa área que relacionam características linguísticas com a situação geográfica.

Em suma, quando tratamos de CL, lidamos também de alguma forma com questões de ambiente/território. Nossa pesquisa, por exemplo, utiliza o território como uma variável relevante na análise e descrição da variedade investigada. Com isso, nosso recorte de investigação tem como foco principal sujeitos nipobrasileiros que tenham crescido em alguma cidade do estado de São Paulo e/ou Rio de Janeiro, assim como japoneses que tenham crescido no Japão e não possuam conhecimento de português do Brasil. Essas variáveis estão intrinsecamente relacionadas com a pesquisa que realizamos e as descrições pósteras sobre a koroniago.